Ao mandar o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), abrir a CPI da Covid para investigar a gestão da pandemia pelo governo Jair Bolsonaro, o ministro Luís Roberto Barroso reedita um roteiro traçado pelo Supremo Tribunal Federal em 2005. Na ocasião, por nove votos a um, a Corte determinou ao então presidente da Casa, Renan Calheiros (MDB-AL), a instauração da CPI dos Bingos para investigar o escândalo envolvendo Waldomiro Diniz, ex-assessor de José Dirceu acusado de receber propina de bicheiros para a campanha do ex-presidente Lula (PT) em 2002.
Guardadas as diferenças histórica e temática das situações, separadas por mais de uma década, o script é o mesmo. Parlamentares da oposição acionaram o Supremo alegando que, apesar de terem preenchido os requisitos para a abertura de uma CPI, o presidente do Senado adiava a instalação da comissão. Ao todo, seis mandados de segurança chegaram ao STF e caíram nas mãos de Celso de Mello.
O ministro fez um longo voto ressaltando que em um regime democrático 'não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição'.
"As separação de Poderes não pode ser jamais invocada como princípio destinado a frustrar a resistência jurídica a qualquer ensaio de opressão estatal ou inviabilizar a oposição a qualquer tentativa de comprometer, sem justa causa, o exercício do direito de investigar abusos que possam ter sido cometidos pelos agentes do Estado", afirmou.
Dois anos depois, o mesmo Celso de Mello deu ordem semelhante, desta vez dirigida ao então presidente Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia (PT), que tentava contornar a instalação da CPI do Apagão Aéreo com uma votação em plenário, embora a oposição já tivesse levantando assinaturas necessárias para abrir a investigação sobre a crise do sistema de tráfego aéreo do País. Na época, a pressão pela apuração veio na esteira do choque entre o Boeing da Gol e o jatinho Legacy, da empresa Excel Aire, que matou 154 pessoas em 2006.
"O Poder Judiciário tem jurisdição para resolver questões políticas, sempre que houver abuso legislativo", disse Celso na ocasião.
Se os recados de Celso de Mello convenceram os ministros a mandarem Calheiros e Chinaglia abrirem as CPIs contra o governo petista, Barroso espera convencer os colegas a fazer o mesmo com Pacheco e a CPI da Covid. Assim que publicou sua decisão, nesta quinta-feira, 8, o ministro mandou a matéria para escrutínio no plenário virtual.
Em sua composição atual, o tribunal tem quatro ministros que participaram de pelo menos um dos julgamentos sobre as CPIs anteriores: Marco Aurélio Mello e Gilmar Mendes estiveram presentes nas duas votações enquanto Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram na sessão da CPI do Apagão. Todos fizeram coro pela abertura das investigações.
Em sua liminar, Barroso ecoou o colega Celso de Mello ao afirmar que 'é direito das minorias parlamentares fiscalizarem ações ou omissões do governo federal', principalmente durante a pandemia que vitimou mais de 300 mil pessoas.
"Não parece haver dúvida, portanto, de que as circunstâncias envolvem não só a preservação da própria democracia - que tem como uma de suas maiores expressões o pluralismo político, manifestado pela convivência pacífica entre maiorias políticas e grupos minoritários -, mas também a proteção dos direitos fundamentais à vida e à saúde dos brasileiros", escreveu.
Se o roteiro que Barroso segue se concretizar, Bolsonaro sofrerá a mesma derrota que Lula passou em 2005 e 2007 e terá que amargar com uma investigação nas mãos da oposição. Ao menos para o petista, o final das sagas não foi ruim: após meses de trabalho, as CPIs dos Bingos e do Apagão Aéreo foram concluídas com relatórios sem culpados no governo. Para Bolsonaro, o filme pode estar apenas começando.
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