O debate sobre se ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) devem ter mandato para exercer o cargo é legítima e pode ocorrer, mas é preciso se chegar a uma conclusão se a mudança será positiva para a mais alta corte do País e resolver os problemas atribuídos atualmente a ela.
Essa foi a conclusão da segunda mesa de debates do 8ª Seminário Caminhos contra a Corrupção, realizado pelo Instituto Não Aceito Corrupção em parceria com o Estadão. O encontro foi mediado pela jornalista Paula Litaiff, fundadora da revista Cenarium Amazônia. A íntegra pode ser conferida aqui.
O tema voltou ao noticiário após o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), declarar que pretende colocar em discussão no ano que vem a proposta de emenda à Constituição que cria os mandatos. A declaração ocorreu na esteira da aprovação da PEC que limitou o poder dos ministros concederem decisões monocráticas. A medida teve como consequência reação de ministros do Supremo. Gilmar Mendes disse que a Corte “não admite intimidações”.
Guilherme Casarões, cientista político da FGV, não vê problema na discussão, mas considera que a sociedade ainda não tem informações suficientes para determinar se a redução do mandato vitalício para um prazo de 10 anos, por exemplo, resolverá os problemas do dia a dia do STF.
“A pergunta que quase nunca é feita é: vai melhorar?”, questionou ele, acrescentando que não tem uma resposta para a questão. “Eu sinto que a posição pública é defender a mudança porque você não gosta do Supremo ou criticá-la porque você gosta”, avaliou.
Na mesma linha, Maria Tereza Sadek, cientista política da USP e da FGV, lembrou que há diversas experiências institucionais, desde a Europa, onde é comum que os ministros da corte constitucional tenham mandato, até o Estados Unidos, onde o cargo é vitalício e frequentemente os ministros morrem durante seu exercício.
“É razoável que alguém fique no Supremo durante 30 anos? É uma pergunta, não tenho uma resposta. Não seria mais produtivo que houvesse uma renovação? Toda e qualquer instituição pode ser aprimorada”, declarou.
Ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro foi mais enfático e defendeu a criação dos mandatos para o STF, mas com algumas condições. Para ele, é preciso vetar a possibilidade que um único presidente indique todos os ministros e que a renovação do STF seja escalonada. “Também teria que ser impossível a recondução, porque isso colocaria o ministro à mercê do presidente da República e do Senado, a quem ele teria que agradar para ser reconduzido”, avaliou Ribeiro.
Orçamento secreto: consequência do enfraquecimento do Executivo
Outro ponto debatido no seminário foi o orçamento secreto, prática criada no governo Bolsonaro e revelada pelo Estadão, e suas consequências no combate à corrupção. Na visão dos especialistas, o mecanismo representa o ápice de um processo de enfraquecimento do Poder Executivo no Brasil e o fortalecimento do Legislativo.
No início dos anos 90, o cientista político Sérgio Abranches cunhou o termo presidencialismo de coalizão para definir o sistema político brasileiro. Mesmo com a concentração de poder no Executivo, o presidente da República era obrigado a negociar com os partidos políticos para ter governabilidade no Congresso.
Leia também
Segundo Casarões, da FGV, inicialmente o presidencialismo de coalizão era encarado como positivo por forçar o presidente a compartilhar poder com os parlamentares. Porém, desde o governo Dilma Rousseff, que não demonstrou disposição em negociar com o Parlamento, esse processo se aprofundou.
“O Congresso entendeu em algum momento que diante da fraqueza de certos presidentes que não estavam dispostos a negociar, ele poderia ampliar sua tentativa de influir sobre o orçamento e as políticas públicas”, afirmou o cientista político.
O principal problema do orçamento secreto é a falta de transparência. Deputados e senadores indicam recursos para suas bases eleitorais, mas não é possível saber exatamente quem são os autores daquelas indicações. No final do governo Bolsonaro, o STF proibiu o mecanismo, mas o Congresso, juntamente com o governo Lula, criou outra forma para as indicações continuarem ocorrendo.
Agora, os parlamentares influenciam na destinação do dinheiro que, formalmente, está no orçamento de ministérios e órgãos públicos. Recentemente, Lula mudou a destinação de recursos que estavam sob controle dos ministérios para formar um “caixa” com verbas que poderão ser indicadas por deputados e senadores durante votações importantes para o governo no Congresso neste final de ano.
“Nós temos um Legislativo muito empoderado em função da baixa transparência”, avalia Maria Tereza Sadek. “Tudo isso fortalece a corrupção. Não sabemos para onde vão essas verbas, se elas de fato atendem interesses públicos ou meramente interesses locais para garantir a sobrevivência de determinados políticos”, acrescentou a cientista política, sem citar casos específicos. Em um dos casos revelados pelo Estadão, o ministro de Comunicações, Juscelino Filho, usou verbas do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda, em Vitorino Freire (MA).
Para o ex-ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, o sistema brasileiro obriga os presidentes a atuarem como “acrobatas” e serem os responsáveis por dar racionalidade ao sistema político. “O Legislativo e o Judiciário fazem o que lhes dá na telha. Com o fortalecimento deles nos últimos 10 anos, a situação ficou quase ingovernável”, opinou.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.