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Desenrolando o Desenrola

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Por Ana Cristina Mantoanelli
Ana Cristina Mantoanelli. Foto: Divulgação

Seja para incentivar o consumo e assim aquecer a economia, seja para socorrer uma faixa da população com sérias dificuldades de sobrevivência, foi lançado pelo governo federal o Desenrola Brasil. Vinculado ao Ministério da Fazenda, o programa tem como o objetivo incentivar a renegociação de dívidas pelas pessoas mais impactadas pela conjuntura econômica do país, especialmente após a Pandemia da Covid-19, provendo melhores descontos e condições que facilitem a retomada do seu acesso ao mercado de crédito, com a retirada dos seus dados dos cadastros de inadimplentes.

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De fato, nos últimos anos, o índice de inadimplência das famílias vem crescendo, tendo atingido a marca de 70 milhões de pessoas em 2023, quase 42% da população adulta brasileira sem acesso ao crédito. Segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), em maio deste ano, a quantidade de pessoas com dívidas vencidas há mais de 90 dias representou 45,7% dos inadimplentes, maior taxa para um mês em três anos, e vem crescendo desde dezembro de 2022 (43,9%). Com a publicação da Medida Provisória do Desenrola Brasil, a perspectiva é de que esse cenário se altere positivamente, razão pela qual a CNC fará uma nova previsão.

É importante lembrar que a maior parte das dívidas sujeitas ao programa foi contraída por uma parcela da população em situação financeira bastante crítica, com renda de até dois salários-mínimos. Negativados, esses devedores perderam acesso ao crédito e precisaram pagar à vista por itens de subsistência, compras de mercado, contas de consumo, entre outras. Ficaram limitados ao valor da renda mensal, que costuma ser toda consumida logo nos primeiros dias depois do pagamento.

De acordo com o programa, tão logo ocorra o pagamento da primeira parcela da renegociação, começará a contar o prazo de cinco dias úteis para que o credor exclua os nomes dos devedores dos cadastros de inadimplentes, com isso reabilitando-os a novas compras parceladas. Os devedores que aderirem ao Desenrola poderão quitar os seus débitos à vista ou parceladamente, sem o superendividamento e com acesso aos conteúdos de educação financeira.

Para devedores da faixa 1 (com renda até dois salários mínimos), os acordos no âmbito do Desenrola, de até 5 mil reais, contarão com a garantia do Tesouro Nacional, como o incentivo a juros baixos. Já na segunda faixa, para devedores com renda até vinte salários-mínimos, o incentivo às negociações será regulatório-fiscal.

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Os devedores que aderirem ao Desenrola poderão quitar os seus débitos com recursos próprios ou por meio de contratação de nova operação de crédito, que não deverá comprometer o mínimo existencial, na verificação de superendividamento. Mas precisarão participar de um programa de educação financeira; é preciso que consigam comparar as opções de crédito oferecidas para escolherem a mais adequada à sua situação antes de constituir novos compromissos de pagamentos

Já a futura concessão de crédito dependerá das políticas de cada instituição financeira. E elas estão cada vez mais preparadas para analisar perfis comportamentais de consumo e pagamento, têm prestadores de serviço com essa expertise e são obrigadas por lei a usar essa inteligência para conceder créditos de forma segura e consciente.

O programa é importante para que esse público tenha algum alívio e volte a consumir. Em contrapartida, o maior desafio do governo e das instituições financeiras será evitar que o alívio numa dívida leve a novo endividamento e, em consequência, a nova alta na inadimplência.

De todo modo, a implantação do Desenrola é de fato necessária e urgente, tanto para devolver dignidade às pessoas endividadas, muitas das quais são arrimo das suas famílias, quanto para contribuir para o aquecimento da economia via incremento do consumo.

Caso a expansão do PIB de 1,9% entre janeiro e março de 2023, promovida quase integralmente pelo desempenho da agropecuária, se repetisse nos demais trimestres, o crescimento em 2023 chegaria a 7,8%. Mas as projeções apontam expansão entre 2% e 3%, indicando um fôlego curto sem estímulos adicionais e, portanto, conferindo sentido à implantação do Desenrola Brasil.

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Muito mais adequado, por exemplo, que o incentivo à aquisição de carros populares. O desconto subsidiado pelo governo não mitiga riscos de inadimplência e pode até desequilibrar o que se pretende reequilibrar com o Desenrola. O foco precisa estar no consumo consciente e não por impulso.

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Temos como experiência recente um ciclo de superendividamento e consequente superinadimplência após as linhas oferecidas pela Caixa, em 2022, no governo Bolsonaro. A primeira, para negativados, outra, no período entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais, para beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), na modalidade de empréstimo consignado -- em que a prestação do empréstimo é debitada, automaticamente, do benefício recebido.

O alívio nas dívidas, ao lado do recuo da inflação, o início previsto dos cortes nos juros básicos, a antecipação do 13º salário aos beneficiários do INSS, para junho e julho -- liquidez de aproximadamente R$ 60 bilhões que só estariam livres no fim do ano -- são ações na mesma direção para reativar o consumo. Esse "combo" tende a trazer bons resultados. Otimismo à parte, todo cuidado é pouco para que o aquecimento da economia se faça sustentável.

*Ana Cristina Mantoanelli é advogada graduada pela Universidade Paulista, com pós-graduação em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica - PUC e MBA com ênfase em Inteligência de Mercado pela FIA. Atuou no contencioso de grandes escritórios de advocacia, como Azevedo Sodré Advogados - ASA, Demarest e Almeida Advogados Associados e J. Bueno e Mandaliti advogados. Em 2009, assumiu a gerência e, depois, a diretoria do departamento jurídico da Crediativos, empresa especializada na gestão e recuperação de carteiras de créditos inadimplidos. Atualmente, é diretora jurídica da MGC Holding

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