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Opinião | Fim da Lava Jato e o novo estado de compromisso brasileiro

Prestes a se aproximar dos anos varguistas no poder, o lulismo e seus ministros do STF deslocaram o americanismo ascendente do ativismo judiciário de primeira instância para a chancelaria de um ativismo político na Suprema Corte

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convidado
Por Victor Augusto Ramos Missiato

No capítulo final de sua seminal obra, A revolução de 1930: história e historiografia, o saudoso historiador Boris Fausto, após derrubar diversas teses vigentes acerca dos significados históricos da chegada de Getúlio Vargas ao poder, afirma que o real sentido da Revolução de 1930 foi a formação de um novo estado de compromisso no Brasil, que adequou o sistema político e socioeconômico do país para receber os novos projetos das elites modernas que ascendiam naquela época, ao mesmo tempo em que mantinha os tradicionais poderes das oligarquias regionais, algumas delas em decadência, mas ainda influentes.

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Não se tratava, portanto, de um processo revolucionário clássico como ocorreu em outros países como EUA, França, Inglaterra e Rússia. Aproximando-se de uma conclusão gramsciana acerca do chamado Risorgimento italiano, quando as forças políticas na Itália do século XIX formaram determinados tipos de consensos frente a uma complexa trama de interesses, Fausto revolucionou a interpretação historiográfica da Revolução de 1930.

Para além do debate historiográfico, recentemente, um novo estado de compromisso foi criado no Brasil. Como já escrevi em artigos anteriores, a partir dos anos 1980 houve o fim da chamada “modernização conservadora”, termo esse adotado diversas vezes pelo sociólogo Luiz Werneck Vianna. Em seu lugar, diversos novos movimentos sociais, políticos e culturais adentraram a cultura política brasileira através de várias representações, incluindo suas bandeiras na Constituição de 1988.

De caráter moderno, esses movimentos americanistas podem ser brevemente caracterizados por meio da ascensão das novas religiões evangélicas, fortalecimento do de parte do sistema judiciário enquanto ente representativo, reformas liberais estruturantes, cultura do empreendedorismo, reivindicações cívicas no que tange a defesa do indivíduo, entre vários outros possíveis exemplos.

Por outro lado, as forças tradicionais estabelecidas durante os tempos de modernização conservadora também criaram lobbies e pressões para impor suas representações na Carta de 1988 e, principalmente, nas elites políticas do país, criando uma espécie de “pemedebismo”, conceito este formulado pelo filósofo Marcos Nobre. Trata-se de uma representação política fundamental na contenção de várias transformações reivindicadas pela modernidade brasileira. A meu ver, suas raízes estão localizadas nos setores das Forças Armadas, das polícias militares, Igreja Católica, universidades, que mesmo em constante divergência mútua, compactuam com a perpetuação de uma visão de Brasil nacionalista, protecionista, anti-imperialista, ainda ancorada no século XX.

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Nesse choque de interesses, o Brasil assistiu a uma implosão social que reverberou nas Manifestações de Junho de 2013, quando todo o sistema representativo foi colocado em xeque por milhões de pessoas em todo o país. Dentre os resultados desse processo houve uma intensa luta pelo combate à corrupção, principalmente a partir das delações presentes no julgamento da Lava Jato, que escancarou o maior esquema de corrupção em duzentos e dois anos de História. Tal movimento ilustrou uma grande novidade, pois houve o sentimento nacional de que era a primeira vez que a Justiça passou a ser vista como um ente democrático, igualitário, quando independentemente da classe social, o cidadão passa a ser julgado sem privilégios. Todavia, um novo imobilismo freou o movimento modernizante brasileiro.

O ministro do Supremo Tribunal Federal José Antonio Dias Toffoli reverteu diversas condenações e anulou várias multas estabelecidas nos diversos julgamentos da Lava Jato. De acordo com a decisão de Toffoli, os procuradores da Lava Jato “ignoraram o devido processo legal, o contraditório, a ampla defesa e a própria institucionalidade para garantir seus objetivos”. Ademais, o ministro atestou que “o que poderia e deveria ter sido feito na forma da lei para combater a corrupção foi realizado de maneira clandestina e ilegal”. Com o beneplácito de quase todo o sistema político, Toffoli freou um movimento inédito no Brasil, apesar de eu também reconhecer alguns equívocos processuais da Lava Jato.

Diante de tamanho prejuízo para a dimensão democrática e republicana brasileira, tendo em vista a ampla admissão de culpabilidade de diversos empresários e políticos na Lava Jato, a canetada de Toffoli representa um atualizado estado de compromisso, dessa vez liderado por Lula, que assim como Vargas, ascendeu ao poder como um líder com feições verborrágicas revolucionárias e ao longo do tempo metamorfoseou-se para adequar às diferentes forças políticas, acomodando tensões e distribuindo privilégios.

Prestes a se aproximar dos anos varguistas no poder, o lulismo e seus ministros do STF deslocaram o americanismo ascendente do ativismo judiciário de primeira instância para a chancelaria de um ativismo político na Suprema Corte. A novidade desse novo estado de compromisso reside exatamente nessa relação. O destino desse processo será novamente julgado em 2026 e/ou 2030, quando Lula não mais tiver condições de se estabelecer enquanto presidente. Até lá, o Brasil aguardará sua entrada no século XXI.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

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Victor Augusto Ramos Missiato
Doutor em História (UNESP/Franca), professor e pesquisador do Instituto Presbiteriano Mackenzie, campus Tamboré. Foto: Inac/Divulgação
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