Dois dias após manifestações que levaram milhares de apoiadores do governo de Jair Bolsonaro às ruas, o Senado vota nesta terça-feira, 28, a Medida Provisória 870, que trata da reforma administrativa e, entre outras medidas, da transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça, de Sérgio Moro, para a pasta da Economia.
Um dos pedidos dos manifestantes foi justamente a permanência do órgão sob o controle de Moro. O próprio ministro defendeu a ideia em mais de uma ocasião e lamentou, na semana passada, quando o plenário da Câmara decidiu devolvê-lo ao ministério de Paulo Guedes (veja aqui como foi a votação). De acordo com o ex-juiz, a permanência do Coaf em sua pasta não é questão pessoal.
Antes, Moro já havia dito que o Coaf estava "esquecido" no Ministério da Economia e que a equipe de funcionários, soba a alçada da Justiça, foi fortalecida - de 37 para 56.
Estopim da primeira crise do governo Bolsonaro, após divulgação do relatório sobre movimentações financeiras suspeitas do hoje senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e de seu ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz (na época em que Flávio era deputado estadual), o Coaf está "mais comentado do que novela das oito" - como costuma brincar o presidente do órgão, Roberto Leonel de Oliveira Lima, e virou alvo de disputa política.
Nesta segunda, 27, o senador Major Olimpio, líder do PSL na Casa, disse que vai defender a manutenção do órgão sob Moro. "O presidente já disse que, em último caso, abre mão. Ele pode abrir mão de um direito, eu não abro mão de uma obrigação", afirmou o parlamentar.
Como o Coaf funciona
Se você fez um saque ou depósito no banco de R$ 50 mil ou mais, se fez sucessivas transações de valores abaixo de R$ 10 mil, se movimentou mais dinheiro do que ganha, comprou um carro ou um relógio de luxo ou uma joia e pagou em dinheiro vivo, comprou e vendeu imóveis em curto espaço de tempo ou com variações de valores significativas, saiba que seu nome deve estar registrado no banco de dados do Coaf. Seu nome não exatamente, mas o número do seu CPF, que é como o servidor mais ativo e ágil do órgão enxerga você: o big data do Coaf, que recebe, armazena e processa dados de todas movimentações financeiras de pessoas e empresas do País.
Em 20 anos de existência, o Coaf armazenou 17,1 milhões de comunicações de operações comerciais e financeiras suspeitas, feitas por bancos, corretoras e transportadoras de valores, factorings, lojas de artigos de luxo, de carros, imobiliárias, entre outros. Setores econômicos, regulamentados ou não, como Banco Central, Comissão de Valores Mobiliários e Susep, são obrigados a comunicar operações suspeitas de clientes.
Big data no Coaf
Não é improvável que seu CPF esteja registrado na memória do Coaf, o big data, um imenso e moderno computador que armazena e processa dados 24 horas por dia e que fica trancafiado no salão-cofre do Serpro, em nível máximo de segurança. Nele estão guardados todos registros de operações suspeitas e de comunicação obrigatória - como movimentações superiores a R$ 50 mil em bancos. Pela lei, o papel do Coaf é monitorar, analisar e produzir os relatórios de inteligência financeira (RIFs), como os do caso Queiroz.
Os relatórios do Coaf
Os relatórios do Coaf são disponibilizados para autoridades locais, como polícia, Ministério Público e Receita Federal, e internacionais, responsáveis por investigar se há crime nas operações suspeitas - a lavagem do dinheiro pode ocultar crimes de corrupção, sonegação fiscal, narcotráfico, extorsão, sequestros e roubos. Então, o fato de seu nome estar no banco de dados do Coaf não significa que você fez algo ilícito nem mesmo que é ou foi investigado.
O que vai determinar se você - ou seu CPF - e a operação financeira realizada serão fichados em relatório, o RIF, para envio à polícia, ao Ministério ou à Receita, será a combinação de fatores que compõem a classificação de risco e prioridade, feita por um software de inteligência artificial. Se você é investigado, se é servidor público, se é político ou parente de um, as chances de ter caído no radar dos analistas do Coaf é maior.
Alertas do Coaf triplicaram nos últimos 5 anos
Desde a sua criação, o Coaf gerou 43,2 mil relatórios de informação. Houve aumento constante de produção de alertas emitidos pelo conselho, mas, desde 2013, esse número é mais significativo, tendo triplicado: foram 2.450 relatórios naquele ano, depois 3.178 em 2014, quando foi deflagrada a Lava Jato, atingindo 7.350 no ano passado - ano em que recebeu o recorde de 3 milhões de comunicações a serem analisadas pelo seu big data.
Em quatro meses de governo, o Coaf aumentou a produção de relatórios em 20%, em relação ao mesmo período do ano anterior, e número de pessoal: o total de servidores subiu de 37 para 56, e deve aumentar. Há investimentos também previstos para ampliar a capacidade de produção e armazenamento do big data atual. O maior avanço na produção, no entanto, depende da integração que está em curso entre o órgão e autoridades de investigação.
Como surgiu o Coaf
O Coaf existe desde 1998, criado na esteira da Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei 9.613/1998). Seus relatórios abastecem com dados investigações de crimes financeiros pelo País: no caso dos desvios na obra do TRT em São Paulo, que levaram o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto para a cadeia, eles estavam lá; no caso Banestado, primeira grande operação contra lavagem de doleiros dos anos 2000, também; no caso do mensalão, a partir de 2006, seus relatórios foram fundamentais para identificar como parlamentares lavavam dinheiro recebido; e na Lava Jato seus dados foram estratégicos para o avanço das investigações.
Alvos do Coaf
Não foi só o filho do presidente Jair Bolsonaro que caiu no radar do Coaf. Os filhos e amigos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - condenado e preso na Lava Jato - também foram alvo de relatórios do Coaf. Assim como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ), sua filha e sua mulher, e, mais recentemente, o amigo do ex-presidente Michel Temer, o coronel Lima.
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