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Opinião|Elon Musk e o imperialismo jurídico

É lugar comum dizer que as plataformas e as redes sociais constituem hoje a nova “praça pública”, o lugar onde o debate e a troca coletivos acontecem. Aceita-se com facilidade também a ideia de que a regulação desse espaço, a sua higidez e salubridade, nos interessam a todos. Mas é inescapável a sensação de que o poder de controlar nos escapa totalmente

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convidado
Por Salem Nasser

As normas que regulam nossas vidas são muitas. Algumas são jurídicas, obrigatórias. Outras, ainda que não obrigatórias, podem ser muito eficazes. Nos tempos em que vivemos, e já há quase dois séculos, pensa-se que só o Estado pode criar normas obrigatórias, ou seja, o Direito.

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Todos nós, estudantes do Direito ou leigos, temos em mente, sobretudo, as normas criadas pelo Estado quando pensamos no que condiciona nosso comportamento. A verdade, no entanto, é que, para regular a vida, o Direito de cada Estado se relaciona com aqueles dos demais Estados, se relaciona com o Direito Internacional e se relaciona com normas, não obrigatórias, produzidas por todo tipo de ator social.

As relações entre as normas são também relações de poder. Chamo de “Imperialismo Jurídico” as instâncias em que o poder de um ator sobre outro se manifesta pelo Direito ou por outras normas e também aquelas em que as normas, sua criação e sua transformação, ocorrem em consequência do exercício do poder.

Exemplos básicos ajudam na compreensão da ideia. A aplicação extraterritorial das leis norte-americanas e o exercício da jurisdição extraterritorial pelos tribunais dos Estados Unidos são exemplos do exercício do poder de um Estado sobre os demais através do Direito. A imposição de modelos legislativos e institucionais aos Estados em desenvolvimento pelos Estados desenvolvidos é um exemplo da transformação do Direito pela via do poder.

Muito provavelmente, o fenômeno do imperialismo jurídico é tão antigo na experiência humana quanto aquele do imperialismo entendido em sua acepção mais genérica: a vontade e a ação de dominação. Os exemplos históricos são muitos e, quando estudados, referem sobretudo as relações entre Estados ou, antes dele, entre sociedades politicamente organizadas.

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Interessa-me especialmente o imperialismo jurídico, ou talvez devesse dizer “normativo” neste caso, operado pelos particulares, especialmente por grandes empresas.

Hoje estamos todos cientes de que entes privados, isoladamente ou organizados em torno de interesses, podem brandir muito mais poder do que muitos Estados. Sabemos também que a regulação privada, ou seja, as normas e as instituições criadas por esses entes regulam aspectos da vida coletiva, muitas vezes em escala global, que dizem respeito a todos nós, indivíduos, Estados, sociedades, que não tivemos a oportunidade de opinar sobre as regras e seus efeitos para nós. Isso é verdade para áreas da vida como alimentação, agricultura, meio ambiente... e comunicação.

É lugar comum dizer que as plataformas e as redes sociais constituem hoje a nova “praça pública”, o lugar onde o debate e a troca coletivos acontecem. Aceita-se com facilidade também a ideia de que a regulação desse espaço, a sua higidez e salubridade, nos interessam a todos. Mas é inescapável a sensação de que o poder de controlar nos escapa totalmente, a nós e aos Estados.

Aqui, o déficit de poder que nos acomete tem duas camadas, ao menos: por um lado, não temos acesso à regulação produzida e implementada pelas empresas e, por outro lado, não podemos compreender como a tecnologia, o funcionamento das máquinas, os algoritmos, gerenciam a nossa comunicação, a nossa voz, a nossa opinião, a nossa compreensão e até mesmo nossas ideias.

Esta é a ponta que mais me interessa no embate que estamos testemunhando, entre Elon Musk e suas empresas, de um lado, e a Justiça brasileira em sua mais alta instância, de outro.

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Não tomo partido no detalhe. Alguém pode não ter preferência entre Alexandre de Moraes e Elon Musk, mas é preciso perguntar se com o primeiro se dispensa também o Estado brasileiro e suas instituições.

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Salem Nasser
Professor de Direito Internacional da FGV Direito-SP e sócio do Nasser Advogados. Foto: Arquivo pessoal
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