Tive a sensação de que havia considerável número de docentes sofrendo, quando respondi pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. Descobri a existência de um sem número de síndromes, de casos de depressão, de estresse, de tentativas de suicídio. Um desalento generalizado, até certo ponto compreensível.
A remuneração dos professores está longe de satisfazer as necessidades de alguém que deveria se situar na classe média. Pior ainda, aqueles da famigerada categoria “O”, que suprem as carências do quadro efetivo, são obrigados a se dividir para dar aulas em lugares diferentes, numa locomoção bem difícil numa cidade com a dimensão e complexidade da capital.
Para culminar, o declínio dos valores, a falência da educação de berço, a omissão da primeira mestra, a mãe, responsável pelo currículo oculto que ensina as palavras mágicas – por favor, muito obrigado, com licença, perdão, etc – convertem o espaço de trabalho docente num ambiente hostil. Quando deveria ser o contrário: o acolhimento afetivo, o clima generoso, fértil para um efetivo aprendizado.
O constituinte de 1988 cuidou bem da educação no pacto fundante. Educação é direito de todos, mas dever do Estado, da família e da sociedade. Ninguém está excluído da obrigação de educar. Mas educação de qualidade é coisa muito séria para se entregar, com exclusividade, ao governo. É essencial a participação da família e de toda a sociedade. Esta é que vai sofrer as consequências de uma escola deficiente.
É urgente revalorizar a carreira de professor. Não só em relação à remuneração, mas em termos de respeito e carinho. É mais disso que os professores necessitam. E levar a sério a revisão da metodologia de ensino. É insuficiente a transmissão de informações numa era em que estas são obtidas mediante um clique, imediatamente, atualizadas, coloridas, musicais, sedutoras.
A educação brasileira não conseguiu assimilar a necessidade de cuidar das habilidades socioemocionais, muito mais importantes do que insistir na memorização de dados. Em recente entrevista, a psicopedagoga Alcione Marques afirma que a saúde mental de grande parte dos professores não anda bem. O que mais os afeta? “Falta de apoio e reconhecimento, formação inadequada, pouca autonomia, baixos salários e pouco tempo para planejar e analisar os estudantes”.
A sociedade parece não se interessar pela vida da escola. Predomina, em relação à rede pública, o empenho em obter condução que leve o aluno de sua casa à porta do colégio e que dentro dele, o estudante possa consumir alimentação manipulada. Quando eventual ruptura do contrato com as empresas fornecedoras de alimentos obrigue a Secretaria a oferecer a “merenda seca”, os protestos chegam à mídia espontânea e à tv panfletária. Embora o custo da “merenda seca” seja superior ao da comida preparada pelas cozinheiras. Projetos como o “cozinheiras da educação”, sob o comando da chef Janaína Rueda, não tiveram continuidade. Pois a administração estatal prima por interromper iniciativas que deram certo, para reinventar a roda a cada gestão.
Não é incomum ocorram maus-tratos de alunado em relação ao professor, invertendo a lógica existente há algumas décadas, quando ele era alvo de consideração e merecia congratulações no dia do professor, no dia de seu aniversário ou afeição espontânea, sem a necessidade de datas especiais. Também se registram casos de reclamação dos pais dos alunos, que protegem os filhos, mesmo quando errados em relação ao trato com o docente ou demais funcionários da escola. Prevalece a tosca e pueril concepção de que o professor é empregado e que, pelo fato de a sociedade pagar impostos, o servidor público é um subordinado da população a que serve.
Os cuidados para manter a saúde mental são muitos e nem sempre é possível leva-los a cabo. Dentre eles, buscar ajuda psicológica, manter uma rotina de autocuidado, exercitar-se em aprendizado contínuo, desenvolver as competências socioemocionais, reconectar-se com os propósitos que o levaram a ser professor, ser atuante na escola e ter regras na sala de aula. A capacidade de comunicação com outra geração nem sempre é desenvolvida nos cursos de licenciatura. Principalmente quando esta outra geração é refém das redes sociais, território em que impera o impulso, o narcisismo, a fake News, o cancelamento, o bullying eletrônico e tantas outras práticas nefastas, o lado perverso das instigantes tecnologias da comunicação e da informação.
Ensinar não precisa ser ferramenta que faz adoecer a alma. Porém, o prestígio e a aura que cercava o professor de antanho já não existem mais. Foram para a arqueologia dos sentimentos, junto com outros valores em desuso no século XXI.
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