Em meio às investigações sobre a infiltração de uma quadrilha ligada ao PCC em prefeituras e câmaras municipais do interior e da Grande São Paulo para assumir contratos de limpeza e serviços que superam R$ 200 milhões, o Ministério Público observou que a influência da facção pode ter alcançado até um pregão do Metrô no valor de R$ 14,1 milhões.
O Metrô informou que, na ocasião, a empresa vencedora do certame apresentou todas as garantias e documentos exigidos no edital e que o contrato citado foi encerrado no ano passado.
A pista surgiu a partir do rastreamento de conversas armazenadas no celular do pagodeiro Vagner Borges Dias, o ‘Latrell Brito’, apontado como o ‘cabeça’ do esquema do PCC em órgãos públicos. Ele não foi localizado quando a Munditia foi aberta e esta foragido da Justiça.
Os diálogos foram recuperados pelos promotores da Operação Muditia, força-tarefa do Ministério Público que nesta quinta, 25, denunciou à Justiça quatro vereadores e três servidores públicos por organização criminosa ao supostamente se aliarem e abrirem caminho para infiltrados da facção em prefeituras e câmaras.
Os promotores apontam que ‘irmãos’ da facção cobraram energicamente o pagodeiro do PCC, inclusive com ameaças, por uma ‘beirada’ no certame de R$ 14 milhões do Metrô que a empresa dele, Vagner Borges Dias ME, venceu em 2020.
A resolução do conflito só veio quando ele foi levado ao tribunal do crime do PCC, colegiado de bandidos que resolvem pendências internas da facção por meio das ‘ideias’. Muitas vezes, porém, a solução de refregas ‘interna corporis’ é feita à bala.
“A atuação do PCC sobre a briga interna de seus membros na intervenção do contrato do Metrô de São Paulo é assombrosa demonstração de poder do ‘Partido’ e da periculosidade dos agentes”, assinala a Promotoria.
O capítulo Metrô remonta a 2020. Na época, um homem identificado como Denis repassa ao pagodeiro áudio de um terceiro, ‘Telé’. Nessa gravação, ‘Telé’ faz uma cobrança incisiva e ameaçadora. Alega que apresentou a empresa do pagodeiro para pegar o contrato milionário da companhia do Metropolitano e que ‘Latrell Brito’ estaria ‘negando sua parcela do acerto’.
Segundo Telé, ‘o contrato do Metrô foi obtido graças à intervenção do ‘irmão’ que deveria “pegar uma beirada lá, conforme combinado”'.
À época dessa conversa, o pagodeiro do PCC mantinha contrato com o Metrô de São Paulo, segundo o Ministério Público. A empresa de ‘Latrell Brito’ foi vencedora de um pregão que tinha como objeto a prestação de serviços de limpeza, asseio e conservação nos edifícios administrativos, pátios, oficinas, canteiros e demais áreas do Metrô. O painel do governo do Estado mostra que a companhia do pagodeiro ganhou o certame com uma proposta de R$ 14,1 milhões.
O MP destaca que, das empresas que deram lances no pregão, uma se desconectou em pleno procedimento, restando apenas a de ‘Latrell’ e uma outra, posteriormente declarada inabilitada.
A suposta fraude no certame, no entanto, na avaliação da Promotoria, é ‘dinâmica criminosa que reporta à participação dos denunciados no PCC’.
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No diálogo com o tal Denis, o pagodeiro negou a existência de intermediação do contrato. Ele mencionou até um problema de pagamentos do fluxo do contrato. “Mas, os ‘irmãos’ seguiram na cobrança da ‘caminhada’, com até mesmo ameaças”, segue o MP.
Segundo a Promotoria, o pagodeiro ficou irritado com o ‘apavoro’, mas disse que ia sentar com uma pessoa chamada Antônio e ‘fazer os cálculos’ para ver se tinha algo a repassar a quem o cobrava.
Ainda de acordo com a investigação sobre o avanço do PCC em órgãos públicos, a cobrança dos ‘irmãos’ do PCC teve outras passagens. Denis reclamou com o pagodeiro. “Não aguento mais, mano, já mandei vim me mata, se acontece algo comigo você já sabe quem foi. É os cara do Metrô. Que fala que irmão ta vindo atrás. Não aguento mais esses caras e já mandei vir me matar”, escreveu Denis a ‘Latrell Brito’, em fevereiro de 2021.
O MP anota que, por se tratar de uma ‘contenda entre membros da facção’, o pagodeiro ‘foi para as “ideias” com os ‘irmãos’. As mensagens resgatadas de seu celular reportam o funcionamento do tribunal do crime e a interlocução entre ‘Latrell’, seus sócios Márcio e Júnior, e um tal ‘Leleu’, para a solução do impasse.
Em maio de 2022, o pagodeiro disse a Júnior. “Tem um cara do Metrô que falou que me ajudou a entrar, tá querendo comissão”. Diz que iria para ‘as ideias no domingo, na Saúde’. Júnior perguntou se o sócio queria que ele fosse junto. ‘Latrell’ respondeu que ‘Leleu’, seu amigo, iria com ele ‘até o final’.
O MP interceptou também a conversa, naquele domingo citado por ‘Latrell’, em que ele combina com Márcio de irem juntos nas ‘ideias’. Pouco antes do encontro, Antônio encaminhou para o pagodeiro a ata do contrato do Metrô com sua empresa. Antônio ligou, depois, para o pagodeiro, dizendo estar ‘preocupado’ com ele.
Em agosto daquele ano, Denis agradeceu ‘Latrell’, diz o MP, fazendo ‘menção explícita ao desenrolar do tribunal do crime, que se repetiu, desta vez em sua presença e elogiou o amigo’. “Negão, vou fala seu conceito foi foda hoje.”'Latrell’ devolveu um áudio: “Como é que eu vou contestar o comando, se eu sempre fui comando? E outra, eu estava com os dois do 14, aqueles dois que estavam comigo é 14, mano, os caras fecham em cima.”
O ‘quadro dos 14′, segundo o Ministério Público, é vinculado à ‘Sintonia Final de Rua’ do PCC.
Com base nesse contexto, os promotores argumentam como Vagner Borges Dias, o ‘Latrell’, e seus sócios, integram o PCC, definida pelo Ministério Público como uma ‘facção criminosa armada e que coopta agentes públicos para manutenção do monopólio da violência paraestatal no país, inclusive com relevante e assombrosa intermediação de contratos públicos como forma de obtenção de dinheiro’.
”As lideranças das empresas, portanto, relegam ao PCC a administração e gestão das divergências em contratos de grande vulto com a Administração Pública. Como se nota das mensagens extraídas da prova irrepetível, a facção criminosa pauta e (ilegalmente) intervém em diversos contratos com o Estado, prefeituras e câmaras, o que impõe o reconhecimento da causa de aumento da conexão de facções”, argumentam os promotores.
Os detalhes desse imbróglio cercado de tensão envolvendo negócios milionários de interesse do PCC constam da denúncia contra os quatro vereadores e três servidores que estão sob suspeita de integrarem quadrilha com ‘íntima conexão’ com o PCC.
Os promotores indicam que o núcleo de liderança da organização criminosa ‘promove e integra a facção’. Eles destacam que decidiram abordar a ligação da quadrilha com a facção, na denúncia contra os vereadores, para ‘reforçar a gravidade e periculosidade’ dos denunciados.
Segundo a acusação formal levada à Justiça nesta quinta, 25,, os vereadores e os servidores formam um núcleo que concorre ‘para muito mais que o direcionamento de licitações’. “Colaboram para a captura de contratos públicos pelo PCC.”Segundo os promotores, os líderes do grupo resolvem questões, por exemplo, por meio de ‘ideias’, que caracterizam os julgamentos do PCC. Essa indicação parte da análise de mensagens interceptadas pelos agentes após a quebra de sigilo telemático do ‘cabeça’ do grupo investigado, Vagner Borges Dias, o ‘Latrell Brito’.
Para o MP, as mensagens mostram que os investigados mostram que a cúpula da quadrilha ‘efetivamente integra’ a facção e ‘valem-se dela no cotidiano também nos contratos com a Administração Pública’.
COM A PALAVRA, O METRÔ
“A Companhia do Metropolitano informa que o referido contrato foi encerrado no ano passado. A licitação para a contratação dos serviços de limpeza foi aberta em 2019, nos termos da Lei 13.303/16. Na ocasião, a empresa vencedora do certame apresentou todas as garantias e documentos exigidos no edital. A Companhia não foi notificada no âmbito judiciário ou do Ministério Público acerca de eventual impedimento de sua contratação.”
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