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Opinião | Democracia, finanças e inclusão social

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convidado
Por Ricardo Prado Pires de Campos

Um dos grandes desafios para as democracias é a inclusão social, as pessoas precisam se sentir participantes do sistema para darem valor a ele, só lutamos pela conservação de alguma coisa se entendermos que ela é importante para a nossa vida. Quando valorizamos algo ou alguém, queremos esse objeto ou essa pessoa perto de nós, do contrário, quando entendemos que algo é irrelevante ou insignificante não nos incomodamos com sua supressão. Portanto, as pessoas somente lutam pela democracia quando entendem que ela acrescenta valor em suas vidas.

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Democracia é sinônimo de liberdade, mas também de participação, de respeito às regras do jogo, contido no famoso jargão: respeito ao “Estado Democrático de Direito”. Todavia, as pessoas somente se interessam quando entendem que isso lhes diz respeito, quando se enxergam como participantes do sistema jurídico, social e econômico do país.

A questão jurídica é relevante, mas se mostra dependente do problema econômico. Não há liberdade que resista a estômagos vazios. A fome, o subemprego, a desnutrição, as carências básicas não supridas (saúde, moradia, educação, alimentação, segurança e outras), todas, são inimigas do sistema democrático. As pessoas valorizam a liberdade quando estão com sua sobrevivência assegurada.

Liberdade é um valor etéreo, as carências básicas são concretas. E há muitas outras coisas concretas que as pessoas se dispõem a negociar, por vezes, em prejuízo da democracia: cargos no governo, ministérios, contratos, empregos e verbas públicas, e muito mais. Democracia é palavra ambígua com inúmeros significados, de maneira que, cada grupo político a emprega com sentido diferente[i].

Parece-nos, no entanto, inquestionável que o Estado Democrático de Direito é a forma mais evoluída que conseguimos obter de Democracia. E na história brasileira esse é o período mais longo nesse regime.

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Democracia não é sinônimo de ausência de crise. Os Estados Unidos e a Europa estão vivendo desafios semelhantes aos nossos. O grande dilema nos países ocidentais é como incluir um contingente gigantesco de pessoas em seu mercado de consumo sem que isso abale as estruturas sociais e os direitos dos atuais usuários. Não é por acaso que a questão migratória está no centro dos debates e se constitui num dos temas acirrados e propício às radicalizações.

Parte considerável do mundo enriqueceu; outra parte, também relevante, ainda não. Pela televisão e, agora, pela internet, as pessoas perceberam que há fartura do outro lado do rio, do mar ou do oceano. E resolveram mudar em busca de seus sonhos.

O problema é que, nem todos que estão vivendo na fartura querem partilhar seu mundo com os novos migrantes. Afinal, a fartura é sempre relativa, se o número de bocas aumentar muito, a comida pode não ser suficiente. Daí, a ideia de construir muros de separação entre países, ou barreiras legais e físicas contra a imigração.

Cabe ressaltar, todavia, que o problema econômico da democracia não está apenas na diferença de renda entre as populações dos diversos países, mas, também, internamente.

O Brasil tem conseguido enfrentar o desafio de receber os sul-americanos que para cá têm acorrido em busca de melhores oportunidades. Todavia, estamos com dificuldade de resolver nossa própria demanda. O número de brasileiros em população de rua cresceu assombrosamente nos últimos anos, especialmente nas capitais dos Estados. Os usuários de crack, pessoas com problemas psiquiátricos (e cujos hospitais foram fechados nos últimos anos), aquelas sem família, e, agora, os sem teto e sem emprego engrossaram o contingente.

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Esses grupos, no entanto, são as partes mais visíveis do problema econômico e social, mas não se restringe a elas. Há outros grupos sociais de pessoas vulneráveis, cuja renda é insuficiente para arcar com suas necessidades básicas.

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Levantamentos estatísticos dão conta que mais de 71 milhões de consumidores, no Brasil, estavam em situação de inadimplência em novembro de 2023[ii]; ou seja, não possuem recursos suficientes para pagarem as dívidas já vencidas.   Numa população de 203 milhões de pessoas vivendo no território nacional [iii], os consumidores inadimplentes configuram quase 35% da população.

De outro lado, no entanto, a ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) divulgou no ano passado que, em 2022, a quantidade de brasileiros que estavam fazendo investimentos havia subido de 31% para 36% da população. [iv]

Isto quer dizer que, se de um lado, temos pouco mais de um terço da população com as contas em atraso, de outro, temos número quase igual de pessoas que estão com superavit, ou seja, conseguem poupar e investir parte de sua renda. Presumo que o terço final esteja se equilibrando entre os dois pratos da balança: não aparecem entre os devedores, mas também não estão entre os credores (investidores).

Quando as pessoas possuem dinheiro a receber, elas querem receber, de forma que a manutenção das regras do jogo, para elas, se transforma em algo importante. Sem contar que estando produzindo mais do que gastam, pois, conseguem poupar e investir, essas pessoas devem estar mais satisfeitas com suas vidas.

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O grau de satisfação com a própria vida impacta na percepção que a pessoa possui do ambiente no qual está inserida.

Segundo a notícia da ANBIMA, o número de investidores no Brasil está crescendo de forma significativa e isso se deve a educação financeira que começa a chegar em todas as classes sociais devido ao sucesso que o assunto tem ganho nas redes sociais. O brasileiro quer ficar rico e está começando a descobrir como fazer, especialmente os mais jovens. Essa melhoria na qualidade de vida dessas pessoas implica em maior inclusão social, maior apego ao status quo dominante e, portanto, maior apego a democracia e as oportunidades que ela disponibiliza a seus membros.

Ganhos reais na vida das pessoas impacta positivamente em todos os sentidos: melhor saúde, mais inclusão social, melhor comunicação, educação e, assim, sucessivamente. O binômio democracia e capitalismo começa a fornecer oportunidades para um grande contingente populacional. O que era privilégio de poucos, em algumas décadas, está se generalizando. Ainda há muito a fazer e a progredir, mas o caminho está dado, resta ajudar os que estão no final da fila para que possam ser também incluídos na dinâmica do desenvolvimento pessoal, profissional e financeiro, o que viabiliza uma melhor cidadania e mais apreço ao sistema organizacional da sociedade.

[i] Vale relembrar a ironia lapidar de Millôr Fernandes: “Democracia é quando eu mando em você, ditadura é quando você manda em mim”.

[ii] Caroline Nunes, Após três meses de alta, Brasil tem redução no número de pessoas com dívidas atrasadas em novembro, jornal O Globo, em 11/12/2023.

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[iii] Censo 2022 indica que o Brasil totaliza 203 milhões de habitantes in www.gov.br

[iv] Karina Saade, BlackRock: como promover inclusão no mundo dos investimentos, jornal Estadão, 12/09/2023.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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Ricardo Prado Pires de Campos
Procurador de Justiça aposentado, mestre em Direito Processual Penal, professor convidado da Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo e vice-presidente do MPD – Movimento do Ministério Público Democrático
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Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

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