Afastado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso por suspeita de ligação com um esquema de venda de sentenças, o desembargador Sebastião de Moraes Filho apelou ao “amor ao direito e à justiça” para pedir sua reintegração à Corte. Em manifestação enviada ao corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell, o desembargador negou enfaticamente ligação com atos ilícitos durante o exercício de suas funções e classificou assim acusações que pesam sobre ele. “Maquiavélicas.”
Segundo Moraes, em razão de seu afastamento, pessoas que perderam ações perante a Justiça estão se “dirigindo” contra ele. Para o desembargador, essa situação pode gerar “outras tantas reclamações” no Conselho Nacional de Justiça em um “verdadeiro efeito dominó, transformando até então um magistrado honrado, que nunca teve qualquer mácula em sua vida, em verdadeiro criminoso”.
O magistrado reclama da divulgação das imputações que lhe são feitas, indicando que “já está condenado” pelo que chama de “Tribunal da Imprensa” e “perniciosa mídia”.
As afirmações e o desabafo de Sebastião de Moraes constam da peça de defesa que o desembargador apresentou ao CNJ após uma denúncia que atribui a ele e a outros dois magistrados do Tribunal de Justiça de Mato Grosso suposta “quebra do dever de parcialidade e conduta inidônea” em processos relativos à fazenda Paraíso, uma gleba de 1.452.000 hectares avaliada em R$ 80 milhões. As terras são localizadas em Luciara, a 1.160 quilômetros de Cuiabá.
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Para o magistrado a suspeita lançada sobre sua conduta busca “tisnar a honra de um magistrado” de 74 anos de idade. “Nada devo e, portanto, nada temo e, ao final, tudo será bem esclarecido. Defender-me-ei de todas (as denúncias) e, com absoluta segurança, todas serão arquivadas. De joelhos somente para Deus e, para ataques infames e inconsequentes, sempre estarei em pé para demonstrar a minha inocência”, afirma.
“Na presidência da 2.ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, por quase 20 anos de desembargo, não se vê nenhuma ilegalidade”, afirma. “O que se registrou, no caso, foram tão somente situações pontuais controvertidas e que, ao final, restaram consignadas e resolvidas por análise de todos os membros.”
O caso entrou na mira do CNJ após denúncia do advogado Igor Xavier Homar. Em sua defesa, o desembargador chega a pedir uma investigação da Corregedoria Nacional de Justiça sobre o advogado. Ele sustenta que Homar “omitiu” que “não é parte do processo” da fazenda Paraíso. O advogado informou ao Estadão que vai ingressar com queixa-crime contra Moraes e ingressar na OAB com pedido de nota de desagravo. “O desembargador é mentiroso.”
“No caso, tratando-se de mero advogado e representante da parte, indispensável se apresenta que a reclamação seja apresentada por quem de direito e não pelo advogado que, no caso em apreço, por total ausência de legitimidade ativa”, sugere Sebastião de Moraes.
Ele alega que não foi o relator do caso sob investigação no CNJ. Também nega que um advogado denunciado ao CNJ, Marcelo Barros, tenha qualquer influência no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso e, em especial, em relação à desembargadora Marilsen Addário – responsável pelo voto vencedor no julgamento sobre o processo da Fazenda.
O desembargador rebate as imputações de Igor Homar, o denunciante, que classificou Barros como um ‘lobista de sentença’. Barros foi magistrado do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, aposentado compulsoriamente pelo CNJ em meio a um outro caso rumoroso que agitou a Corte, denominado o ‘escândalo da Maçonaria’.
“Não existe com o mesmo (Barros) qualquer tratamento especial e muito menos este advogado detém supostos argumentos para impingir aos membros deste Tribunal qualquer dose de coação para ter seus pedidos atendidos”, segue Moraes. “Argumentos maquiavélicos que não devem ser levados em conta.”
De acordo com o desembargador, a denúncia busca atribuir a ele uma suposta prevaricação, o que poderia levar a uma ação rescisória, que afetaria diretamente o processo no TJ estadual.
Moraes diz que a situação pode ser considerada uma cartada jurídica que, por estar em desacordo com o figurino jurídico, não pode e não deve ser atendida pelo CNJ. “O que é feito contra a lei é tido como não feito, preceito milenar.”
“O ônus da prova é totalmente da parte que alega e, pelo visto, a rigor dos argumentos tratados, apenas trouxe o reclamante (Igor Homar) alegações genéricas sem respaldo algum na prova dos fatos alegados, criados tão somente na mente do advogado”, diz o desembargador.
Segundo Moraes, o advogado “utilizou de argumentos vertidos em outra Reclamação Disciplinar que, certamente, será arquivada pelo CNJ, para lançar os ataques contra o reclamado, impingindo-lhe até a pecha de chefe de um bando e, neste aspecto, de forma transversa, registra que o voto condutor da eminente relatora foi por imposição do reclamado, numa situação até moralmente desqualificada”.
O desembargador argumenta que seu afastamento, determinado no bojo de um outro procedimento - investigação sobre suposta venda de decisões judiciais – “não justifica os ataques irresponsáveis e inconsequentes contra o reclamado, tratando-se de maquinações feitas por um advogado, sem um mínimo de prova cabível”.
A investigação que levou ao afastamento de Moraes mira ainda sua conduta em casos patrocinados pelo advogado Roberto Zampieri - assassinado a tiros em dezembro do ano passado quando chegava ao escritório em Cuiabá - com o qual teria “amizade íntima”, recebendo presentes e propinas em vez de se declarar impedido para julgar os processos.
Segundo o desembargador, suas decisões não foram favoráveis ao advogado “barbaramente assassinado”.
“Cada tópico foi rechaçado e que indene de dúvidas restou comprovada a inocência. Apenas para registro, chegava o falecido advogado Roberto Zampieri (que Deus o tenha) ao cúmulo de vender juízes e desembargadores para ambas as partes e devolvia, quando devolvia, ao que perdia a demanda, segundo comentários nos corredores do Tribunal de Justiça. Como dito, com quase 40 anos de atividade, o reclamado nunca teve sua ficha funcional maculada e, diga-se que poderia ter-se aposentado no ano de 1997″, anotou o desembargador.
“Tudo elucubrações sem provas, mero descontentamento de sair perdedor em sede recursal, em voto”, ressalta.
COM A PALAVRA, O ADVOGADO IGOR XAVIER HOMAR
“O desembargador Sebastião Moraes é mentiroso. Vou ingressar com queixa-crime contra ele por denunciação caluniosa e também levar representação à OAB, irei requerer uma nota de desagravo público em razão dessas acusações mentirosas a meu respeito. Tenho 15 anos de advocacia, nunca tive uma infração ético disciplinar apurada na OAB. Atuo em mais de 1.800 ações em curso. Não sou moleque. Se estou tomando essa atitude e me arriscando é porque as evidências denunciadas por mim têm lastro, são muito sérias e devem ser apuradas.
Na Reclamação Disciplinar, o ministro-corregedor impôs duas providências por parte do Tribunal de Justiça de Mato Grosso. A primeira, que o tribunal informe se houve algum procedimento administrativo instaurado para apurar as falhas disciplinares que denunciei ao CNJ. A segunda, para que o Tribunal de Justiça encaminhe cópias integrais dos dois processos relacionados a essa situação. Em nenhum momento, o ministro intimou o desembargador Sebastião de Moraes para se manifestar nesse procedimento.
O desembargador se pronunciou diretamente ao ministro-corregedor por conta própria, tumultuando o procedimento sem que viesse a ser instado a se manifestar nesse momento. Ele está fazendo do CNJ o quintal de sua casa. Nem foi acionado ainda para se manifestar.
Eu tenho legitimidade ativa para propor a Reclamação. Eu sou advogado da ação há mais de 10 anos. Quero destacar que nesse processo eu tive minhas prerrogativas violadas, a gravação da minha sustentação oral foi silenciada. Além disso, o desembargador Sebastião de Moraes deu crédito exclusivo para o advogado Marcelo de Barros, da parte adversa.
Ele alega que eu estou omitindo a existência dessa Reclamação aos meus clientes. Diz que meus clientes já morreram e que eu estou me valendo disso para obter vantagem e receber todos os créditos da ação da fazenda Paraíso. Mas isso é mentira e eu vou desmascarar o desembargador. Vou comprovar que os clientes que eu represento são o meu sogro e a minha sogra. Eles estão vivos. Minha esposa é a herdeira e tem total conhecimento da causa. A gente conversa todo dia sobre o processo, ela é advogada também.
Meu sogro e minha sogra são meus clientes, tenho contrato de honorários, vou receber apenas a sucumbência (valor depositado pela outra parte). Lógico que eu tenho interesse na causa e perspectiva de êxito. Sou parte legítima. Atuo diretamente no processo.
Esse tipo de ilação do desembargador é própria de quem tem a mente corrupta. O desembargador tenta mudar o foco da apuração disciplinar para minha pessoa sugerindo ao CNJ que eu seja o investigado porque estaria omitindo o falecimento da minha sogra e do meu sogro. Um absurdo. Vou esperar o ministro-corregedor me intimar. Quando chegar esse momento vou desmascarar o desembargador, vou demonstrar que meus clientes estão vivos. Não estou tirando proveito nenhum dessa ação.”
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