Gary Becker foi um importante economista, nascido em 1930 e falecido em 2004. Foi ganhador do prêmio Nobel de economia no ano de 1992.
Uma de suas principais obras "Crime and Punishment: an economic approach", publicada em 1968, traz explicações econômicas e racionais para o fenômeno da prática criminosa.
Basicamente, Becker propõe que o crime seja visto como uma atividade econômica, apesar de ilícita. Assim, toda a estrutura do modelo é baseada na hipótese da racionalidade do ofensor em potencial. Esse, agindo de modo racional, cometerá um crime se e somente se o benefício esperado por ele exceder o custo que teria na alocação de seu tempo e recursos em atividades que sejam lícitas.
Dessa forma, de acordo com Becker, muitos indivíduos se tornam criminosos não porque suas motivações básicas sejam diferentes das de outros indivíduos, mas sim porque seus custos e benefícios diferem.
Outro dado extremamente relevante para a análise econômica do crime consiste em que a certeza da punição, até mais do que o tamanho das penas a serem eventualmente impostas, é fator que pesa de modo determinante dentre os custos da empreitada criminosa.
Essa abordagem é extremamente importante e precisa vir acompanhada de dados empíricos e estatísticos para sua aplicação, sendo evidente, por outro lado, que a teoria econômica da criminalidade não explica a ocorrência de todos os crimes, especialmente aqueles passionais ou praticados por agentes que se encontrem fora de suas condições psíquicas normais.
Diríamos nós que essa abordagem explica a maior parte dos crimes contra o patrimônio, mas evidentemente não a esgota. A falta de estatísticas, no Brasil, impede conclusões mais precisas acerca do assunto, muito embora estudos relevantes já tenham sido produzidos acerca do tema. Vide, a esse respeito, os estudos do economista Marcelo Justus dos Santos (a exemplo de "Uma Abordagem Econômica da Criminalidade no Brasil"), com muitos dados empíricos colhidos junto às Secretarias de Segurança Pública.
Recentemente, surgiu um debate no Brasil acerca da desnecessidade de punição, se o crime já ocorreu.
Dentro desse debate foram colocadas questões como, por exemplo: para a família da vítima de um crime de homicídio, o fato do criminoso ser condenado e preso não traria de volta a vida daquele ente querido.
Se por um lado a teoria econômica do crime possa não explicar todas as ocorrências criminais, por outro lado colocações abstratas dessa natureza, que tangenciam a descriminalização de condutas coibidas pela sociedade civilizada há séculos, são a nosso ver despidas de justificativa razoável.
Não se pode conceber que a ocorrência de um crime seja causa para a relativização de sua punição, mesmo porque, seja dentro ou fora da teoria econômica do crime, um aspecto é consensual como já referido: a certeza da punição, até mais do que o tamanho da pena, inibe a prática criminosa por definição.
Cesare Beccaria, em "Dos Delitos e das Penas", pai do iluminismo penal, já proclamava em 1764: "Não é o rigor do suplício que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo. A perspectiva de um castigo moderado, mas inevitável, causará sempre uma impressão mais forte do que o vago temor de um suplício terrível, ao qual se apresenta alguma esperança de impunidade."
Debater os direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Constituição é uma coisa. Criticar pacotes anticrime por se entender que aumento de prazos prescricionais e aumento de limite máximo de pena possam ser violadores de princípios também é válido e até mesmo salutar. Mas proclamar a abolitio criminis porque o crime já aconteceu, a nosso ver e com o devido respeito, é tornar o debate jurídico sem sentido.
*Marcelo Knopfelmacher, advogado criminalista
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