Em recente artigo publicado pela revista francesa BeauxArts, Malika Bauwens lança uma indagação: “Les enfants seraient-ils enfin les bienvenus dans les musées et lieux culturels?”, ou, em livre tradução, Serão as crianças finalmente bem-vindas em museus e locais culturais?
É uma pergunta muito pertinente. Muitos de nós têm lembranças de infância quando visitas aos museus eram situações aflitivas: “não toque, não passe a linha, fale baixo!” Ou, por outra, não têm lembrança alguma de explorar um espaço de exposição quando criança. Os museus da nossa época eram inibitórios para o comportamento normal infantil, sua curiosidade e atividade física. Mas será que hoje em dia esta situação mudou?
Numa análise da realidade francesa, a matéria de Bauwens detecta uma crescente oferta cultural para crianças em exposições destinadas especificamente a elas. São espaços infantis em instituições culturais, jornadas recreativas e educativas, festivais, dentre outras oportunidades de educação cultural e patrimonial. A autora observa que o aumento de propostas culturais museológicas para as crianças, na França, foi especialmente notado depois da pandemia Covid-2019. Naquele país, inclusive, existe uma associação chamada Môm’Art La famille au musée, que premia museus considerados alegres e receptivos às famílias com crianças.
Mas, por óbvio, nosso desafio aqui não é falarmos sobre as triunfantes iniciativas francesas! É, sim, refletir sobre as crianças brasileiras nos museus. A quarta edição da pesquisa da Fundação Itaú e do Datafolha a respeito dos hábitos culturais dos brasileiros, publicada em 2023, faz uma varredura do interesse da população em produtos culturais variados.
Constatou-se que 53% do público brasileiro entrevistado jamais foi a um museu, e que 64% jamais participou de uma visita guiada em um museu. É um número relevante! E, dentre o universo de entrevistados, 23% têm filhos menores de 18 anos, sendo que deles, apenas 3% vão com seus filhos aos museus.
Numa busca simples na rede mundial de computadores, percebemos que os estudos sobre crianças e museus no Brasil são raríssimos, quase sempre conduzidos por profissionais da Arte-Educação no âmbito acadêmico, sem apoio do poder público e sem interesse das políticas públicas de cultura, o que é pior.
Notamos que a maioria das exposições que deliberadamente acolhem os pequenos são as de conteúdo científico: temas como a física, mundo marinho, telecomunicações, aviões, astronomia, dinossauros, são a tônica. E mesmo quando o conteúdo é artístico, o enfoque dado é prioritariamente sensorial, como nas exposições imersivas, tão em voga atualmente.
Não existem muitas iniciativas museológicas de conteúdo cultural e artístico dedicadas às crianças no Brasil, infelizmente, o que não contribui para a criação de público, repertório, cidadania e reflexão. Mas há iniciativas de valor que merecem ser citadas!
Camilla Hoshino, em artigo denominado “Arte além da didática: será que museu é lugar para criança?” conclama os museus a se tornarem ambientes mais acolhedores e encantadores para crianças. E menciona uma linda experiência havida em 2017 no Rio Grande do Sul, onde o Museu da Universidade Federal do Rio Grande do Sul juntamente a uma escola infantil particular, onde as crianças de quatro a seis anos foram levadas a se tornar curadoras de exposições, ou seja, a pensar no conteúdo exposto, dispor obras por elas criadas em circuitos de visitação e a assumir a posição de protagonistas do processo museológico.
Na mesma esteira de atuação, o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba, Paraná, oferece o MON Primeiros Passos, que proporciona às crianças um contato sensível com a arte e o espaço do Museu. Atualmente o programa está recebendo crianças de um a dois para explorar de modo vocacionado as obras da artista Joana Vasconcelos na exposição Extravagâncias. A instituição ainda oferece a proposta “Uma noite no MON”, que recebe crianças de 7 a 10 anos no período noturno no espaço para exploração de um roteiro temático e convidativo ligado às exposições em cartaz no Museu.
A Pinacoteca de São Paulo, nos segundos domingos de cada mês, oferece o PinaFamília, com atividades para crianças desde o ano de 2014, visitas guiadas, atividades criativas com educadoras, espaços lúdicos e interativos e distribuição de jogos relacionados às exposições em cartaz. Dado o tempo que já está em ação, e o período em que adaptou às contingências sanitárias na pandemia, vemos que o programa PinaFamília alcança êxito e pode e deve servir de referência.
Existem outros bons exemplos de inserção da infância nos museus Brasil afora, sem dúvida. Mas no universo populacional brasileiro ainda há muito que ser feito para oportunizar o exercício da fruição cultural a todos, inclusive para os brasileirinhos e brasileirinhas, em todos os municípios e locais do país.
O Estatuto da Criança e do Adolescente há quase trinta e cinco anos já consagrou o direito da criança à cultura, em seu artigo quarto: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Não nos basta saber, é necessário instrumentalizar e praticar, porque lugar de criança também é no museu!
Referências:
BAUWENS, Malika. Les enfants seraient-ils enfin les bienvenus dans les musées et lieux culturels? BeauxArts Magazine. Acessada em 28.03.2024 em https://www.beauxarts.com/grand-format/les-enfants-seraient-ils-enfin-les-bienvenus-dans-les-musees-et-lieux-culturels/
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente. Lei 8069 de 13 de julho de 1990. Acessada em 03.04.2024 em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm
HOSHINO, Camilla. Arte além da didática: será que museu é lugar para criança? Lunetas. Acessada em 01.04.2024 em https://lunetas.com.br/museu-para-crianca/
MÔM’ART La famille au musée. Association Môm’Art. Acessada em 29.03.2024 em https://mom-art.org/
MON Primeiros Passos – O brilho das flores. Museu Oscar Niemeyer. Acessada em 29.03.2024 em https://museuoscarniemeyer.byinti.com/#/event/mon-primeiros-passos-o-brilho-das-flores
PESQUISA “Hábitos culturais”aponta aumento no consumo de cultura. Fundação Itaú. Acessada em 04.04.2024 em https://www.fundacaoitau.org.br/noticias/noticias/pesquisa-habitos-culturais-aponta-aumento-realizacao-de-atividades
PINAFAMÍLIA. Pinacoteca do Estado de São Paulo. Acessada em 26.03.2024 em https://museuoscarniemeyer.byinti.com/#/event/mon-primeiros-passos-o-brilho-das-flores
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