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Opinião | Dirceu, a nova maquiagem judicial e a suspeição de Gilmar Mendes

No popular diz-se não olhar o macaco o próprio rabo. Que o Moro era suspeito, nenhuma dúvida. Só que o ministro Gilmar Mendes também era suspeitíssimo em apreciar casos a envolver decisões pretéritas do então juiz Moro. Em síntese, sua decisão é nula de pleno direito

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convidado
Por Wálter Fanganiello Maierovitch
Atualização:

O saudoso jornalista e escritor Antônio de Alcântara Machado, que foi do Estadão, escreveu uma obra clássica sobre a vida dos imigrantes italianos, nos três bairros paulistanos de maior concentração. O título da obra é Brás, Bexiga e Barra Funda.

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Como nasci e vivi no operário bairro da Barra Funda conseguiria, sem o mesmo brilho do mencionado Antônio Alcântara Machado, ampliar com outros contos, no período de 1947 a 1971, a sua fundamental obra.

Começaria por fazer correlações com a vida político-jurídica atual. A nova maquiagem facial de José Dirceu, por exemplo.

Começo com Nelson apelidado Talo. Sempre elegante, em ternos bem cortados, de “sartoria” de napolitano. Quando vestia alvejante linho Panamá, Talo sempre ficava embriagado, perdia a postura e a compostura.

Num desses dias, ao sair com elevado grau etílico do bar na esquina da rua Anhanguera com a baronesa de Porto Carreiro, alguém disse algo grosseiro e ele berrava e repetia a sua frase predileta: “prá cima de moi, jamé”.

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Num jogo de cena bem ensaiado, a indicar certeza sobre a anulação de duas penas criminais, de 23 anos e 11 anos e três meses, ambas de reclusão em regime inicial fechado, o ex-ministro José Dirceu começou a aparecer em notas de jornais e dar opiniões políticas na mídia eletrônica. Voltava, com desenvoltura, à busca de exposição pública.

Não demorou para acertar no seu cálculo. Nesta semana, o ministro Gilmar Mendes deu efeito extensivo à decisão de reconhecimento da suspeição do então juiz Sérgio Moro. A decisão original era do processo conhecido por triplex do Guarujá, a envolver como réu o presidente Lula.

Como consequência da decisão de Gilmar Mendes, anularam-se duas condenações às pesadas penas supracitadas, por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro de recebimento de vantagens indevidas.

O procurador-geral da República, Paulo Gonet, irá recorrer à Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF).

Caso mantida a decisão anulatória na Segunda Turma, os processos criminais de conhecimento voltarão à 13.ª Vara Criminal do Paraná, para prosseguimento. E o magistrado deverá decidir sobre as provas imprestáveis, decorrentes da suspeição, e as aproveitáveis, que serão as documentais, com exceção às anuladas pelo ministro Dias Toffoli, em canhestra decisão.

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Numa apertada síntese, nada está decidido sobre o mérito. Ou seja, o réu José Dirceu não está absolvido, nos dois referidos processos criminais de conhecimento.

Em Brasília, vozes petistas empolgadas já anunciam a volta de José Dirceu à política. Até assegura-se que disputará, em 2026, uma cadeira de deputado federal.

Mantida a decisão anulatória do ministro Mendes, Dirceu retomará os seus direitos políticos, antes suspensos em razão dos efeitos das sentenças penais condenatórias.

Diante desse quadro, com a nova maquiagem de Dirceu, o referido Talo, da Barra Funda, sairia, caso vivo fosse, um “prá cima de moi, jamé”. Isso porque lembraria do processo apelidado por “mensalão”.

ODOR DE CORRUPÇÃO

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José Dirceu foi condenado no “mensalão”. E, atenção, condenado em voto da lavra do íntegro ministro Joaquim Barbosa. A pena definitivamente fixada foi de 10 anos e 10 meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Dessa condenação, José Dirceu recebeu indulto de Natal da então presidente Dilma Rousseff.

Até chegar o indulto de extinção da pena, José Dirceu permaneceu 2 anos e 3 meses na cadeia.

Como diz a lei e ensinam os doutrinadores, o indulto só extingue a pena. É causa de extinção de punibilidade.

Melhor explicando, os crimes cometidos por Dirceu, no mensalão, permanecem íntegros. Jamais sairão do seu currículo de vida de criminoso, de corrupto. Nem com boa maquiagem.

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Caso confirmem-se a decisão do ministro Gilmar Mendes e a pretensão eleitoral de José Dirceu, não será apagada a condenação do “mensalão”. Àquela com a chancela do voto vencedor dado por Joaquim Barbosa, com Ricardo Lewandowski vencido.

PARCIALIDADE DE MORO

A decisão reconhecendo a suspeição do então juiz Moro, esticada a José Dirceu, era mesmo de rigor, ressalvado o entendimento contrário do procurador Gonet.

José Dirceu, nas duas condenações da Lava Jato, foi julgado por juiz parcial. Moro jogou de mão com a acusação, pois possuía interesse privado, de se tornar conhecido e migrar para a política partidária. Pensou até em ser presidente da República, mas negociou com o golpista Bolsonaro e tornou-se ministro da Justiça.

Pela lei processual penal, ocorre nulidade absoluta quando o processo é julgado por um juiz suspeito de parcialidade. Assim, a ambição do parcial Moro, levou ao reconhecimento da nulidade, em dois processos condenatórios.

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O mensalão, que foi um monumental esquema de corrupção, - e mostra-se risível a tentativa do ministro Toffoli ao tentar reescrever a sua história -, deve ser visto como um todo. Um conjunto de pedras a formar um mosaico, para usar de uma imagem.

O julgador do mosaico, Moro, estava impedido de fazê-lo. Era parcial, possuía interesse espúrio.

Diz a lei processual penal: “A nulidade ocorrerá nos seguintes casos: I- incompetência, suspeição ou suborno do juiz”.

A suspeição do juiz Sérgio Moro foi reconhecida em julgamento da Segunda Turma do Supremo (2021) e confirmada no Plenário do STF, em 2021.

Quanto a isso, a suspeição de Moro, e a partir da regra constitucional republicana de a última palavra caber ao STF, nada mais se pode discutir processualmente.

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O ministro Gilmar Mendes nada mais fez do que dar efeito extensivo, a caso concreto a envolver o réu José Dirceu, à nulidade absoluta reconhecida pelo Plenário do STF.

PROVA ILÍCITA: vaza-jato

Muito se fala da prova ilícita, proibida, decorrente da interceptação e gravações de conversas mantidas entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol.

Como regra, tal prova é nula. Mas, no mundo civilizado, a prova ilícita tem valor caso favoreça o acusado. A meta é, pela integridade processual, evitar-se uma possível injustiça.

Em todo processo, existe a finalidade ético-legal. No caso da Lava Jato, havia conluio e era visível. Conluio entre o Ministério Público, em função acusadora, e o juiz, ou seja, um sujeito processual interessado em condenar não em função jurisdicional, mas privada.

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SUSPEIÇÃO SOLAR DE GILMAR

No popular diz-se não olhar o macaco o próprio rabo. Que o Moro era suspeito, nenhuma dúvida. Só que o ministro Gilmar Mendes também era suspeitíssimo em apreciar casos a envolver decisões pretéritas do então juiz Moro.

Em síntese, sua decisão é nula de pleno direito.

O ministro Gilmar Mendes era flagrantemente suspeito de parcialidade. Como enxergam todos, o ministro Gilmar fica cego de raiva ao ter de mencionar o ex-juiz e atual senador Moro.

Vale lembrar: Gilmar adiantou, inúmeros vezes, juízos negativos sobre Sergio Moro e referentemente à Lava Jato. Chegou até a lhe passar uma carraspana quando de a visita interesseira de Moro ao seu gabinete, em prédio do STF.

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PANO RÁPIDO

O Brasil vive fase de vale-tudo e a credibilidade do STF despenca junto à população.

Até Dirceu já se apresenta maquiado de honesto e perseguido, com esquecimentos ao “mensalão” e ao limitado efeito do indulto de Dilma.

Nessa toada e, caso volte a ser deputado federal, ninguém irá estranhar se Dirceu aparecer em Lisboa, em edição do Gilmarpalooza.

Talvez, até já tenha caído no absoluto esquecimento o arranca-rabo com Gilmar a dizer ter Barroso solto corrupto, numa alusão a José Dirceu. E com o ministro Barroso a responder, com correção e a afastar insinuação, ter aplicado apenas o indulto de Dilma.

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Wálter Fanganiello Maierovitch
Professor, presidente do Instituto Giovanni Falcone de Ciências Crimanais, desembargador de carreira aposentado do Tribunal de Justiça de São Paulo, cavaliere dela Repubblica italiana. Foto: Werther Santana/Estadão
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