Vivemos um ano atípico, que trouxe um cenário inesperado para diversas áreas da economia. No setor automobilístico não foi diferente. O anúncio recente do fechamento das fábricas da Ford no Brasil trouxe luz aos inúmeros desafios que este segmento tem enfrentado no país. Em 2020, com a paralisação das fábricas, houve um choque de demanda que se refletiu sobre a indústria, inclusive sobre os fornecedores. E este choque foi brutal, a ponto de reduzir o número de veículos matriculados, que chegou a ser 30% menor do que em 2019. Essa realidade desorganizou a cadeia de suprimentos, criou falta e aumento de preço de matérias-primas. Além disso, a variação cambial também teve forte impacto, uma vez que algumas peças são importadas.
Ouso dizer que as coisas não voltam ao normal tão cedo. Temos desafios relevantes para 2021. Os níveis de demanda não voltaram, a instabilidade de preços e a falta de insumos vêm se estabilizando, mas ainda é um cenário desafiador.
O primeiro desafio interno para as empresas que fazem parte da cadeia automobilítica é o financeiro. As empresas necessitam, em um ano de crise, de ferramentas eficientes, como fluxo de caixa e gestão de caixa por comitês, para ter visão de curto e médio prazo. Esse dever de casa, depois da gestão de caixa, contempla melhoria de processos, redução de custos, ajustes de preços, busca por inovação na indústria 4.0 e um trabalho eficaz com a carteira de clientes. Essa melhoria na operação deve trazer robustez ao negócio.
Além disso, é preciso vontade, ciência dos acionistas ou donos dos negócios, para fazer essas transformações acontecerem. Em empresas familiares, por exemplo, é necessário começar pela governança e revisar todos os processos. A descentralização da gestão é um passo, por isso, trazer especialistas de mercado que possam participar tanto da gestão quanto da governança, com abertura para a diversificação de produtos, pode ser um ótimo começo.
Pensamos nos fornecedores da indústria automobilística como um segmento 100% focado no atendimento a montadoras, mas já vemos empresas querendo se desdobrar em outras linhas de negócios. Algumas delas, embora estejam ancoradas no business, precisam se diversificar, até mesmo as de pequeno porte e start-ups. Por fim, existem opções de fusão e aquisição, unindo empresas para contribuir para o crescimento conjunto.
É fato que a indústria automobilística está passando por uma transformação. Hoje, existe mudança de perfil de uso, com modalidades como carros compartilhados ganhando força. Tudo isso em um contexto de grande concentração, espremendo os fornecedores. E as empresas familiares ainda têm pressões internas, têm que se reinventar e isso não acontece sem a consciência dos sócios. Agregar tecnologia e inovação é fundamental para o turnaround, enquanto joint ventures e parcerias podem ser avaliadas.
Quero encorajar os empresários a sempre se comprometerem com o processo de melhoria contínua. Vimos empresas que passaram por dificuldades saindo delas porque tiveram energia e vontade de evoluir. No mundo de hoje, com as crise econômica, temos necessidade permanente de melhorias para trabalhar de maneira mais profissional. E esse processo não para.
Nos anos de bonança, quando o ciclo está fluindo, é preciso pensar nas melhorias que podem ser consolidadas para aumentar a competitividade, a diversificação e a profissionalização. Nos anos de dificuldade, o ideal é se preparar antecipadamente e ter assertividade e agilidade tecnológica. As empresas que integram esta indústria devem seguir em frente e com foco em transformação, sem frear os processos de melhoria, sendo eles de gestão ou na área de tecnologia e inovação.
*Vincent Baron é Managing Director da Naxentia
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