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Ex-assessor de ministra do STJ passou informação privilegiada a lobista, aponta sindicância

Márcio José Toledo Pinto, que trabalhou no gabinetes de Nancy Andrighi, ‘no mínimo’ antecipou dados de dois processos a Andreson Gonçalves, preso pela PF na Operação Sisamnes, e Roberto Zampieri, assassinado a tiros no ano passado; ministro Cristiano Zanin, do STF, decretou buscas nos endereços do suspeito, confiscou seu passaporte e bloqueou R$ 500 mil; Estadão busca contato com a defesa; STJ afirma que seus ministros não têm ligação com venda de sentenças

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Foto do author Pepita Ortega
Foto do author Fausto Macedo

Uma sindicância instaurada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) revelou que o servidor Márcio José Toledo Pinto, que foi assessor nos gabinetes das ministras Maria Isabel Gallotti e Fátima Nancy Andrighi, “no mínimo” antecipou informação privilegiada sobre dois processos judiciais aos lobistas Andreson Gonçalves (preso pela Polícia Federal) e Roberto Zampieri (assassinado a tiros em dezembro do ano passado).

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O Estadão busca contato com a defesa de Márcio. A ministra Nancy Andrighi disse acompanhar com “perplexidade” as denúncias e informou ter colocado o gabinete à disposição para contribuir na apuração. “Assim que os fatos foram noticiados, o servidor investigado foi imediatamente dispensado do Gabinete e a apuração dos fatos está sendo realizada pelo STJ e pelas demais autoridades, a fim de que o assunto seja esclarecido e os envolvidos punidos de forma exemplar”, frisou.

O STJ afirma que seus ministros não têm envolvimento em venda de sentenças. O Supremo Tribunal Federal também informou que, até o momento, não há “elementos sobre o envolvimento de magistrados de tribunais superiores no caso”.

Márcio é um dos alvos da Operação Sisamnes, investigação sobre um ‘ousado e verdadeiro comércio de sentenças’ no STJ, segundo avaliação do ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal.

Zanin autorizou a Polícia Federal a fazer buscas em endereços de investigados e também mandou prender Andreson, suposto comandante do esquema.

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Por determinação do ministro do STF, Márcio José Toledo Pinto teve a casa vasculhada pela PF na terça-feira, 26, foi obrigado a entregar seu passaporte e foi afastado de suas funções no STJ. O ministro ainda ordenou o bloqueio de bens do servidor em até R$ 500 mil. Além de Márcio, outros dois servidores foram alvo de diligências - Daimler Alberto de Campos, chefe de gabinete da ministra Maria Isabel Gallotti; e Rodrigo Falcão de Oliveira Andrade, chefe de gabinete do ministro Og Fernandes.

O Superior Tribunal de Justiça Foto: MARCELLO CASAL JR AGENCIA BRASIL

Zanin indicou que a participação de Márcio no suposto esquema de venda de sentenças veio à tona a partir de diálogos entre Andreson e Zampieri no dia 10 de agosto de 2023 - Zampieri foi eliminado a tiros menos de quatro meses depois, em dezembro.

Na ocasião, o advogado pediu a Andreson, a quem chamava de ‘o rapaz de Brasília’, que enviasse “o documento do Haroldo”. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a mensagem era referência a dois processos, ambos sob relatoria de Nancy Andrighi.

Ao consultar o sistema do STJ, a Polícia Federal identificou que a decisão em um dos processos foi dada em 4 de setembro. O despacho da outra ação foi assinado digitalmente em 25 de agosto. Ambos os documentos, portanto, só foram assinados e publicados dias depois de Andreson e Zampieri terem acesso a eles.

Segundo Zanin, houve “ampla participação” de Márcio nas movimentações dos dois processos, “com alteração e exclusão de minutas internas em poucos minutos, inviabilizando a visualização por outras pessoas além do servidor que efetuou as mudanças”.

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O relatório da Comissão Permanente de Sindicância aberta pelo STJ “concluiu ter ocorrido, no mínimo, antecipação de informação privilegiada” nos casos.

Zanin entendeu que o caso exigia maiores averiguações e por isso deu aval para as diligências em endereços de Márcio, visando o “aprofundamento das investigações quanto a seu envolvimento na empreitada criminosa”

Processos

Um processo em que Márcio supostamente teria atuado para atender os interesses de Andreson e de Zampieri envolve reparação por danos morais ajuizado por uma empresa contra a Bom Jesus Agropecuária – companhia que está em recuperação judicial e foi citada na Operação Faroeste, investigação sobre venda de sentenças no Tribunal de Justiça da Bahia. A empresa não se manifestou.

A Operação Sinamses mira um ex-diretor financeiro da Bom Jesus Agropecuária. A empresa havia conseguido uma vitória parcial no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, para que houvesse a perícia técnica de uma área rural no centro da ação de reparação. A Bom Jesus tentou recorrer ao STJ, mas o recurso nem foi admitido.

O outro recurso versa sobre o produtor rural José Pupin, que já foi conhecido como ‘rei do algodão’ de Mato Grosso. O processo acabou sendo decidido rapidamente no STJ após as partes – Pupin e uma agropecuária - fecharem acordo. A ministra Nancy Andrighi encaminhou os autos para o TJ de Mato Grosso para homologação do pacto.

Como mostrou o Estadão, a Polícia Federal encontrou um contrato de prestação de serviços advocatícios que ele fechou com Zampieri no valor de R$ 12 milhões. A PF investiga se o contrato tem relação com o processo citado em meio aos desdobramentos da Operação Sisamnes.

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Haroldo

Na lista de alvos da Operação Sisamnes consta o nome de Haroldo Augusto Filho, filho de um ex-deputado estadual de Rondônia que também foi citado em um caso de ‘mensalinho’ no Estado. Ele foi alvo de buscas e teve contra si decretada uma ordem de bloqueio de bens de até R$ 500 mil.

A PF está investigando se ele seria o ‘Haroldo’ citado nos diálogos entre Andreson e Zampieri. Isso porque Haroldo é sócio de outro alvo da investigação, o empresário Valdoir Slapak. Ambos constam dos quadros da empresa Fource Consultoria, registrada em Mato Grosso em 2017.

Valdoir também foi diretor-financeiro da Bom Jesus Agropecuária - uma empresa que teria sido beneficiada por decisões ilícitas na Operação Faroeste relativas à legitimação de terras griladas na região Oeste do Estado.

Vasculhando as conversas gravadas no celular de Zampieri – o aparelho do advogado foi encontrado ao lado de seu corpo na rua Topázio, em Cuiabá, na noite de 5 de dezembro do ano passado - a Polícia identificou uma conversa dele e um contato salvo como ‘Haroldo Fource’.

No diálogo, de setembro do ano passado, Zampieri relata que teria dado “tudo certo no caso da Colombo e da Afare” e diz que “o do Pupin vamos ter que acertar as honrarias do filho dele, s [sic] outra parte havia procurado ele”.

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A Polícia Federal cita como contexto de tal diálogo a suposta influência de Zampieri no gabinete do desembargador Sebastião de Moraes Filho, afastado do Tribunal de Justiça do Mato Grosso e que agora vai andar de tornozeleira eletrônica por ordem de Zanin.

Os investigadores encontraram um contrato de prestação de serviços advocatícios entre Roberto Zampieri e o ex-’rei do algodão’ no valor de R$ 12 milhões.

As mensagens mostram que Zampieri também conversou com Valdoir sobre os casos “da Colombo” e de “Pupin”.

Roberto Zampieri: “Sebastião pediu vista. Contrataram o filho dele, mas vou desmanchar. O da Colombo e o outro da quebra do sigilo deu tudo certo.”

Valdoir: “Boa!!! E Pupin?.”

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Roberto Zampieri: “E o do Pupin acabei xe [sic] resolver agora, vai julgar na sessão do dia 28/9, e também resolvi com o Des Sebastião. Tive que acomodar o filho dele.”

Valdoir: “Só notícias boas”.

Roberto Zampieri: “Tive que acomodar o filho dele. Entendeu essa parte?.”

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