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Opinião|Direitos do indivíduo perante a investigação corporativa

Os investigadores particulares têm deveres jurídicos claros quanto ao que, como, quando, em face de quem e por quais motivos efetuam procedimentos internos de apuração em empresas. É preciso pôr na jurisdição uma luz que ilumine melhor o resultado dessa prestação de serviços especializada, tão importante para a sociedade e para economia

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convidado
Por Antonio Sergio Altieri de Moraes Pitombo

Sempre há alguém candidato a reinventar a roda, quando se trata de matéria jurídica. A desculpa usual se mostra a novidade do assunto, a especificidade, ou a necessidade de eficiência. Admirável mundo novo, conhecido de poucos, obrigaria a adoção de pretenso novo modo de pensar aquela questão jurídica contemporânea.

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Objeto de acirrada disputa no mercado, entre escritórios de advocacia, auditorias e empresas especializadas, encontram-se os serviços de investigação de fatos e de responsabilidade no âmbito das empresas. Deveres regulatórios, imposições de governança e medo de tomar decisões por parte da administração das pessoas jurídicas são algumas causas para o incremento da demanda.

Os problemas dessa atividade começam pela ausência de base legal. Não se apresenta o Provimento 188/18, do Conselho Federal da OAB, suficiente para regular a atuação, nem no plano formal, nem material. A Constituição da República, ao assentar a proibição de provas obtidas por meio ilícitos, permite afirmar que estas só podem ser alcançadas conforme a lei. Logo, a depender de que prova e de qual direito individual em jogo, mostra-se duvidosa a validade da prova colhida pelas denominadas investigações privadas.

Mas, as dificuldades se incrementam quando tais serviços particulares de inquirição se voltam a embasar pedido de requerimento de instauração de inquérito policial, ou de procedimento de investigação criminal (art. 157, do CPP).

Veja-se, por exemplo, a contar de imitações de ditas práticas norte-americanas, o uso de entrevistas para a pesquisa do quadro fático que nem sequer identificam os entrevistados. Nos relatórios, leem-se as conclusões dos investigadores sobre as conversas com pessoas, protegidas por anonimato e indicadas por siglas, ou letras. Não é necessário esforço interpretativo para dizer quão inúteis se mostram tais informes, dada a previsão expressa da lei maior (art. 5º, IV, da CR).

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Também, as entrevistas de colaboradores das empresas dependem de todo cuidado, pois, nem mesmo se pode obrigar alguém a delas participar (art. 5º, II e LXIII, da CR c.c. art. 8º, §2º, alínea g, do Pacto de San José da Costa Rica).

E, mesmo diante da concordância com a inquirição, recomendam-se a plenitude de informações quanto aos direitos do colaborador (dentre os quais, de ter consigo um advogado) e a elaboração de documento fiel a cada etapa do procedimento de entrevista.

No curso dessas investigações, a forma como tratado o indivíduo pode denotar coação que invalida o apurado, o que pode vir a trazer a imposição de condenação por dano moral, inclusive. Assim, setores de compliance que agem sob a influência de filmes e seriados, com desprezo a direitos universais e a regras legais basilares, tendem a criar mais contingências do que a produzirem bons trabalhos de apuração interna.

Em especial, a coleta de computadores e celulares - ainda que de propriedade da empresa empregadora - exige a atenção às previsões inerentes à cadeia de custódia (art. 158-A, do CPP), pois, pela característica de ser providência irrepetível, pode se tornar prova nula e sem outro meio isento de obtenção.

Não existe margem à dúvida de que os documentos, produzidos por mencionadas investigações corporativas, não podem conter mentiras, nem omitir acontecimentos, ou circunstâncias, sob risco de responsabilidade penal (art. 299, do CP). Também, a causação de investigação administrativa, ou criminal, v.g., mediante relatório de perquirição privada que conclui fato inverídico, ou imputa culpa a quem sabe inocente, pode configurar - se evidenciado o dolo - o crime de denunciação caluniosa (art. 339, do CP).

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Em suma, todas as experiências quanto às nulidades no processo penal importam a quem se arvora a realizar, no mundo empresarial, atos similares aos que praticam a polícia judiciária. Ao fim, as conjecturas de que normas, ou fins próprios do direito privado afastariam determinadas regras inerentes à persecução penal acabam por se esvaziar quando: ocorrem violações à dignidade da pessoa humana, à plenitude da defesa ou a devido processo legal; ilícitos acabam sendo perpetrados por investigadores particulares; ou o fim da perquirição corporativa se exibe ilegal.

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Os investigadores particulares têm deveres jurídicos claros quanto ao que, como, quando, em face de quem e por quais motivos efetuam procedimentos internos de apuração em empresas. É preciso pôr na jurisdição uma luz que ilumine melhor o resultado dessa prestação de serviços especializada, tão importante para a sociedade e para economia.

A permissão, dada pelo Estado ao particular de investigar o particular, submete-se à regra da legalidade e mantém relevantes os direitos fundamentais. O provérbio “Tout nouveau, tout beau” (“Tudo que é novo agrada”) não se configura, portanto, uma regula para os juristas.

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Antonio Sergio Altieri de Moraes Pitombo
Advogado, mestre e doutor em Direito Penal pela USP, pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra. Advoga no escritório Moraes Pitombo Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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