Em meio ao rescaldo de duas megaoperações contra o PCC, o novo procurador-geral de Justiça de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, 63 anos, há 38 na carreira, defende a importância de ações de inteligência, científicas e estratégicas que revelem um Estado ‘mais organizado que o crime’. “É preciso não ter receio de dizer que é intolerável se aceitar que o crime organizado desafie o Estado. Nós somos o Estado. Estão desafiando a nós mesmos”, avalia Paulo Sérgio.
O procurador recebeu nesta quinta, 18, a reportagem do Estadão em seu gabinete, uma sala espaçosa e confortável no nono andar do antigo prédio da Rua Riachuelo, centro de São Paulo. Durante cerca de 40 minutos, Paulo Sérgio expôs seus planos para um Ministério Público forte e a tática que pretende adotar para sufocar o PCC e a escalada do crime sobre estruturas e hierarquias do Estado.
O PGJ apontou para o êxito das Operações Fim da Linha e Muditia - investigações dos promotores do Gaeco, braço do MP que combate crime organizado. Para ele, o resultado dessas missões espelha a ‘tamanha presença marcante do Estado’. “Sem constrangimento, paralisação da sociedade ou reação do crime.”
Paulo Sérgio frisa que ‘ninguém está propondo guerra’, mas ações de inteligência como as que municiaram as duas grandes jornadas contra o PCC e seus tentáculos infiltrados no transporte público da Capital paulista, prefeituras e câmaras de pelo menos 12 cidades do interior e da Grande São Paulo.
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O novo chefe do Ministério Público diz que vai sugerir, ainda este ano, a definição de uma ‘ação única’ da Procuradoria sobre a ‘condução do destino’ da instituição. Uma estratégia norte do MP, com proposta de atuação rigorosa no combate ao tráfico - diretriz que seria incorporada por todos os ramos da Promotoria, de forma transversal.
A segurança pública está no radar de Paulo Sérgio. Ele disse à reportagem do Estadão que já conversou sobre essa área sensível com o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), que o indicou ao cargo. Também planeja falar com o prefeito Ricardo Nunes (MDB). “Acho que é o momento de reunir todo mundo, e sem arroubos, pensar no que podemos fazer melhor para tirar essa sensação de desordem urbana”, propõe o procurador-geral.
Ao mesmo tempo em que enfatiza a necessidade de ações estratégicas para enfrentar o crime, ele avisa que vai ‘punir firmemente o excesso’. “A gente não tem tolerância com excesso, mas ninguém vai ouvir do procurador-geral de Justiça a desconfiança, de véspera, a respeito da atuação das forças de segurança, porque isto não ajuda em nada. Nós vamos ter firmeza, mas não nos cabe desmoralizar forças especiais. Não é esse o discurso melhor”, enfatiza, ao abordar a polêmica Operação Verão, que a tropa de choque da PM implantou no litoral paulista para sufocar o tráfico e o crime organizado que domina morros do Guarujá e de Santos. A ação foi provocada após a morte de dois militares. Os policiais deixaram pelo menos 50 mortes entre os civis.
“Ouça a sociedade no litoral para ver como as coisas estão funcionando. A realidade é muito triste. O crime tomou conta dos portos. As pessoas juntam aquela mala cheia de cocaína com super ímã, um navio vai para Holanda, chega lá vem um mergulhador e tira. Onde nós estamos? Isso já é um mercadinho deles. Eles estão indo para outro mercado agora, como nós vimos semana passada”, segue, em referência à descoberta de que aliados do PCC ocupavam gabinetes em administrações e legislativos municipais.
O novo PGJ defende uma aproximação entre o Ministério Público e as vítimas. Considera a ‘instituição como missão e o público final a sociedade’. Entende que a sociedade ‘precisa saber quem está do lado dela’.
“É o nosso dever estar cada vez mais próximo da vítima e dizer muito claramente que o MP tem lado. O nosso lado é o da vítima do crime, da vítima da violação do direito, o lado da sociedade. Isso não significa que estamos ignorando o réu, que nós derivamos a vela da nossa nave, para ser de uma maneira mais incisiva”, pondera.
Paulo Sérgio de Oliveira e Costa diz que é necessário usar ‘juridicamente as armas’ disponíveis para o MP. “As nossas armas são as leis, e dentro daquilo que existe nas leis, usar de maneira a possibilitar a consequência”.
O procurador aposta no duplo caráter das penas criminais - o punitivo e o pedagógico. “Vamos mostrar um pouco mais para a sociedade esse tipo de coisa. Mas ninguém está mudando ideologia, ninguém está saindo de direita para esquerda, esquerda para direita, centro, para cima para baixo. Eu sou pragmático”, diz.
Ele foi empossado no cargo na terça, 16, perante o Órgão Especial da PGJ. Anuncia investimento pesado em inteligência artificial, a exemplo do que fazem as Cortes superiores. Paulo Sérgio quer a Promotoria dotada de uma política tecnológica, que permita aos seus integrantes usarem o ChatGPT, o Copilot e outras ferramentas para facilitar o trabalho, inclusive na redação de manifestações, em especial as repetitivas.
Paulo Sérgio defende que os órgãos de administração superior do MP estabeleçam teses para orientar os promotores, especialmente em questões criminais (prisão após condenação do júri, tráfico de drogas, entre outros temas).
Na avaliação do procurador, a independência funcional dos promotores é ‘valiosa’, mas ‘não pode servir de âncora’ para aquilo que a instituição entende como ‘plano-geral, política de atuação’.
Leia a íntegra da entrevista com o novo procurador-geral de Justiça de São Paulo:
ESTADÃO: Que medidas o sr pretende adotar logo de pronto?
PAULO SÉRGIO DE OLIVEIRA E COSTA: Tenho minhas mudanças internas, de acordo com a campanha (à Procuradoria-Geral). Elas vão ser todas direcionadas para o que eu estou apresentando em termos de atuação finalística do Ministério Público. São mudanças que vão envolver um incremento de tecnologia, de estrutura de material, de ferramenta tecnológica de Inteligência Artificial. Hoje a gente vê que o Conselho Nacional de Justiça, o Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal estão usando muito Inteligência Artificial em algumas manifestações nas suas ações. O MP avançou muito em tecnologia, mas nós temos que avançar nesta parte. Além disso, estou tomando providências administrativas para que nós possamos estabelecer uma melhor e mais rápida comunicação da instituição, dos órgãos de administração superior, com os promotores e promotoras de Justiça, incrementando nas ações do dia a dia medidas de visão mais orgânica a respeito de temas nossos. Por exemplo, em temas criminais, incentivar mais o estabelecimento de enunciados e de teses a respeito de algumas questões jurídicas que são importantes para nós. No Tribunal do Júri aquilo que incomoda muito: o réu é condenado a 16 anos, 20, e sai pela porta da frente. Existem manifestações nesse sentido. No tráfico de entorpecentes, quantidade de droga, o que significa e o que não significa tráfico. Eu acho que é hora da gente estabelecer um consenso, que nunca é de 100%, mas sempre buscar aquilo que demonstre mais o que o Ministério Público apreende das demandas da sociedade para que nós possamos fazer com que em qualquer lugar do Estado os promotores, respeitada a independência funcional que todos têm, tenham uma possibilidade de adotar teses nossas. Eu vejo que qualquer um que se disponha a administrar tem que ter regras, procedimentos claros para que as pessoas entendam. Quando eu saí na disputa eleitoral tinha um programa claro que, na escolha do governador, foi o programa escolhido. Então é hora de a gente implementar questões como essa. Estamos tomando as providências também internas para que possamos possibilitar algo que eu quero muito que é a melhor comunicação do Ministério Público com a sociedade, especialmente naquilo que diz respeito à defesa da vítima do crime e da defesa da vítima da violação de direito. Hoje, nós estamos um pouquinho afastados da sociedade nesse ponto. Em vários Estados existe a Coordenação Nacional de Proteção às Vítimas, uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público que estabelece que temos de ampliar a cultura de informar as vítimas a respeito do andamento dos seus processos, não só o criminal como cível. Nós temos também que buscar facilitar para as vítimas os mecanismos de reparação pelo dano sofrido pelo crime ou pela violação de direito. Informar a vítima de que, na medida do possível, ela pode ser protagonista, inclusive ajudando e trazer informações que vão ser importantes para as investigações e para o processo. Existem várias outras situações, inclusive o encaminhamento, junto com redes de assistência social. E quando eu falo vítima ou família de vítima, alguns Estados usam no celular o mecanismo de disparo, como é o alerta de temporal. Meu nome é Paulo Sérgio, sou promotor de Justiça, ofereci denúncia no caso em que você foi vítima de roubo, o processo está na segunda vara criminal, segue a denúncia. Clicando aparece a denúncia. Ou se já foi dada a condenação, encaminha a sentença. Nosso dever é estar cada vez mais próximo da vítima e dizer muito claramente que o MP tem lado. O nosso lado é o lado da vítima do crime, é o lado da vítima da violação do direito, que é o lado da sociedade. Isso não significa que nós estamos ignorando o réu, que nós derivamos a vela da nossa nave para ser de uma maneira mais incisiva, de maneira nenhuma. Eu tenho uma personalidade muito tranquila, muito serena, mas como chefe da instituição temos que fazer aquilo que os promotores desejam também, que é a nossa essência. A gente tem que ser intransigente quando acontece violação criminal e de direitos sociais. Uma comunidade que está sequestrada pelo crime organizado, as pessoas de lá sofrem com isso, em termos de saneamento, de educação, de buscar os serviços do Estado. Também há uma preocupação muito grande na defesa das minorias, das questões de gênero, de raça, as que envolvem e segurança alimentar, a pessoa com deficiência. O MP não é só aquele que fica buscando, mas nessa parte, a gente tem que ser mais incisivo, mais enfático, usando juridicamente aquelas armas. As nossas armas são as leis, e dentro daquilo que existe nas leis, usar de maneira a possibilitar a consequência. Quando a gente fala de pena, a gente aprende no primeiro dia da faculdade, para que serve a pena criminal. Ela tem um duplo efeito: mostrar para quem praticou o fato que aquilo tem consequência, mostrar para o grupo que se praticar esse fato tem consequência, um caráter pedagógico. Vamos mostrar um pouco mais para a sociedade esse tipo de coisa. Mas ninguém está mudando ideologia, ninguém está saindo de direita para esquerda, esquerda para direita, centro, para cima para baixo. Eu sou pragmático. Se tem alguma coisa que podem dizer de mim é que de fato eu tenho uma sensibilidade muito grande de entender as demandas tanto internas quanto aquilo que a gente sente fora e sobre elas ser um facilitador. O chefe do Ministério Público não é o chefe de uma empresa, ele é o facilitador para que pessoas extremamente competentes, que estão na linha de frente, possam atuar da melhor maneira possível.
ESTADÃO: Como vê a situação da segurança pública?
PAULO SÉRGIO DE OLIVEIRA E COSTA: A sociedade está querendo entender hoje quem está do lado dela. Eu gosto muito de caminhar e adoro o Ibirapuera, mas hoje estão assaltando, levando sua aliança, seu celular. Será que a gente não tem que ter uma compreensão disso e procurar ter um pouquinho mais de atenção? Eu conversei isso com o governador, nós vamos receber o prefeito, acho que é momento de reunir todo mundo e, sem arroubo, entender o que nós podemos fazer melhor para tirar essa sensação de desordem urbana. É trágico o que está acontecendo para a economia. A nossa postura vai ser a de incentivar as ações de inteligência, científicas e estratégicas. E vamos punir firmemente o excesso. A gente não tem tolerância com excesso, mas ninguém vai ouvir do procurador-geral de Justiça a desconfiança, de véspera, a respeito da atuação das forças de segurança, porque isto não ajuda em nada. Nós vamos ter firmeza com relação a excessos, mas não nos cabe desmoralizar forças policiais. Não é esse o discurso melhor. Ouça a sociedade lá no litoral para ver como as coisas estão funcionando. A realidade é muito triste. O crime tomou conta. As pessoas juntam uma mala cheia de cocaína, com super ímã. O navio vai para Holanda, chega lá vem um mergulhador e tira. Isso é um mercadinho deles. Eles estão indo para outro mercado agora.Como nós vimos semana passada.
Os promotores do Gaeco, os promotores de Santos conversam muito com a com as forças policiais nessa operação. Além disso, o grupo de atuação especial da Segurança Pública está instaurando um procedimento de investigação criminal para cada morte. Aquilo não está sendo tratado num bolo, o que é uma medida muito importante, porque cada caso vai ter atenção específica, cada ser humano falecido, de um lado ou de outro, vai ter a tensão específica do Ministério Público. Essa orientação do Ministério Público. A orientação da polícia e já é com o secretário de segurança, mas eu posso dizer que há um diálogo muito franco, muito forte em relação a essas questões. Todo mundo como tem que ser. Há a orientação que é consequência dos cursos de formação, nossas forças de segurança são, a sua grande maioria, muito bem treinados. Se tem o sujeito que não corresponde a esse tipo de coisa, não é por falta de treinamento não. É questão de ter uma índole e vai responder diante das consequências. Então nós lamentamos todas as mortes, todas as operações são construídas para que se evite mortes, mas infelizmente, alguns lugares estão verdadeiramente sequestrados. E você vai fazer o resgate com a presença do Estado naquele local. Às vezes tem reação. A gente torce para não ter. E torce para que quando tiver seja enfrentada essa reação da melhor maneira possível.
ESTADÃO: Sobre a IA, há alguma área que esteja sob estudo? Auxiliar a escrita de manifestações ou organização de tarefas?
PAULO SÉRGIO: Seria para tudo isso. Eu vou criar uma unidade aqui que é a Subprocuradoria de Estratégia e Inovação. O MP tem que ter uma área vocacionada para pensar permanentemente em inovação. Inovação é você se antecipar aos problemas e você verificar onde existe, no mundo inteiro, no Brasil e no estado, quais são as melhores soluções que podem ser aproveitadas. Nós vamos ter também toda a política tecnológica que vai dizer qual a melhor maneira de se automatizar os nossos sistemas. Permitir que possamos, com o uso do chat GPT, do Copilot, e de diversas outras ferramentas de inteligência inserir nesse sistema e facilitar aquelas manifestações. Muitas delas são repetitivas. Vamos otimizar melhor nossos recursos. São muitos sistemas, muitos relatórios. Então, elas vão eleger aquele que é o melhor para nós e vamos apoiar isso. Uma instituição como o Ministério Público, que tem uma série de atribuições, acaba abraçando todas as (demandas), mas toda vez que você abraça tudo, e nós fazemos isso com muita competência, a custo de muito sacrifício, você dá conta daquilo, mas você não tem oxigênio para pensar aquilo que o promotor deve ser de acordo com a Constituição. Deve ser alguém que vai induzir a política pública na área de segurança, na educação, e que vai colaborar com os governos, com os municípios, nessa política. O MP não é dono disso, né? Ninguém é dono disso. É um jogo de ganha-ganha. Nós somos pessoas qualificadas para sentar à mesa com outras pessoas que têm responsabilidade e construir com essas pessoas políticas públicas. Diante da negativa, se não houver interesse, se houver negativa, aí as coisas sobem de degrau. Aí tem que usar os recursos para cobrar isso, mas primeiro a gente cobra muito diálogo. Essa área vai trazer tudo que existe de soluções. Eu já vi que no Superior Tribunal de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério Público estão desenvolvendo algumas soluções. Colegas nossos já foram visitar. Estamos primeiro espalhando todo mundo para trazer aquilo que é melhor.
ESTADÃO: Sobre as teses do Conselho para os promotores seria uma espécie de repercussão geral? Uma orientação para direcionar os promotores?
PAULO SÉRGIO: Um dos princípios mais caros do Ministério Público é a independência funcional. Uma garantia constitucional que faz com que não haja violação na consciência daquele que atua no seu processo, que não possa sofrer interferência. A doutrina da independência funcional dos promotores é valiosa, mas ela não pode servir de âncora daquilo que a instituição entende como plano geral, como política de atuação. Essas teses, esses enunciados, servem para direcionar melhor. É algo que os promotores pedem porque isso facilita o dia a dia.
ESTADÃO: O Gaeco fez duas grandes operações nos últimos dias contra o PCC. Como o sr pretende fortalecer o combate ao crime organizado?
PAULO SÉRGIO: Temos que ter essa sensibilidade de ver o que está acontecendo na sociedade. É algo muito triste. Infelizmente, o crime assumiu proporções que não se limitam mais aos presídios, que não se limitam apenas a algumas áreas. Eles estão atingindo empresas, órgãos públicos. Eles estão cada vez mais buscando o mundo político. A Operação Fim da Linha foi um exemplo de como as ações de inteligência, as ações estratégicas, científicas, trazem bons resultados. Não houve um constrangimento, a cidade não paralisou. São mais de 1,2 mil ônibus, há suspeita grande em relação a pessoas ligadas ao crime organizado que estavam na direção dessas empresas (de ônibus). E não houve reação do crime, tamanha foi a presença marcante do Estado. Então, primeiro é incentivar essas ações que revelam que o Estado é mais organizado que o crime organizado. Temos que ter competência para dizer isso. Segundo, não ter receio de dizer que é intolerável se aceitar que o crime organizado desafie o Estado. Não falo o governo. Desafie o Estado como um todo, nós somos o Estado. Nós pertencemos, toda nação. Estão desafiando a nós mesmos. A sociedade e os Estados têm que ser mais organizados para combater. Não é um enfrentamento de guerra. Ninguém está propondo guerra. São essas ações de inteligência que estão fazendo, como essa outra operação (Muditia), essa semana. Eu vou incentivar esse tipo de atuação conjunta, inclusive com agências de inteligência, Coaf, Receita. É importante essa integração. Fortalecer o Gaeco, as Promotorias criminais. Que conversem cada vez mais. Os efeitos dessas ações geram a sensação, para a comunidade, de que algo está sendo feito. Isso é positivo.
Eu pretendo ainda este ano propor ao Ministério Público a definição de uma ação única da Procuradoria-Geral a respeito de uma condução do nosso destino. Por exemplo, todos os promotores de Justiça estabelecem seus programas de atuação, estratégias regionais. Falta uma estratégia institucional, que sem prejuízo dessas, una tudo no MP. Eu pretendo propor que o Ministério Público, em 2024, atue firmemente no combate ao tráfico de entorpecentes, mas explicar que combater o tráfico é, no primeiro momento, dizer à sociedade qual é o bem jurídico a ser protegido, o que o legislador pretendeu proteger no tráfico: a saúde pública. Entorpecente faz com que o SUS seja pressionado. Você sabia que se encontrar uma área sem uma estrutura de investimento governamental ela se transforma em uma área onde o tráfico vai atuar. Quando você tem uma estratégia definida, primeiro você une o MP, porque pega o crime, o cível, tutela coletiva, todo mundo se vê representado. O que falta é algo que venha ligar todo o MP. O tráfico acaba dominando algumas regiões onde a atuação do poder público não está. A gente já viu casos, eu sou muito franco com isso, a realidade que a gente vive. Eu lembro que quando estavam sendo instaladas antenas de celulares em comunidades, tinha que ir com a proteção do tráfico. Isso é intolerável para a sociedade. O Ministério Público não é Eliot Ness (legendário agente federal americano que nos anos 1930 levou o mafioso Al Capone à prisão). Não se trata disso, é apenas uma maneira mais organizada de juntar pontas soltas e você direcionar suas ações de maneira mais correta, como foi feito nessas duas operações (Fim da Linha e Muditia). Elas abrangem uma Prefeitura que tem que assumir uma empresa de ônibus para o serviço não parar. Isso é muito sofisticado, porque antigamente podia dizer o seguinte: não tem tráfico, ali tem PCC. Quebra a empresa, ninguém quer quebrar nada. Você tem que salvar o serviço que é para o bem da população. Mas você tem que intervir naquela situação.
ESTADÃO: Seu antecessor, Mário Sarrubbo, quando escolhido para a Secretaria Nacional de Segurança Pública, anunciou a criação de um Gaeco Nacional. Os srs já tiveram alguma conversa sobre esse tema?
PAULO SÉRGIO: Ontem (quarta, 16) eu estive reunido no Colégio Nacional do Procuradores Gerais, onde está, em desenvolvimento, um sistema já de compartilhamento dessas informações, que vai ser também com a Secretaria Nacional de Segurança Pública. Ninguém atua sozinho nisso. O êxito no combate ao crime tem sido em razão do compartilhamento com as unidades. Existe um esforço muito grande.
ESTADÃO: O sr. assume a Procuradoria em ano de eleição. Como pretende organizar e dialogar com a Procuradoria Eleitoral?
PAULO SÉRGIO: Há muito tempo o Ministério Público tem estruturado uma Assessoria eleitoral que dá suporte a todos os promotores designados para essa função eleitoral. Isso tem funcionado muito bem. É aprofundar cada vez mais, porque essa Assessoria eleitoral se reúne permanentemente com o Tribunal Regional Eleitoral. A nossa Escola Superior do Ministério Público, da qual fui diretor quatro anos, desenvolve encontros muito precisos para você ter essa visão. Tomada de contas é assim. Impugnação de candidatura, quais são os temas. E eleição municipal é mais pegada, não só pelo número grande de concorrentes que você tem, verificar as inscrições, acompanhar. O que o MP vai fazer é cada vez estar mais próximo do Tribunal Regional Eleitoral, aprimorando a estrutura que a gente tem, sistemas que permitam que o eleitor possa trazer denúncias mais fáceis para o Ministério Público. O registro das contas, o registro das candidaturas, tudo direitinho. O eleitor é muito importante. A questão da compra de votos, todos esses problemas que infelizmente ainda existem no Brasil inteiro. Em São Paulo também existe, nas franjas do município, as pessoas podem ficar mais suscetíveis e nós estamos muito atentos a isso. Espero que seja uma eleição muito tranquila que permita que o eleitor escolha aquele que achar melhor para dirigir a cidade ou para ir para o legislativo municipal.
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ESTADÃO: Como os promotores devem atuar no desenvolvimento de políticas públicas?
PAULO SÉRGIO: Durante as eleições, vários promotores eleitorais fazem muitas palestras, são chamados para falar para jovens que vão votar pela primeira vez. Acho isso muito bacana, o promotor fala para aquele jovem que vai votar pela primeira vez, o que é a eleição, a importância do voto. Esse é o nosso papel.
ESTADÃO: Em sua posse o sr criticou o ‘formalismo excessivo’, indicando que ele atrapalha as investigações. O que o sr. quis dizer exatamente?
PAULO SÉRGIO: Eu não aguento burocracia. As ferramentas que nos trouxeram até aqui não são as mesmas que vão nos trazer daqui em diante. Em todos os campos da sociedade, a partir da pandemia, que nos desafiou. No âmbito do sistema de Justiça você não imaginava que um réu pudesse ser interrogado à distância, porque tem identidade física do juiz, ele tem que olhar nos olhos, ver expressão, se está transpirando. E essa necessidade foi superada diante da tecnologia. Lógico que o contato pessoal é sempre mais importante, mas eu me refiro ao fato de que nós temos que reconhecer que, aquilo que nos capacitou até aqui, precisa ser aprimorado, principalmente em conteúdo sócio-emocional dos promotores. Eu sou muito favorável à justiça negocial, a justiça de autocomposição, soluções estruturantes e menos judicializantes. Hoje nós temos o acordo de não persecução penal, o acordo de não persecução civil, termo de ajustamento de conduta. Só que para você sentar e elaborar um bom acordo, você, uma autoridade que foi colocada ali, tem que conquistar a confiança das pessoas para construção de um bom acordo. Você não constrói acordo com autoritarismo, se não tiver escuta e se não tiver empatia se colocando no lugar do outro. Vejo que a Escola Superior ajuda muito nesse ponto. Indo além do jurídico, a pandemia mostrou para a gente, na última gestão, que o MP, para poder atuar naquela questão, precisava de cientistas, de pessoas que entendem, para nos subsidiar. Nós temos que ter a honestidade própria de, diante de casos complexos, estar buscando sempre ser apoiado por outras pessoas, de outras disciplinas. O promotor sabe decidir, mas se virem duas pessoas me apresentar esse assunto eu vou decidir sobre um deles. É muito valioso, enriquece. Um professor veio aqui na escola, eu perguntei: como você vê o promotor diante dos desafios do século XXI? Quem é essa pessoa para você? Ele respondeu: ‘verdadeiros arquitetos de soluções complexas’. Para isso, o direito não é suficiente. Você tem que buscar isso. Se eu puder inspirar os colegas de alguma maneira, e isso já falei na campanha, a gente vai ganhar bastante.
ESTADÃO: Como balancear a relação entre o governador e o MP de modo a não influenciar investigações?
PAULO SÉRGIO: O governador Tarcísio de Freitas já completou um ano e alguns meses à frente do governo de Estado. Eu posso afirmar que, desde o primeiro momento, ele estabeleceu com o Ministério Público uma relação muito republicana, de muita isenção, onde naturalmente os chefes das instituições se conversam, a respeito de questões comuns e para construção de solução de questões comuns. Não existe nenhum tipo de submissão de nenhuma dessas instituições. O Ministério Público também sempre atuou de maneira isenta com uma fala republicana. Essas questões eleitorais internas que aconteceram não repercutem nada diferente disso. Porque a partir do momento em que o procurador-geral é nomeado, ele é escolhido para ser o chefe do MP e dirigir uma instituição onde nenhum procurador-geral, aqui em São Paulo, passou do limite. Não são assim as relações. O diálogo existe, a conversa existe, mas cada um dentro da sua área. Não vejo como nenhum tipo de posição agressiva contrária às pessoas questionarem esse tipo de coisa. Mas é a prática do dia a dia que vai mostrar também para vocês como é a conduta de cada um. Nós temos momentos mais tensos e menos tensos nessas relações, mas tudo com muito respeito.
ESTADÃO: Em sua campanha, o sr falou sobre a possibilidade de promotores concorrerem à PGJ. O caminho está aberto?
PAULO SÉRGIO: Somente em dois Estados promotor não pode ser procurador-geral (São Paulo e Rondônia). Chegamos no momento de amadurecimento onde é necessário, para a instituição e até sob o aspecto de democracia, você ampliar a capacidade eleitoral também para os promotores. Evidente que no universo de duas mil pessoas, alguns compreendem, outros não. E a melhor maneira de se encontrar a solução é com diálogo. Isso não se constrói buscando liminar no Supremo, isso não se constrói passando por cima do nosso Órgão Especial ou indo direto na Assembleia Legislativa. Nós temos um Órgão Especial de 40 procuradores e procuradoras que têm uma tarefa muito importante em termos de unidade institucional e o diálogo é nesse foro. Eu não vou obstar o diálogo. Vou encaminhar esse diálogo num tempo correto, na construção correta. Esse é um caminho inevitável. Antes do encaminhamento eu vou dialogar muito com todas as pessoas envolvidas. Eu não quero que isso se transforme em uma discussão incontrolável e que venha a afetar a nossa unidade. Se há uma coisa que eu preservo é unidade institucional, ela é fruto de um processo civilizatório de muita gente que construiu isso aqui. Porque aí você faz com que os promotores possam participar respeitosamente dessa discussão, sem arroubos, nenhum tipo de divisão interna. Divisão comigo não tem, a gente tem que fazer política somando.
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