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Opinião|CPI pode celebrar acordo de colaboração premiada?

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convidado
Por Galtienio da Cruz Paulino*
Atualização:
Sessão da CPMI do 8 de Janeiro, em julho Foto: Edilson Rodrigues/Ag. Senado

Recentemente, diversas matérias foram publicadas no sentido de que a advocacia do Senado Federal emitiu parecer favorável à negociação de acordo de colaboração premiada pela “CPI dos atos golpistas”. Contudo, em nosso ordenamento jurídico, não é admitido que uma CPI celebre acordo de colaboração premiada!

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Vigora em países de sistema jurídico regido predominantemente por regras do civil law, como é o caso do Brasil, o princípio da obrigatoriedade da ação penal que, em geral, está atrelado ao princípio da legalidade.

Ocorre que a obrigatoriedade da ação penal, em um contexto atual de busca pela eficiência e eficácia da persecução penal, adequa-se ao princípio da oportunidade regrada, que proporciona o respeito ao princípio da legalidade, bem como possibilita a adoção de institutos negociais, como é o caso da colaboração premiada, por países de sistema jurídico com predominância das características do civil law, desde que observados os limites discricionários previstos em lei.

A discricionariedade, no campo da justiça criminal, especialmente nos países do civil law, apresenta-se como uma opção de escolha aos órgãos de persecução, desde que observados os estritos limites da lei, buscando-se evitar possíveis atuações de maneira arbitrária. Portanto, a utilização de institutos negociais como a colaboração premiada deve ocorrer em consonância, repita-se, com os estritos limites legais

Ocorre que a Lei n.º 1850/2013 estabelece como legitimados para a celebração de acordo de colaboração premiada o Ministério Público e o Delegado de Polícia. Contudo, o STF definiu na ADI 550812 que o Delegado de Polícia não pode estabelecer benefícios no acordo de colaboração.

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A lei teve como fundamento para especificar quais seriam os legitimados para a celebração de um acordo de colaboração premiada a titularidade da persecução penal. A legitimidade do Ministério Público é mais abrangente em razão de o Parquet titularizar a persecução penal de forma plena (investigativa e processual). A Polícia titulariza a persecução penal apenas na fase investigativa.

A legitimidade para a celebração de um acordo, estabelecida em lei, é requisito de validade de um acordo de colaboração premiada. Este existirá quando estiverem presentes a manifestação de vontade das partes, presença de agentes emissores da vontade, objeto e forma. Essa manifestação da vontade deve ser livre e de boa-fé, bem como emitida por legitimados para celebrarem o pacto.

Galtienio da Cruz Paulino Foto: Arquivo pessoal

Observa-se, portanto, que apenas os sujeitos dotados de legitimidade (previstos em lei) podem celebrar um acordo de colaboração premiada. A legitimidade para o acordo decorre da titularidade dos direitos que serão negociados no pacto. O colaborador renuncia temporariamente a seu direito ao silêncio e à garantia da não autoincriminação. Em contrapartida, o Ministério Público ou a autoridade policial abre mão parcialmente do exercício da persecução penal, concedendo um prêmio ao colaborador (concessão de prêmio exclusiva do Ministério Público).

Observa-se, portanto, que apenas os titulares dos direitos em discussão (acusado e Ministério Público/autoridade policial) podem celebrar um acordo de colaboração premiada, pois não é cabível se transacionar, salvo nas hipóteses legais, direitos de outrem.

Ora, como admitir que um terceiro (CPI) possa dispor de um direito que não possui, o direito à persecução penal?

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Não se está olvidando do poder de investigação das Comissões Parlamentares de Inquérito, previsto constitucionalmente. Contudo, não há previsão legal de legitimidade das CPIs para a celebração de acordos de colaboração premiada, além de não titularizarem o direito à persecução penal. Mesmo que se entenda que o poder de investigação das CPIs abarca a persecução penal, esta se limitará à fase investigativa. A persecução penal processual é exclusiva do Ministério Público e, desse modo, em nenhuma hipótese uma CPI poderá estabelecer benefícios em um acordo de colaboração premiada.

*Galtienio da Cruz Paulino, formado em direito pela Universidade Federal da Paraíba, mestre pela Universidade Católica de Brasília e doutorando pela Universidade do Porto, é procurador da República e já atuou como membro-auxiliar do procurador-geral da República junto ao Supremo Tribunal Federal (STF)

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