Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Destino e controle das emendas parlamentares

Na Constituição Federal, a publicidade é um dos princípios basilares da administração pública. Publicizar os beneficiários e destinos dos recursos é um passo eficaz para assegurar que o dinheiro exerça à risca sua função social no contrato social firmado entre o povo e Leviatã

PUBLICIDADE

convidado
Por Rodrigo de Abreu Sodré Sampaio Gouveia

No Norte não está. No Sul estará. Tem gente que sabe e não diz. Está tudo por um triz. Esses são trechos de uma música cantada por Gal Costa, em 1984. Uma sátira acida e carnavalesca surgida no período da ditadura militar e de inflação alta: Onde está o dinheiro? Não podemos subestimar a fome de um gato, que no refrão da citada música, comeu o nosso dinheiro. O gato comeu, o gato comeu. E ninguém viu.

PUBLICIDADE

Não é por conta de holofotes que a gestão e a distribuição de emendas parlamentares trouxeram recentemente à tona tema sobre dinheiro que transcende os aspectos meramente administrativos e que se conecta à própria história de desigualdades estruturais no Brasil: a destinação de vultosos recursos públicos provenientes das emendas, frequentemente conduzidas de forma opaca e, que, por conta de alguns, nem sempre estão de acordo com critérios republicanos.

Emendas parlamentares possuem potencial de reduzir desigualdades regionais e fortalecer o pacto federativo. A transparência do destino do dinheiro é inerente às engrenagens da máquina pública. Saber depois onde está o dinheiro, idem. A utilização de recursos como moeda de troca política em detrimento de investimentos essenciais, como saúde, educação e infraestrutura, escancara de longa data o uso distorcido de instrumentos que deveriam promover o bem comum.

Sob o pretexto de fomentar o desenvolvimento local, tais repasses quando feitos por certos agentes servem para atender interesses individuais ou de grupos restritos, que caracterizam privilégios que subvertem o objetivo de reduzir desigualdades. Em anos atrás, o sistema de peso e contrapesos - que age entre os poderes da república – já interveio a fim de exigir maior transparência no uso de recursos públicos pelo legislativo, via provocações feitas ao STF.

Os casos popularmente conhecidos como “Orçamento Secreto” e “Dos Gastos Parlamentares”. Nada obstante, as citadas últimas intervenções judiciais não ocorreram de forma tão direta como vige a decisão monocrática do ministro Flávio Dino, que adotou postura mais incisiva ao determinar a suspensão das emendas parlamentares sem aguardar debates ou trâmites colegiados. Decisão essa tomada em resposta à petição de fundações de apoio que questionaram repasse de recursos para ONGs e entidades do terceiro setor que não adotam mecanismo adequados de transparência e não divulgam informações sobre aplicação de verbas recebidas de emendas parlamentares.

Publicidade

A ideia não exige contorcionismo jurídico. Na Constituição Federal, a publicidade é um dos princípios basilares da administração pública. Publicizar, em tempo real, os beneficiários e destinos dos recursos é um passo eficaz para assegurar que o dinheiro exerça à risca sua função social no contrato social firmado entre o povo e Leviatã. Evita-se, assim, de imediato, riscos de clientelismo e favorecimento político, diga-se, o famigerado desvio de finalidade – que no caso afronta os também princípios basilares constitucionais da moralidade, impessoalidade e outros.

Ademais, a decisão em comento traz maior fortalecimento do controle social e da cidadania, contribuindo ainda para mitigar prejuízos a populares vulneráveis que dependem de ações rápidas governamentais. E embora o governo federal tenha adotado medidas da noite para o dia para atender exigências da Corte Suprema, editando a Portaria Conjunta 115 de 10/12/24 e a Lei Complementar 210, de 25/12/24, que primam por transparência, eficiência e rastreabilidade das emendas, respectivos veículos legais não resolvem completamente a decisão do ministro Flávio Dino, que exige maior detalhamento e transparência no uso dos recursos provenientes de emendas parlamentares, sobretudo no contexto das de relator (RP-9). Significa afirmar, a decisão judicial vai além das medidas legislativas já tomadas, pois busca enfrentar questões estruturais e operacionais ainda pendentes, como de critérios técnicos claros e objetivos para a alocação de recursos e maior fiscalização sobre a execução das emendas.

Fato é que o assunto já poderia estar solucionado faz décadas por iniciativa do poder legislativo. Países como Suécia e Nova Zelândia – e outros, trazem exemplos de sucesso para o Brasil, como o estabelecimento de critérios claros e objetivos de distribuição de emendas parlamentares, que garantem o destino de recursos para áreas de fato prioritárias. Exemplos, aliás, que contribuem para um debate público e político de vanguarda e de progresso.

Convidado deste artigo

Foto do autor Rodrigo de Abreu Sodré Sampaio Gouveia
Rodrigo de Abreu Sodré Sampaio Gouveiasaiba mais

Rodrigo de Abreu Sodré Sampaio Gouveia
Advogado. Foto: Arquivo pessoal
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para cadastrados.