"É motivo de orgulho ser chamado de comunista" disse o presidente Lula na última quinta, quando se instalou em Brasília o chamado Foro de SP, criado em julho de 1990, por iniciativa de Fidel Castro e Luiz Inácio Lula da Silva.
Trata-se da mobilização de lideranças e intelectuais da extrema esquerda na América Latina.
Ideologias - Não sofro de fobia anticomunista, nem sou contra qualquer outra ideologia que se contraponha ao que penso, salvo aquelas que ponha em risco a segurança coletiva.
Procuro encarnar os princípios da liberdade de expressão e do contraditório, garantidos nas democracias.
Estou convencido de que não há privilégio de uma única corrente ideológica monopolizar as soluções e alternativas para os problemas globais.
Por isso, o amplo debate democrático, quando civilizado, conduz a soluções efetivas.
Dúvida - Nada contra a realização do Foro de SP, em Brasília.
Analiso neste artigo apenas posições verbais assumidas no evento.
Surge uma dúvida na atualidade brasileira.
Debater soluções no Foro de SP com representantes de ditadores (Nicarágua, Cuba, Venezuela) e outras correntes de esquerda é liberdade de expressão.
É crime um presidente da República ter se reunido com embaixadores e autoridades convidadas, no Palácio de governo, para debater e discordar de princípios inseridos na legislação eleitoral vigente.
Democracia relativa - A liberdade de expressão deve ser respeitada e cabe a justiça, com isenção, medir as circunstâncias para separar o "joio do trigo".
No Foro de SP, o presidente Lula voltou a defender como exemplar o regime venezuelano, afirmando que a Venezuela tem mais eleições que o Brasil e que o conceito de democracia é relativo.
Relativo?
Então, a moralidade é relativa; ser honesto é relativo; defender direitos humanos é relativo.
Em resumo: os fins justificam os meios, frase atribuída a Maquiavel.
O presidente insiste em misturar azeite com água.
Ditadura - Como considerar democrático, o ditador Maduro no poder desde 2013 e que, por meio de decretos, esvaziou o Legislativo e cooptou o Judiciário do país.
A Venezuela vive crise política marcada pela dissolução do parlamento local, perseguição a opositores e a área econômica, com uma hiperinflação de 10 milhões por cento ao ano, sanções comerciais, disfuncionalidade na prestação de serviços públicos e quase 7 milhões de refugiados.
ONU - Os documentos mais contundentes a esse respeito partiram da ONU (Organização das Nações Unidas) produzidos sob orientação da ex-presidente do Chile Michele Bachelet, conhecida militante de esquerda.
A comissão diz ainda ter encontrado milhares de casos que "corroboram o padrão de violação de direitos e crimes".
As situações analisadas datam de 2014 em diante, cobrindo quase todo o período de Maduro no poder.
Crimes - A ONU usa a expressão "crimes contra a humanidade", referindo-se à prática de graves e reiteradas violações de direitos humanos atribuídas a uma política de Estado dirigida contra opositores.
Os documentos exploram a dura repressão a protestos sobretudo em 2014, 2017 e 2019, anos agudos da crise política na Venezuela.
Nesse período, 36 manifestantes foram mortos nas mãos da polícia, em alguns casos com uso de munição letal.
Fatos - Diante de fatos incontestáveis, pergunta-se: como admitir a defesa de um governo despótico como o de Maduro?
O que a Venezuela contribui na América Latina para aprimoramento da democracia?
O mais grave é o presidente Lula ter afirmado, na abertura dos trabalhos, "quem quiser derrotar Maduro candidate-se e o derrote nas eleições livres de lá'.
Maria Corina Machado, candidata da oposição, líder nas pesquisas para presidente na Venezuela, foi recentemente inabilitada politicamente, medida que a deixa inelegível por 15 anos, sem direito de defesa.
Eleições livres?
Limites - "Quousque tandem, Catilina, abutere patientia nostra" (até quando Catilina abusarás a nossa paciência?), disse Cícero orador romano.
Paciência tem limites.
O presidente Lula precisa ter mais cuidado no que diz para não declarar chacota, ironia, deboche, ao reconhecer eleições livres numa ditadura como a venezuelana.
*Ney Lopes, jornalista, ex-deputado federal, presidente CCJ da Câmara, professor titular de Direito Constitucional UFRN, procurador federal, presidiu o Parlamento Latino Americano
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.