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Opinião|Delação premiada deve continuar no Direito brasileiro

Fato é que os bilhões de reais devolvidos (ressarcidos) aos cofres públicos nacionais pelas empresas envolvidas na operação Lava-Jato, por exemplo, demonstram a utilidade do Instituto. E aqui não há relação alguma com excessos pontuais da operação, outro tema

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Por Marcelo Figueiredo

Não podemos afirmar que a delação premiada no Brasil em suas diversas vertentes ainda seja uma novidade. Afinal de contas, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), em seu artigo 8º, parágrafo único, já previa uma minorante de pena de um a dois terços àquele que, em crime de quadrilha ou bando, “denunciar, à autoridade o bando ou a quadrilha, possibilitando o seu desmantelamento”. O mesmo diploma legal, posteriormente alterado pela Lei 9.269/1996, incluiu no artigo 159 do Código Penal (extorsão mediante sequestro), a possibilidade de delação como causa de diminuição de pena. Do mesmo modo, a lei de crimes contra a ordem tributária, econômica e relações de consumo (Lei 8137/1990) previu em seu artigo 16, parágrafo único, a possibilidade do coautor ou partícipe de crimes dessa natureza, comedidos em quadrilha ou coautoria, terem sua pena reduzida de um a dois terços, se “através da confissão espontânea relevar à autoridade policial ou judicial toda a trama delituosa”.

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A Lei 9.035/1995, expressamente revogada pela Lei nº 12.850/2013, previa em seu artigo 6º, a redução da pena, também de um a dois terços, “quando a colaboração espontânea do agente levar aos esclarecimentos de infrações penais e sua autoria”. No mesmo sentido e direção, a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei nº 9.613/1998), a Lei de Proteção a Vítimas e Testemunhas (Lei nº 9.807/1999). Portanto o instituto com algumas nuances não é uma novidade no Brasil.

Na década seguinte, mais precisamente em 15 de novembro de 2000, foi aprovada em Nova York, a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, a “Convenção de Palermo” que textualmente prevê no artigo 26, do Decreto nº 5.015, de 12 de março de 2004, a colaboração premiada enquanto “medida para intensificar a cooperação com as autoridades competentes para aplicação da lei”.

A lista é longa e não há necessidade de prosseguirmos na demonstração: cite-se apenas a possibilidade da medida em se tratando de tráfico de drogas, crimes contra a ordem econômica etc. Por fim a já citada Lei 12.850/2013, aí sim de uma forma original no Brasil, instituiu o acordo de colaboração premiada como meio expresso de obtenção de provas, disciplinando o instituto de forma minuciosa e exaustiva, contemplando aspectos processuais e procedimentais. Sabe-se também que na colaboração premiada – como meio de prova-necessita a corroboração das informações advindas do colaborador por outros elementos objetivos e externos ao instituto. Ela não se basta, não é autônoma e onipotente.

No princípio houve certa resistência doutrinária ao Instituto e muitos juristas chamaram a atenção para os perigos da importação acrítica de modelos estrangeiros, como é o caso do norte-americano (plea barganing), próprio da commom law, até que o próprio direito europeu e paulatinamente o direito mundial, pressionado pelo crime transnacional, foi obrigado a aceitar os seus inegáveis benefícios no combate ao crime organizado.

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Fato é que os bilhões de reais devolvidos (ressarcidos) aos cofres públicos nacionais pelas empresas envolvidas na operação Lava-Jato, por exemplo, demonstram a utilidade do Instituto. E aqui não há relação alguma com excessos pontuais da operação, outro tema.

A imprensa noticia a existência de movimentos políticos na Câmara de Deputados com o nítido intuito de acabar com a delação premiada. Sabe-se que no último dia 12 de junho, os deputados aprovaram em votação simbólica um requerimento de urgência- descabido registre-se, para tramitação de um projeto de lei que impede a homologação judicial de acordos de colaboração firmados por quem está preso.

Afirma-se que entre os objetivos imediatos dos interessados no avanço da matéria está a nulidade do acordo de colaboração premiada firmado pelo ex-ajudante de ordens do Ex-Presidente Bolsonaro. Esperemos que esse seja um boato vazio e sem sentido, até porque totalmente ineficaz. Caso aprovado um projeto dessa natureza, de clara viés inconstitucional por abuso do poder legislativo, somente seria aplicado para o futuro, jamais para anular atos jurídicos perfeitos. Assim seus incentivadores deveriam se debruçar um pouco mais sobre o Direito brasileiro.

Mas o que mais importa realmente seria compreender os motivos que poderiam legitimar a medida. E estudando-os não achamos sequer um que a justifique. Por que o réu preso não pode colaborar para a elucidação do crime? De onde tiraram tão manifesta estultice?

Se um dos benefícios penais e processuais penais mais palatáveis para o colaborador é justamente livrar-se do cárcere e de penas muito longas, por que alguns que se dizem “representantes do povo brasileiro” estão aparentemente a favor do crime organizado? Será por acaso por receio de que sejam implicados em alguma atividade ilícita ou ilegal? Há certas conquistas da humanidade que não podem ser apagadas, devem ser aperfeiçoadas. Eventuais equívocos ou abusos pontuais do Poder Judiciário ou do Ministério Público na condução de determinados casos ou operações, não podem servir de pretexto para retrocessos na aplicação da Justiça e no combate legal ao crime organizado.

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Marcelo Figueiredo
Advogado, consultor jurídico, professor associado de Direito Constitucional e Direito Constitucional Comparado dos cursos de graduação, extensão, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ex-vice-presidente da Associação Internacional de Direito Constitucional. Foto: Bruno Bariani
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