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‘É a tortura pós-moderna do Estado’, diz criminalista sobre delação de Mauro Cid

Criminalista Welington Arruda critica forma como ex-ajudante de ordens de Bolsonaro decidiu contar o que sabe; ‘mantém-se o acusado preso até que ele, ‘voluntariamente’, aceite colaborar

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Foto do author Pepita Ortega
Atualização:
O ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid deixa o Batalhão de Polícia do Exército na tarde deste sábado, 9.  Foto: WILTON JUNIOR/ESTADÃO

A delação do tenente-coronel Mauro Cid, homologada pelo ministro Alexandre de Moraes neste sábado, 9, pode vir a ser questionada em razão de ter sido negociada e fechada enquanto o ex-ajudante de ordens da Presidência da República estava preso preventivamente. Essa é a avaliação do criminalista Welington Arruda, que critica a detenção sem data para acabar com ‘viés de alcançar benefícios na investigação por meio da colaboração’.

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“É como se estivéssemos diante de uma espécie de tortura pós-moderna em que o Estado sabe que não pode utilizar critérios físicos então o faz por meio do cerceamento da liberdade e assim, se mantém o acusado preso até que ele “voluntariamente” aceite colaborar com as investigações. Isso não tem espaço em um Estado Democrático de Direito independentemente de quem seja o acusado”, afirmou ao Estadão.

No Twitter, o advogado havia ponderado que o ‘tempo do lavajatismo já passou e não se pode repetir essa abominação’. À reportagem, o advogado disse ver uma espécie de repetição de modos da extinta Operação Lava Jato, ‘guardadas as devidas proporções’. A polêmica Operação, que desmantelou esquema de corrupção e cartel na Petrobrás entre 2003 e 2014 (Governos Lula e Dilma), foi fuzilada nos tribunais por ter obtido a delação premiada de investigados que, como Mauro Cid, também estavam presos quando decidiram colaborar.

Mestre em Direito pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, Welington Arruda pondera que a defesa de algum investigado eventualmente implicado na delação de Cid pode questionar se o militar concordou voluntariamente com a colaboração, ‘haja vista que estava preso há quase meio ano’. “A prisão coloca em xeque esta voluntariedade, na medida em que o indivíduo preso tende a fazer qualquer coisa para ser solto, inclusive delatar”, indica.

Veja a seguir as principais ponderações do criminalista sobre a delação de Mauro Cid.

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ESTADÃO: Qual a avaliação do sr. sobre o contexto da delação fechada pelo tenente-coronel Mauro Cid, enquanto ele estava em prisão preventiva?

WELINGTON ARRUDA: É impensável que ainda hoje haja defensores de prisão preventiva com viés de alcançar benefícios na investigação por meio da Colaboração. Muito embora se argumente que a prisão preventiva tenha sido revogada em decorrência do fim dos critérios que a mantinha nos parece evidente que só ocorreu após o acusado ter aceitado realizar uma Colaboração Premiada. É como se estivéssemos diante de uma espécie de tortura pós-moderna em que o Estado sabe que não pode utilizar critérios físicos então o faz por meio do cerceamento da liberdade e assim, se mantém o acusado preso até que ele “voluntariamente” aceite colaborar com as investigações. Isso não tem espaço em um Estado Democrático de Direito independentemente de quem seja o acusado.

ESTADÃO: O sr. enxerga algum óbice?

WELINGTON ARRUDA: Legalmente não há óbice porque a legislação expressa a possibilidade e o STF já decidiu nesse sentido, mas é imperioso lembrarmos que por força do Art. 129, I, da Constituição Federal o Ministério Público é o titular da ação penal, o que significa dizer que a Polícia Investigativa precisa adotar critérios com os quais o MP esteja em consonância, haja vista que toda investigação o terá como objetivo final. Não nos parece razoável a PF adotar postura investigatória diversa daquilo que o Titular da Ação Penal espera. É ruim para a divisão de atribuições e competências Profissionais. É uma briga por espaço e poder que não beneficia ninguém e ainda relativiza o império da CF, que assegura ao MP essa titularidade.

ESTADÃO: Esse contexto pode resultar em alguma nulidade ao longo das investigações?

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WELINGTON ARRUDA: No contexto atual isso só ocorrerá se o Mauro não apresentar provas daquilo que indicar. O acordo de colaboração premiada tem que apresentar resultado. E como a Colaboração Premiada só pode existir se o acusado aceitá-la de forma voluntária. Alguém poderá questionar se ele concordou voluntariamente, haja vista que estava preso há quase meio ano, e a prisão coloca em xeque esta voluntariedade, na medida em que o indivíduo preso tende a fazer qualquer coisa para ser solto, inclusive delatar.

ESTADÃO: De quem pode partir esse questionamento?

WELINGTON ARRUDA: De eventuais acusados. Vamos imaginar que o Mauro Cid aponte o Bolsonaro como autor de algum fato criminoso. Em sua defesa o Ex-Presidente poderá alegar não ter havido voluntariedade no acordo. Não significa dizer que isso será aceito pelo STF, mas certamente poderá ser objeto de arguição.

ESTADÃO: A PGR foi contra o acordo e o procurador-geral Augusto Aras afirmou que o órgão não ‘aceita acordos conduzidos pela Polícia Federal’. Como o sr. vê essa discordância?

WELINGTON ARRUDA: É natural que a PGR aja dessa forma. É a busca pela consolidação do seu espaço como titular da ação penal, assegurada pela Carta Constitucional.

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ESTADÃO: Qual o impacto dessa discordância?

WELINGTON ARRUDA: Em tempos estranhos não nos parece ter impacto na esfera jurídica, reverberando apenas na esfera política e social, já que uma parcela da população usará essa argumentação para alegar perseguição do STF e alegar que a PF foi aparelhada.

ESTADÃO: Aras chegou a comparar o acordo de Mauro Cid com as delações do ex-ministro Antônio Palocci e do ex-governador Sérgio Cabral. Como o sr. enxerga esse paralelo?

WELINGTON ARRUDA: Como disse anteriormente, Mauro Cid terá que apresentar resultados. No caso Palocci e Sérgio Cabral as delações foram confrontadas porque nunca provaram aquilo que alegaram e aqui, caso a Colaboração não tenha eficácia, poderá ter o mesmo resultado.

ESTADÃO: O sr. vê uma espécie de repetição do modelo da lava jato, tão criticado inclusive pelo STF?

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WELINGTON ARRUDA: Guardadas as devidas proporções.

ESTADÃO: A delação foi fechada no bojo do inquérito das milícias digitais, podendo então impactar uma série de apurações conexas. O que isso significa?

WELINGTON ARRUDA: Significa que a PF tinha conhecimento de outros crimes para além daqueles em que a Colaboração foi firmada, mas não tinha prova suficiente da autoria e fez uso de um instrumento abjeto, que é a prisão preventiva, para tentar alcançar essas provas por meio da Colaboração.

ESTADÃO: Ainda não se sabe os termos do acordo, mas Mauro Cid poderia ser denunciado em uma apuração e não da outra, em razão do pacto?

WELINGTON ARRUDA: Se isso estiver previsto no acordo, sim. Os Acordos de Colaboração da época da Lava Jato nos mostraram que se o Estado quiser tudo é possível, a ver.

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Welington Arruda. Foto: Reprodução/Acer
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