Todos os 39 desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT) vêm recebendo remunerações muito acima do limite permitido pela Constituição. Mesmo estourando o teto do funcionalismo público, os subsídios são pagos aos magistrados.
A reportagem pediu manifestação do tribunal sobre os pagamentos.
O Estadão mapeou os contracheques dos magistrados no segundo semestre de 2024. Em todo o período analisado, não houve um único holerite dentro do teto (considerando os valores brutos). A análise compreendeu os meses de agosto a dezembro, porque dados completos de julho não estão disponíveis no portal da transparência do tribunal.
Na média, dezembro desponta como o mês com os holerites mais vultuosos. Nesse mês, os desembargadores ganharam quase oito vezes mais do que recebem os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Duas magistradas – Maria Aparecida Ferreira Fago e Maria Erotides Kneip – lideram o ranking de contracheques em dezembro. Eles receberam, respectivamente, R$ 250 mil e R$ 245 mil. Foram os subsídios mais altos de todo o período mapeado. O valor é da remuneração líquida, ou seja, o que efetivamente caiu na conta das desembargadoras após os descontos.
A Constituição limita o holerite do funcionalismo público ao que ganha um ministro do STF, hoje R$ 44 mil brutos ou cerca de R$ 32 mil líquidos, descontado imposto na fonte.
Ocorre que magistrados recebem auxílios que não entram no cálculo e que não sofrem incidência de imposto de renda. São verbas indenizatórias (como auxílios para transporte, alimentação, moradia e saúde) e vantagens eventuais (como 13.º salário, reembolso por férias atrasadas e eventuais serviços extraordinários prestados) contados fora do teto, abrindo caminho para os chamados “supersalários”.
Além disso, magistrados têm direito a 60 dias de descanso remunerado por ano - fora o recesso de fim de ano e feriados. É comum que eles usem apenas 30 dias, sob argumento de excesso e acúmulo de ações. Mais tarde passam a receber esse “estoque”, a título de indenização de férias não gozadas a seu tempo.
Leia também
O contracheque dos desembargadores de Mato Grosso é dividido em duas partes. A “folha corrente”, destinada à remuneração base, e outra “folha complementar”, onde cabem penduricalhos, como adicional por tempo de serviço e abono de permanência. Via de regra, a folha suplementar é usada para cobrir diferenças na remuneração dos magistrados que, por algum motivo, não foram prontamente pagas. Esses valores não entram no teto remuneratório e são recebidos posteriormente com juros e correção por juízes e desembargadores.
Os tribunais têm autonomia para definir o limite mensal dos pagamentos suplementares. Essa é uma atribuição discricionária de cada desembargador-presidente. No caso de Mato Grosso, a maior parcela da remuneração dos magistrados é depositada via folha complementar.
Em todo o período, o desembargador Jorge Luiz Tadeu Rodrigues foi o melhor remunerado. Ele recebeu R$ 870 mil, uma média de R$ 174 mil por mês.
Os pagamentos acima do teto não ficam restritos aos desembargadores. O Estadão revelou nesta sexta-feira, 10, que servidores da Corte de Mato Grosso recebem mais de três vezes a remuneração dos ministros do STF.
Veja quanto cada desembargador do Tribunal de Mato Grosso recebeu no segundo semestre de 2024:
Em dezembro, a então presidente do TJ, desembargadora Clarice Claudino da Silva, mandou pagar R$ 10 mil a todos os magistrados e R$ 8 mil aos servidores a título de vale-alimentação, penduricalho logo intitulado “vale peru”. O auxílio turbinado gerou polêmica. O ministro Mauro Campbell Marques, corregedor do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que fiscaliza o Poder Judiciário, mandou suspender o pagamento por considerar o valor exorbitante. O benefício, no entanto, caiu na conta dos magistrados e servidores, mesmo após a decisão do ministro. Acuado, o tribunal recuou e mandou servidores e magistrados devolveram o dinheiro.
Clarice recebeu subsídios muito acima do teto ao longo de todo o ano de 2024. Apenas em dezembro, ela recebeu R$ 202 mil. Seu sucessor, o desembargador José Zuquim Nogueira também teve um Natal auspicioso. Ele recebeu R$ 204 mil no último mês do ano.