A delegada Jacqueline Valadares, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia de São Paulo, defende que o enfrentamento à violência exige integração das forças de segurança, ‘e não a transferência de funções entre as instituições, prejudicando o serviço prestado à sociedade’. O recado de Jacqueline tem endereço certo e nome também: a Operação Fim da Linha, que mira o avanço do PCC na máquina pública.
Deflagrada há duas semanas, Fim da Linha mobilizou uma força-tarefa composta exclusivamente de promotores do Ministério Público estadual e tropas da Polícia Militar. A Polícia Civil, a quem a Constituição atribui com exclusividade o papel de Polícia Judiciária, ficou de fora.
O mal-estar ganhou mais consistência entre Jacqueline e seus pares depois que passou a circular a informação de que os militares estão sendo preparados para elaborar Termos Circunstanciados - registro de ocorrências de menor gravidade, também responsabilidade da Polícia Civil.
A Operação Fim da Linha barrou a atuação de grupos infiltrados no setor de transporte público da capital paulista - pelo menos duas empresas de ônibus estariam sendo usadas para fazer girar um amplo esquema de lavagem de dinheiro do PCC.
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A Polícia Civil não abre mão de também protagonizar a guerra contra facções. Jacqueline avalia que a decisão de entregar à Polícia Militar o desafio de bater de frente com o crime organizado ‘constitui usurpação de funções da Polícia Civil, o que pode comprometer, na ponta, a segurança da população’.
Delegada de Polícia em São Paulo desde 2012, Jacqueline é especialista em direito penal, em processo penal e em inteligência policial. Atuou como plantonista no 3.º Distrito Policial (Campos Elíseos) e no 16.º (Vila Clementino). Também foi titular da 2.ª Delegacia de Defesa da Mulher durante sete anos.
Ela prega o trabalho integrado entre as instituições para a missão. Argumenta que as forças de segurança ‘precisam trabalhar em sintonia, harmonia e sinergia no estado de São Paulo’.
“À Polícia Civil cabe o papel de investigar e de promover operações. À PM cabe o trabalho nas ruas, de patrulhamento ostensivo e preventivo. Quando o Estado passa a transferir atribuições da Civil para a Militar, a própria PM fica sem fazer o que, prioritariamente, é de sua alçada. Isso pode fragilizar ainda mais a estrutura policial como um todo. Sem contar que a ponta, a população, que tanto clama por segurança, será prejudicada”, alerta a delegada.
Para Jacqueline, ‘escantear a Polícia Civil não é o caminho’. “Recentemente, já não tivemos bons resultados quando o Estado acabou concedendo reajuste maior para a Polícia Militar em detrimento da Polícia Civil. Isso não está correto”, protesta.
A delegada pontua que ‘não estão sobrando policiais militares para fazer o trabalho da Polícia Civil’.
“Ninguém está com o serviço adiantado. Não é disso que se trata. É preciso suprir o déficit nas duas pontas e apostar num trabalho coeso, em conjunto, de complemento, mas cada um com a sua atribuição. Isso também é uma questão de respeito”, pondera Jacqueline.
A delegada observa que ‘faltam 17 mil policiais civis no expediente ativo da instituição’. “Talvez, com a reposição do déficit, o trabalho possa ser realizado de forma mais célere. Há delegados que se desdobram entre duas, três ou até mais delegacias. Há delegacias que contam apenas com um escrivão, o ideal seriam três, quatro. E a criminalidade não para de crescer, de se reinventar e de se modernizar, do crime organizado ao crime da ponta, na rua.”
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