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Opinião|Criança: vítima preferencial

É mais um dos paradoxos oferecidos pela contemporaneidade aos seus estudiosos: a ciência garantiu longevidade, as vacinas reduziram a mortalidade, os direitos fundamentais foram universalizados, ao menos no discurso. Mas o descuido e a insolência da humanidade para com o seu habitat geram perigos que as velhas gerações não enfrentaram

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convidado
Por José Renato Nalini

As crianças merecem especial proteção do Estado. As democracias levam a sério o futuro e, portanto, elaboram redes tutelares que privilegiam os infantes. O Brasil tem o seu Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Federal 8.069, de 13.7.1990, que regulamenta o artigo 227 da Constituição da República.

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Os cuidados com quem vai nascer começam mesmo antes da gestação. A maternidade é uma fase que necessita de especial nutrição, para que não falte ao nascituro qualquer condição para o seu desenvolvimento hígido e regular.

Mercê dos avanços da medicina e da indústria farmacêutica, as novas gerações nascem fortes e tendem a se desenvolver em condições mais favoráveis do que ocorria antigamente.

Só que um dos paradoxos da contemporaneidade é a ampliação dos danos causados às crianças pelos fenômenos extremos, consequência da emergência climática gerada pelo aquecimento global.

Os impactos dessas mutações são potencializados em relação às crianças, de acordo com a OMS, Organização Mundial da Saúde, UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância, IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima e AAP – Academia Americana de Pediatras. É um quarteto respeitável e merece toda a atenção da sociedade.

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Se as temperaturas inadequadas para os humanos causam problemas, para as crianças elas são ainda mais perigosas. É que a criança tem maior dificuldade para regular a própria temperatura corporal. As chuvas tornam os menores indefesos, necessitando da ajuda de adultos para se safarem das águas, quando em grande volume ou em violenta movimentação. O que é comum nas cidades que são impermeáveis e são destinadas ao trânsito de veículos automotores, não para seres humanos.

Isso é natural. A fisiologia das crianças é diferente. Por isso, a incidência das vicissitudes climáticas é maior sobre elas. Há também uma crise de valores. Os direitos das crianças são menos garantidos. Elas não formam fortes grupos de reivindicação e não conseguem pressionar o Poder Público.

Outra grave ameaça contra a criança é a poluição do ar. Como em cidades grandes o grande vilão é o transporte, diante da utilização de combustíveis fósseis, não é difícil concluir que a infância brasileira padece desse mal. Pois quase todos os brasileiros residem hoje nos centros urbanos. A Sociedade Brasileira de Pediatria observa que as crianças inalam mais ar por quilo de peso corporal e absorvem mais poluentes em relação aos adultos, enquanto seus pulmões estão em formação.

Não é de se descuidar da saúde mental. Hoje, os adultos têm noção de que as emergências climáticas chegaram e não vão mais embora. Ao contrário, os fenômenos extremos recrudescerão e serão mais frequentes. Isso também afeta a criança, mais impressionável, mais vulnerável, ainda imatura.

Outros problemas sérios: a alimentação escolar depende bastante da agricultura familiar. E estes grupos menos poderosos do que o agronegócio, padecem de forma exponencial quando acontecem esses eventos que a humanidade mesma provocou e com os quais não sabe lidar de forma adequada.

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A UNICEF divulgou que mais de dois milhões de crianças e jovens brasileiros não têm acesso a água no Brasil. Se a água é um direito essencial e as crianças precisam de mais água do que os adultos, a questão é muito mais séria do que parece.

Embora o Brasil já não seja um país de célere adensamento demográfico, mas de acentuada queda da natalidade, às crianças que hoje estão sob a guarda adulta e de cuja higidez física e mental depende o amanhã, é necessário enfrentar corretamente essa vulnerabilidade e adotar um tratamento preferencial para elas. Disso tem de se encarregar a sociedade como um todo. Não se pode aguardar que o governo dê conta de obrigações que começam no âmbito doméstico. Mas também cobrar para que ele faça a sua parte.

É mais um dos paradoxos oferecidos pela contemporaneidade aos seus estudiosos: a ciência garantiu longevidade, as vacinas reduziram a mortalidade, os direitos fundamentais foram universalizados, ao menos no discurso. Mas o descuido e a insolência da humanidade para com o seu habitat, geram perigos que as velhas gerações não enfrentaram. Culpa nossa. Tratemos de nos redimir.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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