A Justiça Federal em Brasília condenou o ex-assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República, Filipe Martins, por racismo. O processo foi motivado por um gesto feito durante uma sessão do Senado Federal, que foi associado a supremacistas brancos.
A pena foi de dois anos e quatro meses de reclusão, convertida em serviços comunitários, além de multas que somam R$ 52 mil.
Procurada pelo Estadão, a defesa afirma que a decisão está baseada em “conjecturas políticas”. Os advogados Ricardo Scheiffer, Sebastião Coelho e Edson Marques, que representam o ex-assessor, disseram ainda que a sentença ignora “argumentos sólidos da defesa” (leia a íntegra ao final da matéria). Como a decisão foi tomada na primeira instância, os advogados ainda podem recorrer.
A sentença é assinada pelo juiz David Wilson de Abreu Pardo, da 12.ª Vara do Distrito Federal, que considerou que o gesto foi intencional e apontou como agravante o cargo ocupado na época por Filipe Martins, no alto escalão do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
“A reprodução de uma manifestação supremacista branca, por agente público de hierarquia funcional elevada, via sistema público de comunicação (a TV e canal oficial da internet do Senado Federal), pode aumentar o nível de preconceito e discriminação contra os grupos sociais alvo e legitimar atos subsequentes cada vez mais gravosos”, escreveu o magistrado.
O episódio aconteceu em julho de 2021. Filipe Martins estava sentado atrás do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quando foi filmado fazendo o gesto que foi lido como reprodução das letras ‘W’ e ‘P’, em referência à expressão ‘White Power’ - Poder Branco, em inglês.
Após a repercussão, ele disse que estava ajeitando a lapela do terno. A explicação não convenceu o juiz, que destacou que, em nenhum momento, o assessor dirige o olhar para o paletó.
“O réu mirava sua própria imagem, enquanto realizava os gestos reputados criminosos pela acusação. Em nenhum momento, nas duas ocasiões, o réu dirigiu seu olhar para as próprias vestimentas”, diz um trecho da sentença.
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Na denúncia, o Ministério Público Federal defendeu que o ex-assessor aproveitou o momento de “ampla divulgação” e “grande visibilidade” para incitar a discriminação de forma velada.
Em depoimento, Filipe Martins alegou que não conhecia o significado do gesto supremacista. O juiz que o condenou argumentou que ele tem “elevado grau de conhecimento de simbologia política” e é uma “pessoa bem instruída”.
O ex-assessor havia sido absolvido sumariamente no processo, isto é, sem análise do mérito. Um outro magistrado concluiu que o Ministério Público Federal “presumiu” que o sinal teria alguma conotação racista. A absolvição foi anulada na segunda instância. O Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), em Brasília, determinou um novo julgamento na primeira instância.
COM A PALAVRA, A DEFESA DE FILIPE MARTINS
A sentença proferida contra Filipe Martins é um ataque frontal aos fundamentos mais elementares do Direito Penal e, lamentavelmente, até da lógica básica.
Incapaz de produzir qualquer prova concreta de intenção discriminatória e ignorando por completo os argumentos sólidos da defesa, o juiz pretende vasculhar a consciência do réu em busca de um intuito deletivo que só existe na interpretação subjetiva dele, julgador. Se prevalecer tal entendimento, qualquer cidadão brasileiro poderá ser preso com base em interpretações fantasiosas de suas palavras e gestos.
Destacamos que a decisão se apoia em interpretações subjetivas sobre um gesto involuntário, que comporta múltiplos significados e culturalmente desprovido de caráter ofensivo no Brasil.
Ao desprezar o dolo específico, requisito indispensável para o crime de racismo, e ao substituir a análise técnica por conjecturas políticas, a sentença rompe com a tipicidade estrita e a presunção de inocência, pilares do Estado de Direito.
A defesa repudia veementemente a decisão e alerta para o precedente perigosíssimo de condenar alguém com base em percepções subjetivas. Recorreremos para que a justiça seja restabelecida com o rigor técnico e jurídico que a lei exige.
Ricardo Scheiffer, Sebastião Coelho e Edson Marques
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