No dia 30.3.2020, o deputado federal Marcelo Freixo anunciou, via Twitter, que teria apresentado "projeto de lei que proíbe o despejo, suspende a cobrança de juros e multa por atraso de pagamento e reduz 30% do valor dos aluguéis de até R$ 5 mil para quem ganha menos de R$ 10 mil por mês".
Trata-se do Projeto de Lei nº 1112/2020, no qual consta no § 4º de seu artigo 5º que tal desconto" incide automaticamente sobre os contratos de locação residencial firmados antes da presente lei, caracterizando-se a pandemia do coronavírus como motivo de força maior e situação emergencial que justifica o presente desconto a fim de preservar o equilíbrio da relação contratual".
Também foi apresentado, pelo senador Antonio Anastasia, o Projeto de Lei nº 1179/2020, prevendo, em seus artigos 9º e 10, que "não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo" e, ainda, que "os locatários residenciais que sofrerem alteração econômico-financeira, decorrente de demissão, redução de carga horária ou diminuição de remuneração, poderão suspender, total ou parcialmente, o pagamento dos alugueres vencíveis a partir de 20 de março de 2020 até 30 de outubro de 2020", sendo que tais alugueres postergados "deverão ser pagos parceladamente, a partir de 30 de outubro de 2020".
De fato, no cenário de crise atual causada pela pandemia de covid-19, um dos setores atingidos, e que demanda cuidados, é o da habitação, tendo em vista a possibilidade de locatários não conseguirem honrar os aluguéis.
No entanto, uma primeira observação que se pode extrair dessas propostas em tramitação no Congresso é que analisam a crise sob a ótica única do locatário, ignorando que o locador, muitas das vezes, depende da receita para seu sustendo e de sua família. Pode ser o caso do locador que investiu todos os recursos que tinha para adquirir um segundo imóvel e fazer da renda da locação a sua aposentadoria. Ou mesmo aquele que, desempregado, foi morar com um parente para poder alugar o único imóvel e se sustentar com a renda proveniente da locação.
Por outro lado, os PLs, ou pelo menos o projeto da Câmara, iguala a situação de todos os locatários, concedendo a todos eles a benesse do desconto de 30%, partindo da premissa de que todos eles teriam sido afetados pela crise, o que se sabe não ser verdade. Isso, somado ao que foi dito no parágrafo anterior, pode levar a uma situação de distorção, na qual uma pessoa obtém um desconto de 30% (número também um tanto arbitrário) sem fazer jus, em detrimento do sustento de alguém que depende do recebimento de tal verba.
De mais a mais, é sempre questionável (inclusive sob o prisma constitucional) uma intervenção estatal tão direta e drástica em relações eminentemente privadas.
Compreende-se a preocupação geral com a situação e a especial cautela com o setor da habitação. No entanto, isso não deve justificar soluções legislativas simplistas para problemas como esse, pois, como bem dizia Mencken, para "todo problema, existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada".
A solução legislativa para o problema parece já existir, sendo a dos artigos 478 a 480 do Código Civil, que preveem a resolução ou revisão do contrato por onerosidade excessiva, isto é, quando "prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis".
Tal solução é genérica o bastante para permitir que se avalie, observadas as peculiaridades de cada caso - isto é, analisando a situação específica de cada locador e locatário - se a revisão contratual se justifica. Seu ponto fraco, todavia, também parece óbvio: depende da intervenção do Poder Judiciário, o que, em boa parte dos casos, pode ser desencorajador, pois demanda-se uma solução rápida.
A melhor alternativa existente para o problema é sempre uma primeira tentativa negocial, que permita uma revisão do contrato levando em conta que o locatário precisa de condições que lhe permitam honrar o aluguel e que, em caso de inadimplência, o locador poderá enfrentar uma longa batalha judicial para receber os valores a que entende fazer jus (ou mesmo nada receber, dependendo de como ficar). Evidentemente, a existência dos mencionados artigos 478 a 480 do Código Civil é um grande "incentivo" para que as partes façam uso do bom senso e alcancem uma solução.
O fato é, norma aplicável ao caso já existe, embora sua eficácia possa ser comprometida pelo assoberbamento do Poder Judiciário. Mas, nada garante que a promulgação de um dos projetos em questão resolva o problema. Provavelmente, o problema será transferido para outra vítima da crise.
Portanto, projetos de lei como os propostos não devem passar sem maiores reflexões. Afinal, se são bem-vindas tentativas de minimizar os efeitos da crise causada pela covid-19, também é bem-vinda cautela para se evitar que soluções simplistas tornem ainda maiores os efeitos da crise. E nunca é demais lembrar que segurança jurídica (que inclui o respeito aos contratos, sobretudo contra atos de apenas uma das partes) ainda é um relevante instrumento de proteção econômica.
*Carlos Ximenes é advogado do Castro Barros Advogados e especialista em contencioso e consultivo cível e empresarial, com foco em discussões contratuais envolvendo direito bancário e direito de seguros
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