O empresário Antônio Celso Garcia, o Tony Garcia, é o delator que levou para a cadeia o ex-governador do Paraná Beto Richa (PSDB), que em abril renunciou ao cargo para concorrer a uma cadeira no Senado. Um delator que demonstra ter uma boa memória. Em cerca de uma hora de entrevista ao Estadão, ele lembrou com riqueza de detalhes do dia em que afirma ter entregue '220 mil e uns quebrados', em dinheiro vivo, na casa do tucano, em Curitiba. O dinheiro, contou, estava em um envelope com um papel amarelo colado, dentro de uma sacola de plástico.
Tony Garcia estima que o tucano tenha recebido 'entre R$ 400 milhões e R$ 500 milhões' em propinas e caixa 2 nas campanhas eleitorais. Na avaliação do delator, a corrupção se instalou no governo Beto Richa 'tão idêntica quanto a do Lula, como do Sérgio Cabral'.
"O PT tem pixuleco, e o PSDB tem tico-tico", afirmou.
'Tico-tico' foi a expressão usada por Beto Richa em uma conversa gravada por Tony Garcia. Segundo os investigadores, o tucano estava se referindo a propina e comentou, na ligação grampeada, atraso nos repasses.
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O ex-governador foi preso terça, 11, pela Operação Radiopatrulha, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do Ministério Público do Paraná. Richa também é alvo da Operação Lava Jato, que fez buscas em sua residência no mesmo dia da prisão. A Lava Jato suspeita de ligação do ex-governador com recebimento de propinas da Odebrecht, que teria sido favorecida em contrato de duplicação da PR 323, no interior do Paraná.
Na Operação Radiopatrulha também foram presos Fernanda Richa, mulher do tucano, Pepe Richa, irmão dele, e Deonilson Roldo, ex-chefe de gabinete do Estado, apontado como um fiel aliado de Beto Richa. As prisões estão relacionadas a investigações sobre supostos desvios de verbas no Programa Patrulha do Campo, para manutenção de estradas rurais entre 2012 e 2014.
Segundo o inquérito, há indícios de direcionamento de licitação para beneficiar empresários e pagamento de propina a agentes públicos, além de lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça.
Beto Richa foi deputado estadual no Paraná entre 1995 e 2001. Naquele ano, o tucano deixou o mandato ao se tornar vice-prefeito de Curitiba. Entre 2005 e 2010, Beto Richa foi prefeito da capital paranaense. No ano seguinte, assumiu o Governo do Estado, onde ficou até 6 de abril deste ano, quando renunciou para concorrer a uma cadeira no Senado.
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ESTADÃO: Quanto Beto Richa arrecadou em propinas?
TONY GARCIA: De que assunto?
ESTADÃO: Durante a vida.
TONY GARCIA: Se for ver todas as coisas que estão investigando ele, se metade for verdade, eu diria que fácil passaria de R$ 400 milhões, R$ 500 milhões. Fácil.
ESTADÃO: De propina e caixa 2?
TONY GARCIA: Doação de campanha e propina é uma coisa só. Isso se inventou, caixa 2, foi o Lula que inventou lá trás caixa 2. Mas na verdade o que é isso? É propina. Não existe almoço de graça. Se alguém está fazendo alguma coisa,... Eles combinaram previamente que o preço que eles colocariam na Patrulha daria para eles tirarem 8% do bruto e passar a título de contribuição de campanha, título disso ou daquilo outro. Você usa o dinheiro para o que você quiser.
ESTADÃO: Como funcionava o esquema 'tico-tico'?
TONY GARCIA: O PT tem pixuleco e o PSDB tem tico-tico. Quando o Beto falou isso para mim, é porque eles atrasavam as faturas. O combinado era o seguinte: a partir do momento que pagasse uma fatura, em 10 dias se arrumava, se precisava para fazer os 8% dinheiro, grana, para operar, visto a dificuldade para tirar, sacar isso de banco. Tinha 6 milhões atrasados, eles pagavam uma fatura de 2 milhões. Então, 160 eles tinham que arranjar em 10 dias para dar isso aí. Quando ele fala que o Celso tinha dito que tinha entrado o tico-tico, era porque o Celso tinha 7 para receber e tinha entrado 10 e pouco. Esse era o tico-tico que ele falou que tinha entrado.
ESTADÃO: O sr viu Beto Richa receber dinheiro em espécie?
TONY GARCIA: Eu levei na casa dele. Um dia eu fui entregar para o Ezequias, ele não quis receber, porque falou que o Luis Abi ficava fazendo confusão. O Beto não queria que entregasse mais para o irmão dele e nem para o Luis Abi, queria para o Ezequias. Fui levar para o Ezequias, quando o Celso me entregou, e ele não quis receber. Eu falei: 'eu não vou ficar com isso no carro, o Beto mandou entregar para você, vai ficar aqui'. Ele falou: 'se você me der, eu jogo no chão e não vou botar no carro'. A gente estava em um bar de um hotel. Eu saí de lá, o dinheiro estava num sacola. Falei: 'não quero ficar com isso, não é meu'. Liguei para o Beto e fui na casa dele. Ele ficou bravo comigo porque eu levei dinheiro lá: 'você está louco, a Fernanda está aqui, você vai deixar dinheiro aqui em casa? Você é louco de trazer aqui'. Eu falei que não ia ficar com aquilo. Ele não quis ficar, eu fui na casa do Pepe e deixei lá.
ESTADÃO: Era quanto?
TONY GARCIA: R$ 220 mil. Estava em sacola dessas de plástico. Na sacola de plástico, dentro em um envelope com valor de quanto foi a fatura e tinha um papelzinho amarelo de quanto era a fatura e quanto tinha de dinheiro. Era 222 e uns quebrados.
ESTADÃO: A Fernanda sabia que ele estava envolvido com propina?
TONY GARCIA: Eu acho que ela tinha conhecimento de bastante coisa, porque ela sabia de tudo o que o Luis Abi fazia. Dificilmente não saberia. A empresa que ela montou, ela está presa por causa disso. Essa empresa eles começaram a fazer e lavar dinheiro dessa empresa. Esquentavam dinheiro em imóveis. A pessoa tem que saber se participa da empresa.
ESTADÃO: O sr. está sofrendo ameaças?
TONY GARCIA: Sofri na semana passada do Joel Malucelli (empresário) por meio de um amigo em comum que eu não quero falar o nome. Me procurou: 'sou seu amigo, amigo do Joel, queria te falar um negócio. O Joel me chamou agora e me falou que ele te gravou. Falou que você falou de Eduardo Cunha, de ligação com Eduardo Cunha, que você falou do jatinho do Beto, que você foi falar com Aécio. Ele falou que se tiver alguma coisa de Patrulha, pensa bem senão ele vai te ferrar'. Ouvi tudo, agradeci e falei com o Joel. Falei: 'Joel, acabei de receber um amigo nosso que disse que você me gravou. Primeiro, eu não tenho preocupação que você me gravou. Tudo o que eu falei é verdade. Se você acha que isso aí você pode usar contra mim, use já. Agora não me ameace'. Eu deixei tudo por escrito para ele não alegar desconhecimento. Tudo isso eu entreguei para o Ministério Público. Eu não tenho medo de ameaça. Se eles vão fazer jogo sujo, se vão fazer o que for, tudo bem.
ESTADÃO: Quem é Tony Garcia?
TONY GARCIA: Eu já fui deputado junto com o Beto. Tive um mandato só de deputado, depois eu não disputei mais. Em 1998, eu me elegi deputado estadual e o Beto também se elegeu. Nós tivemos aí o primeiro convívio político das nossas vidas nessa hora. Em 2000, eu sugeri e o Beto entrou para ser vice do Cassio Taniguchi e largou o mandato de deputado. Depois se elegeu prefeito e começou a carreira dele solo.
ESTADÃO: Há quanto tempo conhece Beto Richa?
TONY GARCIA: Eu era amigo do Beto desde menino, a gente corria de Kart junto. O Beto era uma outra pessoa. Quando ele assumiu a Prefeitura, ele ainda era uma pessoa muito temerosa, muito cauteloso, ele não fazia muita coisa errada. No segundo mandato de prefeito, já começou se juntar com coisa ruim, influências ruins, esse próprio Deonilson, esse Ezequias, o primo dele Luis Abi, e começou. Eu avisava a ele: 'Beto, tem coisa ruim acontecendo, você não pode deixar fazer isso com a tua imagem e tal'. Mas ele se elegeu governador. A partir do momento que ele se elegeu governador ficou mais poderoso ainda, começou a abandonar os amigos das antigas. Começou a se juntar com muita gente que era inimigo dele, que não eram mais os amigos dele, que cercavam ele por interesse. O Beto tinha uma maneira muito ruim de governar. Ele fazia muita intriga entre os amigos dele dentro do próprio Palácio. Ele falava mal de um para o outro, de outro para o outro para ele governar. Começou a se formar facções dentro do Palácio. Tinha a facção do Deonilson, tinha facção do Luis Abi, a facção do Ezequias. Eles brigavam entre eles, começavam a fazer coisas e começaram a fazer do governo um balcão de negócios.
ESTADÃO: E o sr, o que fazia?
TONY GARCIA: Eu fazia sempre o advogado do diabo para ele: 'Beto, essas coisas não são boas, essas coisas são ruins, tão achacando gente na Receita, tão fazendo isso. Você não deve fazer isso'. No começo, ele fazia, interferia, quatro, cinco, seis projetos que estavam colocando e era tudo coisa mal feita para auferir lucro fácil, coisa forjada, tudo, ele me ouvia e ele tirava aquilo de pauta, não deixava seguir. Passou o tempo, chegando perto da campanha de reeleição dele, ele começou a meter os pés pelas mãos.
ESTADÃO: Em que ano?
TONY GARCIA: No início de 2013, eu acho que as coisas começaram a degringolar. Era muito falatório, o governo dele estava muito exposto. Tinha muita gente falando que recebia achaque disso, daquele outro. Foi se formando um monte de coisa ruim.
ESTADÃO: O que houve na Patrulha do Campo?
TONY GARCIA: Em 2010, quando ele acabou de eleger governador, eu fui procurado pelo Celso Frare, esse empresário que está preso também. Eles tinham um projeto com o Osni Pacheco, que era da Cotrans e já faleceu. Pela proximidade do Osni com o Beto, que sempre ajudou nas campanhas e tudo, esse Celso Frare que ajudava o PT naquela época, tentou se aproximar desse Osni com a conversa de que ele tinha expertise no aluguel de máquinas e que eles podiam fazer um negócio juntos. Eles me procuraram para que eu intercedesse junto ao Beto. Isso logo que ele se elegeu, antes de assumir. Ele tinha no programa de Governo essas patrulhas. Seriam compradas 60 patrulhas, isso era um dinheiro muito grande, quase R$ 300 milhões.
ESTADÃO: Como ele ia fazer?
TONY GARCIA: O Governo não tinha caixa. O projeto era para fazer a locação de isso aí. Me procuraram com o projeto para que eu participasse junto com eles. Eu nunca participei de nenhuma atividade governamental, nunca participei de governo municipal, estadual, da União. Nunca. Eu nem sabia como era isso. Eles me pediram simplesmente para ver se eu viabilizava o projeto do aluguel em vez de compra já que o governo não tinha dinheiro. No começo, eu falei com o Beto, o Beto falou que não tinha dinheiro, que ia ver a hora que tomasse posse. Em 2011, ele não teve condição nenhuma de fazer nada porque o caixa do Estado não tinha dinheiro nem para pagar o funcionalismo público. Em 2012, quando estava perto do final do ano, ele me chamou e falou: 'eu acho que para o ano que vem dá para a gente fazer aquele negócio das Patrulhas, porque eu tenho que cumprir a promessa de campanha. Tenho que começar a cumprir, porque em 2014 eu vou ter que apresentar isso daí. Nem que não dê para fazer todas, mas alguma parte tem que fazer. Como não tem dinheiro para comprar, vamos botar aqui'. Pediu para eu procurar o irmão dele, para eu procurar o Ezequias, o Luis Abi para conversar com eles.
ESTADÃO: O Pepe?
TONY GARCIA: O Pepe. Era para a gente tentar viabilizar aquilo lá. A partir do momento que ele falou para mim que podia fazer, eu apresentei o Celso Frare para o Pepe, apresentei para o Beto e começaram as tratativas. No meio do caminho, começou muita confusão quando eles começaram a mexer com essa licitação. Começaram a brigar entre eles. O próprio Celso Frare já achava que tinha contato direto com ele, que não precisava mais de mim. A conversa do início, de a gente participar do negócio totalmente clean, sem coisa errada, começaram a manipular em licitação de preço, coisa que eu nunca participei. Eu sabia das conversas, como eles estavam participando. Começou uma briga entre o Osni Pacheco e o Luis Abi com o Pepe, o Ezequias com o Beto, porque não era do jeito que eles queriam. O Celso Frare ameaçou sair fora da coisa, porque não dava. Não tinha capacidade de endividamento para fazer a coisa, começaram a mexer em índice. Eu comecei a ver a coisa ficar de um jeito ruim.
ESTADÃO: O que o sr. fez, então?
TONY GARCIA: Eu alertei o Beto: 'Estão começando a fazer esse negócio, daqui a pouco dá bobagem. O Osni está fazendo o jeito que ele quer, não pode deixar isso com ele'. Começou confusão atrás de confusão. Eles começaram a fazer reuniões e o Luis Abi passou a gravar o Osni Pacheco, por que estava contrário ao projeto. O Osni descobriu que o Luis Abi estava gravando, conseguiu achar o cara que estava gravando e comprou o cara para inverter, para o cara gravar o Luis Abi. O Osni começou a fazer as reuniões para gravar todo mundo. Um dia, ele meio bêbado disse que tinha gravado todo mundo, que se sacaneassem ele com as Patrulhas, ele ia fazer isso e aquilo.
ESTADÃO: Qual foi sua reação?
TONY GARCIA: Como ele era falastrão, não acreditei muito que ele tivesse fazendo aquilo. Como ele morava no mesmo prédio que eu, um dia ele me chamou lá, estava meio bêbado, estava eu e ele só, ele falou: 'eu tenho 23 quilos de dossiê contra o Beto. Se eu fizer isso aqui, eu boto ele na cadeia, o Luis Abi, o irmão, boto todo mundo. Esse negócio das Patrulhas, eu gravei todo mundo'. Ele falou: 'inclusive você'. Falei: 'você pode gravar o que você quiser o que eu falei lá, você sabe o que eu fiz'. Ele disse: 'não, você é boa gente, você falou comigo a verdade, agora esses caras estão querendo me enrolar, passar a perna, isso é coisa do Luis Abi'.
ESTADÃO: O grupo entrou em conflito?
TONY GARCIA: Começou briga de quadrilha. Um gravando um, o outro gravando. Uma confusão do caramba. O Beto não queria o Celso Frare no negócio, porque ele era do PT, ajudava o PT, ele até se rendeu quando eu falei: 'É melhor para você ter um cara que é de outro grupo , que não é do teu grupo como o Osni Pacheco, que um cara desse entre, que não tem problema nenhum'. Mas começou a conversar de quanto que seria a concorrência, de quanto que teria que fazer para sobrar 8% para dar de propina. Essas conversas começaram a ficar horríveis. Marcavam de entregar isso, aquilo outro. Tudo eu reportava para o Beto. Ele não queria se envolver. O Beto precisava colocar o programa de qualquer jeito, já era começo de 2013, tinha que fazer isso rodar. Para a campanha do outro ano ele precisava ter isso. Foi a hora que eles começaram a me tirar fora das coisas.
ESTADÃO: Por quê?
TONY GARCIA: Não precisavam mais de mim para conversar com ele, e ele mesmo começou a me tirar das coisas e botar o primo dele, Luiz Abi, nas conversas, o Ezequias e o Deonilson. Para quê? Para que eu não participasse, como eu falei para ele que ia participar. Eu falei para ele que tinha oportunidade de negócio: 'eu vou comprar as máquinas, vou dar garantia, compro no nome deles, eu faço contrato com eles. Eles têm expertise, enquanto isso, eu vou pegando para ver se eu posso ter uma empresa para depois trabalhar com isso'. Começaram a me escantear da coisa. A hora que eles fizeram o negócio, deu tudo errado. Entrou uma terceira empresa que eles não estavam esperando e ganhou dois lotes dos três que eles botaram, deixando o Celso Frare e o Joel Malucelli de fora. Teve uma pressão enorme do Osni, do Celso e do Joel para que essa empresa deixasse um dos lotes para que eles ficassem com dois e a empresa ficasse com um.
ESTADÃO: E o sr?
TONY GARCIA: Quando isso se deu, me deixaram completamente fora, não deixaram eu comprar as máquinas, não deixaram eu fazer. Eles queriam me dar uma comissão como se eu fosse lobista. Eu disse: 'eu não quero comissão, nós fizemos um negócio junto. Agora, comissão? Não quero'. Me tiraram do negócio completamente. Eu vi que as coisas poderiam ficar de uma maneira que lá na frente poderia se perder o controle. Eu gravei o Beto para me proteger do que poderia vir na frente. Nunca chantageei ele com nada, nunca fiz nada. Eu deixei ele saber que tinha aquilo lá.
ESTADÃO: O sr o gravou com um celular?
TONY GARCIA: Eu estava num carro que eu fui mostrar, que eu tinha comprado, e ele entrou comigo no carro. Eu estava com meu celular e provoquei a conversa de propósito para ele falar, se era aquilo ou não. Quando eu induzi ele a falar do assunto, a gente estava falando de outras coisas. Eu queria saber só o que ele estava falando, se ele ia mentir para mim, eu já sabia da verdade. Sem ele saber, as pessoas também tinham gravado ele, falando que ele não tinha que fazer nada comigo. Eu sabia que tinha a coisa totalmente errada. Eu fiz aquilo para tirar dele o que ele falava para mim. Ele foi cínico daquele jeito. Ele tinha conhecimento de tudo, mas ele falava uma coisa para mim, uma coisa para as outros. Ele dominava todo mundo, fazendo isso daí.
ESTADÃO: Como o sr chegou ao vídeo em que Celso Frare aparece contando dinheiro?
TONY GARCIA: Quando chegou nos seis meses (do Programa Patrulha do Campo), eles pararam de pagar e disseram que iam devolver as máquinas. O Osni estava muito doente, ele falava que era por causa dessas Patrulhas que ele ia morrer. Ele estava indo para um transplante de fígado em São Paulo e que ele poderia não voltar. Ele me chamou lá e falou: 'se acontecer isso, eu quero o seguinte, ou o Celso, Joel e Beto me arrumam um jeito de pegar essas máquinas que eles fizeram a gente comprar e vai quebrar a única herança que eu tive de 45 anos que é essa empresa , se eles não comprarem essas máquinas, eu vou fazer uma coisa. Estou indo para São Paulo para um transplante de fígado, posso não voltar. Se eu não voltar, tem gente minha com esse material que vai entregar ao Ministério Público'. Ele deixou parte para eu ver. Uma era o vídeo, que era maior. Ele me deixou pegar um pedaço, me deixou filmar um pedacinho do que ele tinha lá. Ainda sem som, ele tirou o som de fundo. Ele me deixou aquilo para dar mostras. Eu procurei o Beto, o Pepe, o Joel, o Celso. Passei uma mensagem, tenho no meu telefone. Em 2016, um pouco antes do Osni morrer, eu passei para eles. Ninguém fez nada.
ESTADÃO: Por que o sr decidiu fechar delação premiada?
TONY GARCIA: Veio a delação do Nelson Leal, do DER, que teria falado sobre as Patrulhas. Eu tinha avisado eles. Se isso tivesse acontecendo, se eu fosse chamado, eu ia me antecipar e ia falar a verdade e que eles fizessem a mesma coisa. Eu não ia esconder a verdade. A verdade podia não ser boa para eles, mas ninguém ia deixar cair nas minhas costas para depois o Beto chegar e falar que 'isso era coisa do Tony, usou meu nome'. Como ele fez com o primo dele, com o Fanini (ex-diretor da Secretaria de Educação Maurício Fanini), da (Operação) Quadro Negro.
ESTADÃO: Como é isso?
TONY GARCIA: Ele (Beto Richa) costuma jogar todos os amigos para os leões, todo mundo é desleal, ele é uma honestidade fora de qualquer suspeita e ele joga os amigos de antigamente. Quando eu fiquei sabendo que isso tinha entrado na delação do Nelson Leal, a minha preocupação foi me envolver numa coisa que eu não tinha recebido um tostão. Nada. Eu não participei das tramoias de licitação, de tirar gente, de botar gente para dar cobertura. Essas conversas eu não tive em lugar nenhum, eles me excluíram disso aí. Isso aí acabava vindo à tona o meu nome, acabo eu embolado com uma coisa que a única coisa que eu fiz foi viabilizar o projeto e fui deixado para fora. Procurei meu advogado (Luiz Carlos da Silva Júnior), me antecipei e fui espontaneamente ao Ministério Público Federal primeiro. Eles me encaminharam ao Ministério Público estadual, porque não era da alçada deles.
ESTADÃO: Sua delação já levou à deflagração de uma operação muito forte. Vem mais bomba pela frente?
TONY GARCIA: Bastante, bastante. A lei que você faz esse tipo de coisa se enquadra em delação. Eu não fiz delação. Delação, na verdade, porque, previsto em lei, para você ter benefícios, de você se auto incriminar, você poder contar, o que você falar, que eles não têm, vai ser usado contra você, tem que ser na lei de delação. No meu caso, não tinha nenhuma investigação sobre mim. Nada. Eu não recebi, não auferi um tostão e eu tenho provas de que eu não recebi um tostão de dinheiro. Nada, nem um real eu recebi para mim. Tudo o que foi dado para mim eu passei direto para eles. Tanto é que vinha escrito quanto era a fatura e quanto que era a propina. Quando eu procurei o Ministério Público, eles não tinham nada disso. Eu fui espontaneamente e disse que queria ser testemunha. Eles falaram que testemunha para eu poder falar e ter previsão em lei que eu ficasse resguardado de não me auto incriminar teria que ser feito delação premiada. Eu não tive que delatar nada, eu avisei a todos que se eu fosse chamado ou se corresse risco de uma coisa que eu simplesmente só botei de pé o projeto e não recebi nada, que eu iria falar a verdade. A verdade poderia não servir para eles, mas servia para mim e para a minha família.
ESTADÃO: O sr confessou crimes em sua delação?
TONY GARCIA: Não. Eu confessei a minha participação exclusiva nesse negócio. Até então eu nunca tinha tido negócio com o governo, nunca tive. Era o primeiro negócio que eu ia ter na minha vida. E deu toda essa confusão. Eu fiz com tranquilidade. Delação era se eu tivesse sido pego e aí teria que fazer delação para me livrar de alguma coisa. Eu procurei espontaneamente. O que eu fiz, queira ou não, eu me auto incrimino porque eu participei de uma coisa que se tornou uma coisa que no mínimo era conluio no começo. Eu nunca tinha vivido isso na vida, não sabia como era uma concorrência pública. Eu não participei, mas eu ouvi as conversas de como fazia, de como mudava edital, de como tirava gente. Era um jogo bruto.
ESTADÃO: Beto Richa o decepcionou?
TONY GARCIA: Conheço ele desde 16 para 17 anos quando a gente corria de kart junto. Era uma pessoa maravilhosa. Foi a maior decepção que eu tive com uma pessoa como amigo, como pessoa, como caráter, como tudo. Eu só fiz ajudar essa pessoa desde a primeira campanha perdedora dele. O pai dele não queria que ele entrasse na política. Ele sempre foi uma pessoa amiga. Minha relação com ele e com a Fernanda era pessoal. Era uma questão de sobrevivência, porque eu sabia o que ele ia fazer. Se acontece alguma coisa, ele ia jogar toda a culpa em cima de mim e ia falar que eu agi em nome dele. Eu me precavi. O que eu vi ele fazendo com o Luis Abi que era 'irmão' dele. Ele dizer que era primo distante, que ele não tinha ligação. Pegar o Fanini, que vivia na casa dele, viajando com ele. Eu vi eles conversando de dinheiro. Falar que o cara também é um bandido, com aquela desfaçatez, que ele era o rei da moral. Ia fazer o mesmo comigo. Ele ia botar a culpa em mim e sair pela tangente.
ESTADÃO: A corrupção se instalou no Governo do Paraná de forma sistêmica?
TONY GARCIA: Tão idêntica quanto a do Lula, como do Sérgio Cabral. Igual, mesma coisa, sem controle. O Beto nunca foi uma pessoa que tinha controle de tudo. Ele não conseguia falar não, não demitia as pessoas.
ESTADÃO: O sr viu muita coisa?
TONY GARCIA: Nossa, até Deus duvida. Até Deus duvida. Isso é um fio do novelozinho.
COM A PALAVRA, BETO RICHA
A reportagem fez contato com a defesa e com a assessoria de Beto Richa. O espaço está aberto para manifestação.
Quando foi preso na terça, 11, o ex-governador, por meio de sua assessoria, declarou. "A defesa do ex-governador Beto Richa até agora não sabe qual a razão das ordens judiciais proferidas. A defesa do ainda não teve acesso à investigação."
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