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Fux diz que Bolsonaro não quer diálogo e cancela reunião dos Poderes com presidente

Presidente do STF afirma que presidente da República tem feito reiteradas ofensas e ataques de inverdades contra ministros da Corte

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Por Weslley Galzo/Brasília e Rayssa Motta/São Paulo

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, anunciou nesta quinta-feira, 5, o cancelamento da reunião entre os chefes dos três Poderes, sob o argumento de que não é possível tolerar ataques e insultos do presidente Jair Bolsonaro a integrantes da Corte. O duro pronunciamento de Fux foi feito depois de Bolsonaro ter feito novas ameaças golpistas e dito que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, e o ministro do STF Alexandre de Moraes compõem a "ditadura da toga".

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"Como tem noticiado a imprensa brasileira nos últimos dias, o Presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, sendo certo que quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro. Além disso, Sua Excelência mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do Plenário, bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro", afirmou Fux.

Sem esconder a contrariedade, Fux disse que Bolsonaro não cumpre a palavra, uma vez que, no mês passado, havia se encontrado com ele no STF para amenizar a crise entre os Poderes e teve a indicação de que poderia contar com moderação nos discursos a partir de então. Essa foi a primeira vez que o presidente do Supremo comentou o teor da conversa. Na ocasião, o ministro se limitou a dizer que teria feito o convite para debater a "importância do respeito às instituições e os limites à Constituição''. Segundo ele, Bolsonaro entendeu o recado e teria aceito realizar um novo encontro com as lideranças do Legislativo.

"Como Presidente do Supremo Tribunal Federal, alertei o Presidente da República, em reunião realizada nesta Corte, durante as férias coletivas de julho, sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão, bem como sobre o necessário e inegociável respeito entre os poderes para a harmonia institucional do país", afirmou Fux.

O encontro entre Bolsonaro e Fux foi o primeiro ato do que ensaiava ser uma ampla tentativa de acordo entre as instituições, envolvendo também os presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressista-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG). A negociação, porém, foi impedida pelo próprio Bolsonaro, que desde então dobrou a aposta e subiu, dia após dia, cada vez mais, o tom contra os ministros do STF que também integram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

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"Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual", afirmou. "O Supremo Tribunal Federal, de forma coesa, segue ao lado da população brasileira em defesa do Estado Democrático de Direito e das instituições republicanas, e se manterá firme em sua missão de julgar com independência e imparcialidade, sempre observando as leis e a Constituição."

O presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, ministro Luiz Fux. Foto: Gil Ferreira/Agência CNJ

Ao discursar, Fux afirmou que as falas do presidente contra os ministros e o sistema eleitoral se amparam em interpretações equivocadas de decisões tomadas pelo Supremo. "Diante dessas circunstâncias, o Supremo Tribunal Federal informa que está cancelada a reunião outrora anunciada entre os Chefes de Poder, entre eles o Presidente da República", disse Fux. O presidente do STF pediu que todos os ministros presentes na Corte deixassem os gabinete para acompanhar o pronunciamento, que contou com a presença de Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes, Kassio Nunes Marques e Rosa Weber.

O discurso de Fux nesta quinta, apesar de breve, foi mais enfático do que o realizado na segunda-feira, 2, quando se manifestou em defesa da democracia, na sessão de retomada dos trabalhos no Supremo. Dessa vez, Fux citou o presidente Jair Bolsonaro e seguiu o movimento de outros ministros que ofereceram respostas institucionais aos ataques sucessivos que partem do Palácio do Planalto, atentando contra a lisura do processo eleitoral e a credibilidade das instituições do Judiciário.

Também na segunda-feira, os ministros do TSE aprovaram, por unanimidade, a abertura de um inquérito administrativo para investigar Bolsonaro pelos crimes de abuso de poder político e econômico, uso indevido dos meios de comunicação social, fraude, corrupção, atentado contra o Estado Democrático de Direito, dentre outros. No mesmo dia, o presidente e o vice-presidente da corte eleitoral assinaram uma nota em conjunto com todos os ex-presidentes desde 1988, na qual defenderam as urnas eletrônicas e se opuseram ao projeto do voto impresso, alegando a possibilidade de retroagir ao período de fraudes das eleições, antes de 1996.

Em entrevista à rádio Jovem Pan News, na última quarta-feira, 4, Bolsonaro sinalizou que poderia agir fora dos limites da Constituição contra o ministro Alexandre de Moraes, responsável por determinar a abertura de inquérito no STF para investigar o presidente por possíveis atos criminosos ao realizar a transmissão ao vivo no dia 30 de julho e que será o presidente do TSE no ano que vem. A live realizada com estrutura do Palácio do Planalto e retransmissão da estatal TV Brasil teve como principal elemento a reprodução de notícias falsas e vídeos fora de contexto já desmentidos pela Justiça Eleitoral.

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"O ministro Alexandre de Moraes abriu um inquérito de mentira, me acusando de mentiroso. É uma acusação gravíssima. Ainda mais num inquérito sem qualquer embasamento jurídico. Não pode começar por ele. Ele abre, apura e pune? Sem comentários. Isso está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está. Então o antídoto não está dentro das quatro linhas da Constituição. Ninguém é mais macho que ninguém", afirmou o presidente.

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Sem sequer um dia de trégua, Bolsonaro voltou a disparar nesta quinta-feira críticas contra o STF, Moraes, Barroso e chamou o povo para ir às ruas defender a Constituição. "Podemos reunir o povo em SP para mais um apelo ao ministro Barroso", acusado por ele de querer eleger Lula em 2022.

"Bandeiras de Barroso são aborto, liberação das drogas", disse. O presidente disse que "não podemos continuar com ministros (judiciário) arbitrários" e que Moraes faz "ações intimidatórias" contra ele. "A hora dele chegará porque joga fora da Constituição". "Alexandre de Moraes é a própria mentira dentro do STF". Bolsonaro convocou o "povo paulistano a comparecer à avenida Paulista para 'defender constituição'.

O ministro Alexandre de Moraes usou as redes sociais também nesta quinta para responder às acusações que tem recebido. Sem citar Bolsonaro, o relator do inquérito que mira o chefe do Executivo foi categórico ao afirmar que não irá retroceder.

"Ameaças vazias e agressões covardes não afastarão o Supremo Tribunal Federal de exercer, com respeito e serenidade, sua missão constitucional de defesa e manutenção da Democracia e do Estado de Direito", escreveu no Twitter.

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Alinhado com Moraes e Barroso, o discurso de Fux ocorre num momento de tensão na relação entre o Executivo e o Judiciário. Ontem, na entrevista à Jovem Pan, Bolsonaro apresentou cópias de um inquérito aberto pela Polícia Federal (PF), dez dias após o segundo turno das eleições de 2018, para investigar uma denúncia de invasão do sistema da urna eletrônica. A investigação foi solicitada pelo próprio TSE. As apurações estão em curso desde então, em caráter sigiloso, e nunca foi constatado nenhum indício de que o ataque tenha afetado o resultado das eleições daquele ano.

Em resposta ao presidente, o TSE divulgou na madrugada de hoje uma nota rebatendo as declarações de Bolsonaro. O texto afirma que o acesso de hackers à programação da urna eletrônica não representou qualquer risco à integridade daquelas eleições e frisou que os eventos foram amplamente divulgados à época.

"O código-fonte dos programas utilizados passa por sucessivas verificações e testes, aptos a identificar qualquer alteração ou manipulação. Nada de anormal ocorreu", disse o comunicado do TSE, que rebateu as acusações de Bolsonaro em sete pontos. "Cabe acrescentar que o código-fonte é acessível, a todo o tempo, aos partidos políticos, à OAB, à Polícia Federal e a outras entidades que participam do processo. Uma vez assinado digitalmente e lacrado, não existe a possibilidade de adulteração. O programa simplesmente não roda se vier a ser modificado".

Leia a íntegra do pronunciamento do presidente do STF:

Como Presidente do Supremo Tribunal Federal, alertei o Presidente da República, em reunião realizada nesta Corte, durante as férias coletivas de julho, sobre os limites do exercício do direito da liberdade de expressão, bem como sobre o necessário e inegociável respeito entre os poderes para a harmonia institucional do país.

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Contudo, como tem noticiado a imprensa brasileira nos últimos dias, o Presidente da República tem reiterado ofensas e ataques de inverdades a integrantes desta Corte, em especial os Ministros Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes, sendo certo que quando se atinge um dos integrantes, se atinge a Corte por inteiro. Além disso, Sua Excelência mantém a divulgação de interpretações equivocadas de decisões do Plenário, bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro.

Diante dessas circunstâncias, o Supremo Tribunal Federal informa que está cancelada a reunião outrora anunciada entre os Chefes de Poder, entre eles o Presidente da República. O pressuposto do diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes.

Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual.

O Supremo Tribunal Federal, de forma coesa, segue ao lado da população brasileira em defesa do Estado Democrático de Direito e das instituições republicanas, e se manterá firme em sua missão de julgar com independência e imparcialidade, sempre observando as leis e a Constituição.

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