Foto do(a) blog

Notícias e artigos do mundo do Direito: a rotina da Polícia, Ministério Público e Tribunais

Opinião | Finesse real

PUBLICIDADE

convidado
Por José Renato Nalini

Quando do último referendo aqui realizado, os brasileiros optaram pela República. Mas a Monarquia ainda tem fieis adeptos e eles têm razão quando invocam o exemplo europeu. Cabeças coroadas garantem o sentimento de acendrado amor à nacionalidade, coisa que os “imperadores transitórios”, que são os Presidentes da República, nem sempre conseguem.

PUBLICIDADE

Não há dúvida de que a monarquia tem um glamour incomparável com a vulnerabilidade dos comportamentos nem sempre republicanos de algumas Repúblicas. O charme da Corte Britânica, a austeridade do trono sueco, a simpatia dinamarquesa, dão-nos reflexão: valeu realmente a pena o 15 de novembro de 1889?

Os episódios cortesãos costumam ser muito mais saborosos do que os que ocorrem no regime republicano. Um deles, é narrado por Rodrigo Octávio, cujas memórias “dos outros”, é uma leitura fascinante. Ele narra a visita à Rainha Margherita da Itália, ocasião em que acompanhou o então Presidente Epitácio Pessoa.

A rainha vivia em pequeno palácio, à Via Vittorio Veneto. Uma casa de puro e rendilhado estilo renascentista, cujo interior era de extraordinário requinte, em ambiente florido e claro. Sua Majestade visitara o Presidente eleito do Brasil e sua esposa. Mandava o protocolo que essa visita real fosse retribuída.

Os visitantes foram recebidos com todas as honras, nos aposentos particulares da Rainha. A comitiva do Presidente ficou no salão principal. De repente, uma porta se abriu e, acompanhada de suas damas de honra, apareceu a viúva de Humberto Primo, na aureola de seus cabelos brancos, na distinção de seu altivo porte.

Publicidade

Essa aparição emocionou os presentes. Rodrigo Octávio já tinha uma experiência internacional, a representar o governo brasileiro. Mas jamais tivera tão eloquente, tão sugestiva e tão impressionante visão de majestade. Não era uma mulher que aparecer, mas uma verdadeira soberana.

Discreta, algumas palavras de agradecimento do Presidente do Brasil, a resposta da Rainha, mais na graça do sorriso do que no sentido de uma frase e a reverência de um beija-mão.

Dela, a Rainha Margherita, já se divulgavam algumas lendas e alguns acontecimentos reais. Um deles: em noite de gala, recepção na Corte. A Rainha recebe o círculo de seus cortesãos amigos. De repente, a um movimento qualquer, o leque se prende ao precioso colar de pérolas, cujo fio se rompe. Caem ao chão as valiosas contas que, em todos os sentidos, correm sobre o polido soalho de mármore. Os cortesãos, solícitos, precipitam-se para apanhar as pérolas.

A Rainha, impassível e mantendo o sorriso, observava, ereta, a movimentação e o desalinho que o brusco acidente provocara.

Recolhidas as pérolas, cada qual se aproximava da soberana para lh’as entregar. A Rainha, mostrando-se realmente Rainha, num aceno cordial da pequena mão enluvada, dirigindo-se a todos os presentes, pediu que, para lembrança daquela visita, cada qual guardasse as pérolas que havia tido a bondade de apanhar.

Publicidade

Gesto de desprendimento singular, impossível de acontecer no mundo republicano. Aqui, a questão de joias suscita outros pensamentos. Já na monarquia, isso já acontecera em Veneza, no século XVIII.

PUBLICIDADE

Quem narra é Philippe Monnier, no livro “Venise au XVIIIème Siècle”. No palácio dos Foscarini, durante um baile privado, Caterina Querini dança com o rei da Dinamarca e, quando um fio de seu colar se rompeu, as pérolas se espalham sobre o solo. A elegante par do monarca não parou de dançar. Era mais importante valsar com um Rei do que se ajoelhar para apanhar suas pérolas.

E como se fala em Pérolas, não custa lembrar que a multiplicação de partidos políticos, o despreparo de alguns que disputam eleições, a falta de consciência cívica dos eleitores, a omissão da cidadania em participar da administração da coisa pública. Quando alguns profissionais da política parecem cuidar mais de seus próprios interesses do que buscar a consecução do bem comum, cabe lembrar daquele ditado do “lançar pérolas aos porcos”.

Faz muita falta ao Brasil insistir em prática ética. A matéria-prima de que o nosso país mais se ressente. Verbete presente nos discursos, mas ausente da rotina. Que tal a criação de uma ENA, uma Escola Nacional de Administração, pela qual devessem passar todos aqueles que pretendem se candidatar a um cargo público? Sejam os funcionários burocráticos, sejam os funcionários eleitos. Afinal, são todos servidores, cada qual com sua missão e sua qualificação.

Talvez então, os costumes republicanos pudessem absorver algo, ainda que mero verniz, bem superficial, da instigante finesse monárquica.

Publicidade

Convidado deste artigo

Foto do autor José Renato Nalini
José Renato Nalinisaiba mais

José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo
Conteúdo

As informações e opiniões formadas neste artigo são de responsabilidade única do autor.
Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.