Os depoimentos de militares de alta patente sobre a suposta trama golpista do governo Jair Bolsonaro - tornados públicos nesta sexta-feira, 15 - abastecem e reforçam as provas colhidas no inquérito da Operação Tempus Veritatis, se alinhando à narrativa da delação do ex-ajudante de ordens Mauro Cid.
Os destaques são os relatos dos ex-comandantes do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, que colocam o ex-presidente no centro do suposto plano de golpe, considerando suas inúmeras investidas para que os militares aderissem à narrativa de fraude nas urnas eletrônicas e a convocação de uma série de reuniões para que as Forças Armadas compactuassem com alguma estratégia para que ele seguisse na Presidência. A defesa do ex-presidente foi procurada mas ainda não se manifestou.
Os depoimentos dão detalhes dos encontros convocados por Bolsonaro - que já haviam sido mencionados por Cid - e ainda implicam diretamente integrantes da cúpula do governo do ex-presidente: o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, que teria apresentado uma das versões da ‘minuta do golpe’ aos então comandantes das FAA; e o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que teria explicado aspectos jurídicos que poderiam embasar às medidas de exceção consideradas por Bolsonaro no final de 2022: Garantia da Lei e da Ordem, Estado de Defesa, Estado de Sítio e intervenção militar.
A delação de Mauro Cid já havia indicado as reuniões entre Bolsonaro e os chefes das Forças Armadas para o debate sobre uma eventual intervenção militar para anular o resultado das eleições de 2022.
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Agora, os ex-chefes da Aeronáutica e do Exército fazem os investigadores avançarem nas apurações, a partir dos relatos de Cid, ao descreverem os encontros com o ex-presidente, vez que o ex-ajudante de ordens não presenciou debates sobre o tema, considerando o nível da reunião.
Enquanto Freire Gomes e Baptista Júnior rechaçaram de pronto as propostas de Bolsonaro, o ex-chefe da Marinha, Almirante Garnier, teria colocado as tropas à disposição do ex-presidente. À PF, Garnier se calou.
O brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior narrou, por exemplo, a tensão de uma das reuniões convocadas para debater o suposto golpe. O encontro foi realizado no dia 14 de dezembro, no gabinete do ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira.
Na ocasião, Oliveira disse aos comandantes que teria uma minuta, que gostaria de presentear para ‘conhecimento e revisão’. Nesse momento, Baptista disse ter questionado: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”. Oliveira se calou e em seguida o brigadeiro disse que não admitira receber o papel.
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Em outra reunião na qual Bolsonaro aventou a hipótese do golpe de Estado, ainda de acordo com Baptista Júnior, o ex-chefe do Exército Marco Antônio Freire Gomes afirmou que ‘caso tentasse tal ato (um golpe de Estado, seguindo teria que prender o Presidente da República’. Ao todo, o brigadeiro citou que compareceu ao menos cinco vezes ao Palácio do Planalto, por ordem de Bolsonaro, após a derrota do ex-presidente nas urnas.
Freire Gomes confirmou os encontros citados por Baptista Júnior, corroborando os relatos sobre os alertas feitos ao ex-presidente quanto ao resultado das eleições. Ele narrou inclusive ter alertado Bolsonaro que ‘qualquer atitude, conforme as propostas, poderia resultar na responsabilização penal’ do ex-presidente.
Ao confirmar o teor da reunião do dia 14 de dezembro, o general também acabou por corroborar os achados da Polícia Federal no celular do tenente-coronel Mauro Cid - a mensagens em que o tenente-coronel implica Bolsonaro diretamente, indicando que o ex-presidente teria feito ajustes na ‘minuta do golpe’.
Freire Gomes indicou aos investigadores que a versão do decreto apresentada no dia 14 era diferente da que ele havia recebido em outra reunião, no dia 7 de dezembro, da qual Baptista Júnior não teria participado.
Foi em tal encontro que o ex-assessor de Bolsonaro, Filipe Martins teria lido os ‘considerandos’ de um primeiro decreto golpista. Na ocasião, o ex-chefe do Exército ouviu de Bolsonaro que ‘o documento estava em estudo’ e depois o ex-presidente ‘reportaria a evolução aos comandantes’.
“Houve uma primeira reunião em que foram apresentados os fundamentos jurídicos para a medida. Posteriormente, ocorreu uma nova reunião em que o então presidente Jair Bolsonaro apresentou a minuta de decreto mais resumida os a Decretação do Estado de Defesa e a criação da Comissão de Regularidade Eleitoral para apurar a ‘conformidade e legalidade do processo eleitoral’”, diz um trecho do depoimento de Freire Gomes.
Além de Bolsonaro e do ex-ministro da Defesa, o general e o brigadeiro implicaram diretamente o ex-ministro da Justiça Anderson Torres - secretário de Segurança do Distrito Federal no 8 de janeiro de 2023 e em cuja casa a Polícia Federal apreendeu uma cópia de uma ‘minuta do golpe’.
Segundo os militares, Torres participou de reuniões em que foi debatido o suposto golpe de Estado, indicando que o então ministro ‘pontuou aspectos jurídicos que dariam suporte às medidas de exceção’ que eram cogitadas pelo ex-presidente. Torres nega a presença nos encontros e sua defesa diz que vai pedir uma acareação com os ex-chefes das Forças Armadas.
Com todos os depoimentos nas mãos, a expectativa é a de que os investigadores cruzem as informações dadas por Cid e pelos militares com a provas já coletadas no inquérito, assim como as perícias dos matérias coletados na fase ostensiva da Operação Tempus Veritatis. Além disso, a PF pode fazer novas diligencias - inclusive oitivas - que possam esclarecer o passo a passo da trama golpista sob suspeita.
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