O ex-comandante da Aeronáutica, brigadeiro Carlos Almeida Baptista Júnior, relatou à Polícia Federal a tensão que marcou a reunião, em dezembro de 2022, na qual o ex-presidente Jair Bolsonaro sondou a cúpula das Forças Armadas sobre um golpe de Estado. Narrou que nem sequer aceitou receber a minuta de golpe discutida pelo ex-chefe do Executivo, se levantando da mesa e deixando a sala.
Ainda de acordo com o brigadeiro, em outra reunião, na qual Bolsonaro aventou a hipótese do golpe de Estado, pro meio de Garantia da Lei e da Ordem, Estado de Defesa ou Estado de Sítio, o ex-chefe do Exército Marco Antônio Freire Gomes afirmou que ’caso tentasse tal ato teria que prender o Presidente da República’. A defesa de Bolsonaro foi procurada mas ainda não se manifestou
O encontro ocorreu no dia 14 de dezembro e foi convocada pelo então ministro da Defesa Paulo Sérgio de Oliveira. Na ocasião, em seu gabinete, Oliveira disse aos comandantes que teria uma minuta, que gostaria de presentear para ‘conhecimento e revisão‘. Nesse momento, Baptista disse ter questionado: “Esse documento prevê a não assunção do cargo pelo novo presidente eleito?”. Oliveira se calou e em seguida o brigadeiro disse que não admitira receber o papel.
As indicações constam do termo de depoimento prestado por Baptista Júnior à PF no bojo das investigações que culminaram na Operação Tempus Veritatis, que apura uma suposta tentativa de golpe de Estado tramada pela cúpula do governo Jair Bolsonaro.
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Como mostrou este Blog, Baptista Júnior e Freire Gomes contaram aos investigadores que se colocaram contra a investida antidemocrática de Bolsonaro. Já o então comandante da Marinha, Almir Garnier Santos, mais alinhado com o ex-presidente, colocou tropas à disposição do ex-chefe do Executivo.
Segundo o brigadeiro, nas reuniões com os comandantes das Forças e o então ministro da Defesa, Bolsonaro ”apresentava a hipótese de utilização da Garantia da Lei e da Ordem e outros institutos jurídicos mais complexos, como a decretação de Estado de Defesa, para solucionar uma possível ’crise institucional’”.
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Nesse contexto Baptista implicou o ex-ministro Anderson Torres, destacando que ele participou de uma das reuniões com os chefes das FAA, na qual ’’procurou pontuar aspectos jurídicos que dariam suporte às medidas de exceção‘’.
”O depoente deixou claro a Bolsonaro, em uma dessas reuniões, que tais institutos não serviriam para manter o então presidente da república no poder após 1 de janeiro de 2023. O ex-presidente ficava assustado. O então comandante do Exército, Freire Gomes, também tentava convencer o então presidente a não utilizar os referidos instrumentos””, registra trecho do depoimento.
Se confirmada a presença de Torres em uma das reuniões de cúpula das FAA com Bolsonaro, Baptista Júnior negou ter participado de reuniões com o ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid (hoje delator), o general Braga Netto e outros oficiais para tratar sobre o suposto golpe de Estado.
O ex-chefe da FAB narrou que após a derrota de Bolsonaro nas urnas houve uma reunião entre o ex-presidente, a cúpula das Forças Armadas e o então advogado-geral da União Bruno Bianco. Na ocasião, o ex-chefe do Executivo foi informado que não haveria ‘nenhuma alternativa jurídica para contestar o resultado das eleições‘.
Depois, entre os dia 1 e 19 de novembro de 2022, o brigadeiro foi cinco vezes ao Palácio da Alvorada, por ordem do então presidente. Segundo o militar, inicialmente Bolsonaro estava resignado com o resultado das eleições, mas depois aparentou ter esperança de reverter a derrota nas urnas com as alegações de fraudes.
O brigadeiro foi questionado se acreditava que houve fraudes nas eleições. Batendo de frente com a narrativa de Bolsonaro, assentou que ’conforme os resultados obtidos pela Comissão de Fiscalização do Ministério da Defesa tem certeza que não existiu qualquer fraude relacionado ao sistema eletrônico de votação’.
Baptista Júnior ressaltou inclusive que ‘constantemente’ informou a Bolsonaro que não existia qualquer fraude nas urnas. Relatou inclusive que recebeu do ex-presidente um estudo impresso do Instituto Voto Legal sobre supostas fraudes, e, em resposta, destacou como o documento estava ‘’mal redigido e com vários erros técnicos e se tratava de um sofisma.
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