Nos últimos anos acompanhamos ao mesmo tempo um conjunto de informações, reportagens, entrevistas e relatos sobre estarmos assistindo ao declínio da hegemonia dos Estados Unidos, quase como uma profecia autorrealizável, na qual lentamente o poder que os Estados Unidos adquiriram ao longo de séculos estaria se erodindo como uma espécie de Roma moderna. Ao mesmo tempo, acompanhamos, principalmente nos últimos vinte anos, a ascensão da China não apenas como potência econômica, mas também como um importante agente nas relações internacionais. Não faltam livros, artigos e pensamentos sobre a ideia de que o século XXI seria da Ásia, em uma clara referência à China e realocando o eixo do poder econômico do mundo, colocando a América em segundo plano nesse processo.
Esse suposto declínio dos Estados Unidos não é um movimento novo, na verdade ele se parece muito mais assentado em uma espécie de desejo ou ideologias do que de fato em tendências quando analisamos do ponto de vista histórico, isso porque os Estados Unidos já tiveram pelo menos outras quatro supostas ondas de declínio que não se tornaram realidade; muito pelo contrário, fizeram com que eles, os Estados Unidos, se reinventassem de maneira tal que se tornaram ainda mais fortes como nação.
A primeira suposta onda de declínio americano se deu durante a Grande Depressão, em 1930. Henry Kissinger, o grande estrategista americano, e muitos outros, podem ter visto o período pós-guerra como um momento áureo da hegemonia americana, mas a calamidade econômica de apenas alguns anos antes despertou dúvidas sobre o sistema de autoestima do país e se de fato eles superariam aquela situação. Os Estados Unidos se recuperaram por intervenção do New Deal e pela ascensão do Keynesianismo como modelo econômico, algo que o Presidente Franklin Delano Roosevelt utilizou para remodelar a economia dos EUA e, na era do pós-guerra, uma América que parecia em decadência voltou já assumindo uma posição privilegiada.
O segundo momento se deu em 1957, quando a União Soviética lançou o seu satélite Sputnik, por conseguinte provocando uma segunda onda de angústia aos americanos, mostrando-os tecnologicamente inferiores à União Soviética. Entretanto, a memória de se reinovar do New Deal permaneceu, e os Estados Unidos construíram instituições apoiadas pelo governo federal para a ciência e a educação em todos os níveis, o que fez do país um líder tecnológico durante décadas.
O suposto terceiro declínio se deu nas décadas de 1960 e 1970, quando se testou a resiliência dos políticos do país. Os Estados Unidos passaram por conflitos sociais e houve assassinatos políticos, como foi o caso do líder Martin Luther King Jr.; ainda o colapso de Bretton Woods e o início de um grande período de estagflação. Além disso, ocorreu o impeachment do presidente Richard Nixon e a complexidade do conflito no Vietnã acompanhada do avanço soviético. Ao contrário do que se esperava, ocorreu por isso a inovação e a renovação da América. A agitação social impulsionou as reformas dos direitos civis, o impeachment reafirmou o Estado de Direito, o colapso de Bretton Woods provocou o fim das conversibilidades em ouro e culminou no domínio do dólar como reserva de valor mundial. Ao mesmo tempo, a invasão afegã da União Soviética acelerou o seu colapso.
Uma quarta onda de declínio foi marcada pela diminuição drástica do “made in America”, déficits comerciais altos e o aumento da desigualdade que abalou os líderes americanos na década de 1980 e no início da década de 1990, provocando líderes a afirmar que a Europa tinha um sistema mais robusto socialmente, mas que o Japão era a grande potência da vez. Apesar das pressões notórias, os Estados Unidos aproveitaram com sucesso a revolução da tecnologia da informação, da internet, dos computadores e do Vale do Silício. Em menos de uma década, os Estados Unidos se tornaram uma superpotência tecnológica, bem distante de todas as outras nações por sua capacidade de desenvolvimento no mundo Cyber.
Os Estados Unidos estão agora enfrentando a sua quinta onda de declínio, uma vez que começou com a crise financeira global, em 2008, do subprime, e que acelerou com a presidência de Trump e retirou os EUA do cenário internacional, da pandemia da Covid-19 e principalmente da tomada do Capitólio dos EUA por radicais. Tudo isso ocorreu ao tempo de uma ascensão contínua da China. Desde então, os asiáticos preparam uma grande e importante estratégia para substituir a ordem americana; eles tentam construir a sua própria ordem mundial, tanto a nível regional quanto global.
Apesar da grande popularidade que existe hoje sobre o tema “Declínio da América”, ao meu ver essas narrativas sobre o declínio americano se mostram distantes da realidade quando analisamos o passado recente. Os teóricos com tal sentimento apontam para elementos como o aumento da desigualdade, a polarização política, a desinformação e a desindustrialização como fatos que contribuem para essa teoria, mas esquecem que essas mesmas forças são também de natureza global e não são exclusivamente americanas.
Ao mesmo tempo, esses teóricos ignoram as vantagens que os EUA têm sobre a China. Hoje a China possui uma população em rápido envelhecimento, uma dívida crescente, um crescimento lento em relação às últimas décadas e uma moeda ainda longe de rivalizar com o dólar. Em contrapartida, os Estados Unidos ainda mantêm vantagens como sua população jovem, domínio financeiro mundial, recursos naturais abundantes, fronteiras pacíficas e alianças fortes com nações do G7 e G20, além de uma economia inovadora.
Além disso, não é por acaso que durante a maior parte da ascensão de quatro décadas da China os Estados Unidos detiveram consistentemente um quarto do PIB mundial. Os que advogam o declínio americano também subestimam o poder do apelo dos Estados Unidos. A abertura política e econômica americana atrai os aliados que sustentam a ordem liberal internacional, os imigrantes que alimentam o crescimento americano e o capital que sustenta o domínio do dólar.
Os Estados Unidos atraem mais críticas do que outras grandes potências precisamente porque mantêm padrões mais elevados quando se analisam elementos como confiança pública, Rule of Law, segurança bancária e outros que resultam no melhor funcionamento da sociedade. Ninguém considera a China um tipo de padrão para ser modelo mundial. Para os Estados Unidos, o seu declínio é menos uma condição e muito mais uma escolha. O caminho para o abismo passa por um sistema político polarizado do país e longe dos objetivos nacionais.
Entretanto, o caminho para sair deste quinto declínio e gerar mais uma renovação do seu Poder deverá ser passar por um momento, hoje raro, de consenso bipartidário: sua necessidade é estar à altura para superar um novo desafio, que é a tentativa de liderança mundial da China.
*Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutor em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa e membro da Associação Portuguesa de Ciência Política
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