O ministro André Ramos Tavares, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), deu nesta quinta-feira, 29, o terceiro voto para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na reunião com embaixadores estrangeiros em julho de 2022. O placar está 3 a 1. A sessão será retomada amanhã. Se for condenado, Bolsonaro pode ficar inelegível até 2030.
O TSE julga se o ex-presidente usou a reunião com os diplomatas para promover a candidatura à reeleição. Bolsonaro disseminou mentiras sobre o sistema de votação brasileiro e as urnas eletrônicas - retórica que deu o tom da campanha bolsonarista em 2022.
Com a retomada do julgamento, às 12 horas desta sexta, os olhos estarão voltados para a ministra Cámen Lúcia, que abrirá os votos. Depois dela, se manifestam os ministros Kassio Nunes Marques e Alexandre de Moraes.
Inicialmente, o TSE havia reservado três dias para o julgamento (22, 27 e 29 de junho). A sessão de amanhã seria usada para assuntos administrativos, mas foi desmarcada em um esforço para concluir a votação antes do recesso do Judiciário. O ministro Raul Araújo levou quase duas horas para apresentar o voto nesta quinta, rompendo com um acordo informal dos ministros, que haviam se comprometido a não ultrapassar o prazo de 30 minutos.
Se o ex-presidente for declarado inelegível pelo TSE, ele ficará impedido de participar das eleições de 2024, 2026 e 2028, mas ainda terá chance de participar do pleito de 2030, segundo especialistas em direito eleitoral ouvidos pelo Estadão. Isso porque o prazo da inelegibilidade tende a ser contado a partir da última eleição disputada, ou seja, 2 de outubro de 2022. Como o primeiro turno da eleição de 2030 está previsto para 6 de outubro, Bolsonaro já teria cumprido a punição. O ex-presidente, no entanto, ainda estaria inelegível no momento de registro da candidatura e precisaria brigar judicialmente para concorrer. Se o TSE entender, no entanto, que a contagem do prazo de inelegibilidade não é por dias corridos, mas por ciclos eleitorais, o ex-presidente estará fora de disputa de 2030. Daqui a sete anos, Bolsonaro terá 75 anos de idade.
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Como foi o julgamento até aqui?
Dia 1
O primeiro dia o julgamento, a quinta-feira, 22, ficou reservado para a leitura do relatório, documento que reconstitui o histórico de tramitação da ação, e para as manifestações dos advogados e do Ministério Público Eleitoral.
O primeiro a falar foi o advogado Walber de Moura Agra. Ele é coordenador jurídico do PDT e redigiu a ação movida pela legenda. A estratégia foi tentar ligar a reunião com os embaixadores a um contexto mais amplo de ataques antidemocráticos e investidas para desacreditar o sistema eleitoral, que culminou com os atos golpistas do dia 8 de janeiro em Brasília.
Em seguida, o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho teve 30 minutos para falar em nome do ex-presidente. Ele buscou “despolitizar” o julgamento e defendeu a não instrumentalização da Justiça Eleitoral para “varrer” a direita no Brasil. Outra estratégia foi tentar minimizar a gravidade das declarações. “A questão do voto impresso não pode ser tabu”, afirmou.
Por fim, o vice-procurador-geral Eleitoral, Paulo Gustavo Gonet, sustentou pela condenação de Bolsonaro. O discurso foi duro e atribuiu ao ex-presidente uma tentativa de “degradar ardilosamente” a democracia. A leitura é que a reunião com os embaixadores foi usada para promover a narrativa falsa, explorada na campanha, de fraude nas urnas. Ele também associou as declarações do ex-presidente a bloqueios em rodovias, acampamentos em frente a quartéis do Exército e aos atos do dia 8 de janeiro.
Dia 2
O segundo dia de julgamento, a terça-feira, 27, foi destinado à leitura do voto do ministro Benedito Gonçalves, que é o relator do processo. Ele concluiu que Bolsonaro usou o cargo e a estrutura da Presidência da República para espalhar notícias falsas, atacar o Tribunal Superior Eleitoral, mobilizar apoiadores e promover a candidatura à reeleição.
O ministro afirmou que o ex-presidente espalhou “mentiras atrozes” sobre o TSE, fez “ameaças veladas” e instrumentalizou as Forças Armadas para investir contra o tribunal. Bolsonaro foi considerado o único responsável pelo evento com os diplomatas. Com isso, o voto do relator livra da inelegibilidade o general Walter Braga Netto, vice na chapa bolsonarista em 2022.
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Dia 3
O julgamento chegou ao terceiro dia nesta quinta-feira, 29, com os votos de Raul Araújo, Floriano de Azevedo Marques Neto e André Ramos Tavares.
O ministro Raul Araújo votou para rejeitar a ação e livrar o ex-presidente da inelegibilidade. Ele minimizou as condutas de Bolsonaro diante de embaixadores estrangeiros, quando repetiu, sem provas, mentiras sobre o sistema de votação brasileiro e a Justiça Eleitoral. Para Raul Araújo, tratou-se de “ato solene” (veja detalhes do voto).
Araújo argumentou que, em sua avaliação, o ex-presidente apenas “expôs sua posição política sobre temas abertos ao diálogo público”. “Entendo inexistir o requisito de suficiente gravidade. Boa parte do discurso reconheço como normal, como legítima, exceto pelo fato de que caracterizava uma propaganda eleitoral indevida”, afirmou.
Ele reconheceu que Bolsonaro se “excedeu” no discurso, classificou alguns trechos como “censuráveis”, mas argumentou que o ex-presidente não conseguiu deslegitimar as urnas, o que na avaliação do ministro diminui a gravidade das declarações.
“Embora não se possa negar que as eleições de 2022 experimentaram um conjunto de percalços e dificuldades oriundo de discursos de discursos inverídicos, no qual a fala do então presidente Jair Messias Bolsonaro é exemplo significativo, há de se igualmente reconhecer que a Justiça Eleitoral foi capaz de conduzir o pleito de forma orgânica, com ampla e livre participação popular”, defendeu.
A minuta foi o primeiro ponto abordado no voto. O documento, apreendido na casa do ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, decretava uma intervenção no TSE para anular o resultado da eleição. O rascunho previa a criação de uma comissão, formada por Bolsonaro e por representantes do Ministério da Defesa, para fiscalizar o Tribunal Superior Eleitoral, afastar ministros e tornar sem efeito a vitória de Lula.
“O fato de o ministro da Justiça ser subordinado ao presidente não torna o presidente responsável automaticamente por atos ilícitos praticados por aquele”, argumentou.
O ministro defendeu que o documento não tem relação com o processo nem validade jurídica. “Articulo inexistir qualquer conexão com a demanda, além de perfazer documento apócrifo, que nem sequer pode ser juridicamente considerado como documento”, afirmou.
O próprio Araújo votou, em fevereiro, para juntar a minuta ao processo. Ele argumentou, no entanto, que o documento não deve ser considerado no julgamento. O ministro defendeu que a investigação não comprovou a pertinência entre o rascunho e a ação.
“Mesmo após diligente instrução, inexiste qualquer elemento informativo capaz de sustentar para além de ilações a existência de relação entre a reunião e a minuta a qual, apócrifa e sem origem e data, persiste de autoria desconhecida, a impedir qualquer juízes seguro de vinculação daquele achado com o pleito de 20222 ou com os investigados”, seguiu.
Ao longo da campanha, tomou decisões que agradaram o entorno do ex-presidente. Partiu dele a liminar que proibiu manifestações políticas no festival de música Lollapalooza, após artistas manifestarem apoio a Lula. Araújo também rejeitou pedido do PT para retirar outdoors com mensagens de apoio a Bolsonaro. Foi o único, ainda, a votar contra a multa de R$ 22,9 milhões imposta ao PL, partido do ex-presidente, na esteira do pedido para anular parte dos votos do segundo turno.
Depois dele, o ministro Floriano de Azevedo Marques Neto também votou pela condenação do ex-presidente. Ele rebateu os argumentos de Raul Araújo, que minimizou o impacto do discurso de Bolsonaro, por considerar que o ex-preside não conseguiu desacreditar as urnas. “Ter o abusador ganho ou pedido a eleição, tendo a a sua estratégia surtido ou não efeito, isso é irrelevante”, rebateu Floriano. “Nós estamos falando da intenção e das circunstâncias que predizem uma gravidade.”
O ministro concluiu que Bolsonaro decidiu “desafiar frontal e cabalmente o Judiciário” e colocou em risco a normalidade e a legitimidade das eleições. Também rejeitou os argumentos da defesa do ex-presidente, que tentou inserir o encontro com os diplomatas em um contexto de diálogo institucional.
“Um monólogo agressivo e que não considere as razões do interlocutor como passíveis sequer de respeito e interlocução, não é discurso. Um discurso que se prima por agredir as instituições não é, por definição, institucional. Outrossim, institucionalmente, a matéria voto impresso já havia sido superada pelas instituições constitucionalmente para travar o tema”, criticou Floriano.
André Ramos Tavares acompanhou a maioria atribuir ao ex-presidente uma “tática eleitoral contra a democracia”. Também afirmou que Bolsonaro “manipulou” informações sobre o processo eleitoral e tentou usar o evento com os diplomatas para promover a candidatura à reeleição.
Floriano e Tavares foram indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao TSE. Eles rebateram o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho, que representa Bolsonaro e atribuiu ao julgamento uma tentativa de “varrer” o avanço da direita no Brasil. “O que se está a julgar não é uma ideologia, mas sim os comportamentos patológicos, abuso e desvio de finalidade, que podem ocorrer e lamentavelmente ocorrem em próceres das mais diversas ideologias”, reagiu Floriano.
Na mesma linha, o ministro André Ramos Tavares afirmou que o julgamento se debruça sobre uma “estratégia política” de disseminação de fake news que ganhou uma “etiqueta ideológica”. “Não se está aqui a julgar a existência de um mero grupo de falácias contadas, mas sim uma estratégia política que depende da disseminação de falsas informações, pautadas por uma identidade política ou mesmo uma etiqueta ideológica, que não aceita, não tolera e relega como pária aquele que não toma para si a integralidade da agenda pautada”, afirmou o ministro.
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