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Opinião | E agora? Hora de fazer um novo pacto contra a violência às mulheres e pela equidade racial

Dados do CNJ indicam que o perfil das vítimas de assédio sexual e moral no Brasil é predominantemente composto por mulheres (mais de 80% dos casos), e, em muitos casos, essas mulheres são negras ou pertencem a outras minorias étnicas. A vergonha, o medo de ser descredibilizada, impede que muitas denunciem. Quem irá acreditar?

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Por Jandaraci Ferreira de Araújo

De antemão aviso nesse artigo não teremos condenações e nem isenção. Por aqui teremos proposição, apoio e solidariedade a todas as vítimas de assédio sexual e moral. A conversa será um convite a reflexão e um convite a restabelecer um novo pacto em busca de ambientes de trabalho livres de assédio e discriminação. Os últimos dias foram intensos a partir das denúncias de assédio sexual no mais alto escalão do setor público. Infelizmente não é um assunto raro ou uma exceção. Esses episódios, mais do que casos isolados, ilustram um fenômeno recorrente de assédio moral e sexual que se intersecciona com questões de raça, gênero e poder no Brasil.

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Denúncias de assédio sexual podem ter um impacto devastador nas agendas de direitos humanos e igualdade racial. Quando figuras públicas envolvidas na defesa dessas causas são acusadas de práticas contrárias a seus princípios, a credibilidade de seus esforços pode ser minada. Isso pode enfraquecer a confiança da sociedade civil, dos movimentos sociais e das vítimas que contam com essas lideranças para a promoção de justiça e equidade.

No cenário internacional, qualquer alegação desse tipo contra líderes de direitos humanos tem potencial de enfraquecer o papel do Brasil em fóruns globais, como a ONU e outros organismos internacionais, afetando sua capacidade de se posicionar como uma nação comprometida com o combate às desigualdades de gênero e raça

É importante ressaltar que os movimentos antirracistas não podem retroceder em decorrência do erro ou possível erro de um indivíduo seja ele quem for. A luta por equidade de gênero e pelos direitos humanos não deve ser reduzida a nenhum personagem do passado ou da atualidade.

O setor público, por sua natureza, exige elevados padrões éticos de seus servidores, uma vez que suas ações impactam diretamente a confiança da população nas instituições. O assédio, quando ocorre no serviço público, não só afeta as vítimas individualmente, mas também prejudica a imagem das instituições, minando a integridade do sistema como um todo. A promoção de uma cultura organizacional que valorize o respeito, a ética e a integridade é essencial para combater o assédio.

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No Brasil, o combate ao assédio no setor público é reforçado por diversos mecanismos legais, como a Lei 14.457/22, que também se aplica ao serviço público, e pela atuação de órgãos como a Controladoria-Geral da União (CGU), que atua na fiscalização e implementação de políticas de integridade. Esses mecanismos são fundamentais para garantir que as práticas abusivas sejam investigadas e punidas de forma adequada

De acordo com a pesquisa realizada pelo Think Eva (2022), 47,12% das mulheres entrevistadas relataram ter sido vítimas de assédio sexual no ambiente de trabalho. Entre elas, a maioria são mulheres negras (52%) e aquelas que recebem entre dois e seis salários mínimos (49%). Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), as denúncias de assédio sexual e moral têm aumentado significativamente no Brasil nos últimos anos. Um levantamento recente revelou que entre 2019 e 2023 houve um aumento de mais de 50% no número de queixas relacionadas a esses tipos de violência no ambiente de trabalho, tanto no setor público quanto no privado.

Os dados do CNJ indicam que o perfil das vítimas de assédio sexual e moral no Brasil é predominantemente composto por mulheres (mais de 80% dos casos), e, em muitos casos, essas mulheres são negras ou pertencem a outras minorias étnicas. Apesar das vítimas geralmente ocuparem cargos hierárquicos mais baixos, mulheres em posição de alta liderança também são vítimas de assédio sexual e moral. A vergonha, o medo de ser descredibilizada impede que muitas denunciem. Como provar? Quem irá acreditar?

A luta contra o assédio sexual no ambiente de trabalho e pela promoção da igualdade racial exige um esforço coletivo e contínuo. O impacto de denúncias envolvendo líderes em áreas sensíveis, como direitos humanos e igualdade racial, pode ser devastador para a credibilidade das agendas, o que torna essencial que os casos sejam tratados com seriedade, transparência e justiça.

Além disso, é crucial que se estabeleçam novos pactos para enfrentar a violência no ambiente de trabalho e promover a igualdade racial de maneira assertiva. Apenas com políticas fortes, compromisso institucional e mobilização social será possível construir ambientes mais inclusivos, justos e livres de violência e discriminação. É fundamental um Pacto Nacional de Combate ao Assédio, onde o Governo e a sociedade civil envolvam diferentes esferas – pública, privada e do terceiro setor – com o objetivo de combater a violência contra as mulheres e promover a igualdade racial. Esse pacto pode incluir compromissos institucionais, além da criação de comissões independentes para monitorar o cumprimento de políticas antiassédio.

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Essa abordagem holística ajudará a criar uma sociedade onde os direitos de todas as pessoas sejam respeitados, e onde a igualdade racial e de gênero sejam efetivamente promovidas.

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Casos de assédio envolvendo figuras de destaque em áreas como direitos humanos e igualdade racial podem desacelerar a implementação de políticas fundamentais e desviar o foco das discussões urgentes. Além disso, podem dar munição a opositores das pautas progressistas, que usam esses episódios como justificativa para questionar ou deslegitimar as ações de luta por igualdade.

Em termos de políticas públicas, o combate ao assédio sexual e moral é um tema que tem ganhado força, especialmente em virtude dos casos que envolvem figuras públicas. A criação de leis mais rigorosas, como a Lei nº 13.718/2018, que tipifica o crime de importunação sexual, e as políticas de igualdade de gênero e raça no setor público são avanços importantes. No entanto, ainda há um longo caminho a ser percorrido para garantir a implementação efetiva dessas normas e a construção de uma cultura organizacional baseada no respeito e na equidade.

Somente através de um esforço conjunto, que inclua o Estado, a sociedade civil e o setor privado, será possível construir ambientes de trabalho onde o respeito, a dignidade e a equidade prevaleçam sobre o abuso de poder e a violência. A luta contra o assédio sexual e moral é, antes de tudo, uma luta por justiça e direitos humanos. E agora? Seguiremos em frente lutando por mais equidade de gênero e raça, afinal a “guerra” está longe de ser vencida.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Jandaraci Ferreira de Araújo
Executiva do mercado financeiro e conselheira de administração independente. Foto: Inac/Divulgação
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