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Opinião|Glória, efêmera glória

Veio à Itália como medianeiro de paz entre Guelfos e Guibellinos e conseguiu desagradar a ambos. Muitos o abandonaram, muitos o traíram. Era portador da paz, mas trazia o recrudescimento da luta. Florença lhe fechou as portas e respondeu com arrogância às suas mensagens

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convidado
Por José Renato Nalini

Dante Alighieri, o gigante autor da “Divina Comédia”, colheu dissabores durante sua vida. Teve de peregrinar por toda a Itália e até por outros países, a cavalo e só, por estradas que nunca percorrera, quando caiu em desgraça em Florença, sua terra natal.

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Hospedou-se em castelos cujos donos queriam uma corte de aduladores e preferiam os bobos aos cultos. Deve ter engolido muitos sapos e se indignado com o que se esperava dele. Por isso, entusiasmou-se quando soube que o Imperador Henrique VII assumira a missão de pacificar a Itália e fazer com que Florença ficasse livre daqueles que hostilizavam seu filho Dante, com certeza o maior deles.

Foi diante de dois homens que Dante se ajoelhou e beijou-lhes os pés: o Papa Bonifácio e Henrique VII. Diante do Papa se ajoelhou em 1301, quando foi enviado ao Vaticano como Embaixador. Diante de Henrique VII, em 1311, não se sabe ao certo se em Milão, se em Pisa. Ao primeiro, beijou por protocolo. Ao segundo, por um ímpeto de espontânea devoção. O primeiro trouxe apenas desgraças para Dante; o segundo reacendeu-lhe as esperanças.

Mas quem era Henrique VII? Fora conde de um pequeno domínio, pouco maior do que Luxemburgo. Depois eleito Rei da Alemanha, em 1308 e coroado Imperador em Aix-la-Chapelle, em 1309. Viera à Itália em 1310 e fora coroado em Milão com a coroa de ferro, a 6 de janeiro de 1311. Quando se encontrou com Dante, devia ter seus quarenta anos. Era de estatura medíocre e, como o poeta, também caolho.

Foram vários os Imperadores alemães que, depois de Carlos Magno, desceram à Itália. Mas Henrique VII foi um dos mais infelizes. Ficara órfão criança, quando o pai morreu em batalha em 1288. Perdeu o irmão, Walerano, durante o assédio a Brescia e em Gênova, a mulher, Margarida. Ele mesmo, depois de três anos que transpusera os Alpes, morreu de febres perniciosas em Buonconvento.

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Veio à Itália como medianeiro de paz entre Guelfos e Guibellinos e conseguiu desagradar a ambos. Muitos o abandonaram, muitos o traíram. Era portador da paz, mas trazia o recrudescimento da luta. Florença lhe fechou as portas e respondeu com arrogância às suas mensagens.

Sua intenção era ser coroado pelo Papa na Basílica de São Pedro. Mas só conseguiu ser coroado em São João de Latrão e por três cardeais. Viera para restabelecer a autoridade do Sacro Império Romano Germânico e subordinar o chefe dos Guelfos, o Rei de Nápoles. Contudo, teve de ceder, para agradar Clemente V, um ano de tréguas a Roberto, monarca napolitano. Quando quis reencetar a guerra, era tarde demais. Foi colhido pela morte.

Tudo para ele deu errado. Gastou uma fortuna alemã e multiplicou as perdas humanas. Ainda que involuntariamente, ajudou a acabar com a reputação do Império. Não conseguiu dominar os centros de resistência guelfa: Nápoles e Florença. Mas, ao contrário, potencializou as divergências e o ódio entre as cidades. Permanecia muito tempo em países e empresas de menor importância e deixou os negócios da Itália em piores condições do que aquelas em que os encontrara. Era um utopista, bem intencionado, mas não tinha forças para enfrentar complexas realidades. Enfim, não soube ser útil aos seus, nem funesto aos inimigos.

Por infeliz coincidência, a cidade que mais o hostilizou e humilhou foi Florença. O homem que mais confiou nele e que o considerava um Salvador e árbitro de grandes questões, foi justamente um exilado florentino: Dante Alighieri. Este o alertou de que deveria atacar a raposa e a víbora do Arno, o rio que corta Florença, em lugar de perder tempo na alta Itália.

Só em 19 de setembro de 1312, o Imperador Henrique fez o cerco a Florença. Não se atreveu a atacá-la, porém. E a 0 de outubro, por falta de víveres, foi obrigado a retirar-se, antes de iniciar qualquer combate.

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Pouco antes, o florentino Betto Brunelleschi já respondera, acintosamente, aos embaixadores imperiais, que jamais tinham os habitantes daquela comuna vergado a cabeça diante de qualquer senhor. E estava certo. A “raposa”, a que Dante se referia, em virtude da hipocrisia dos autoritários que então mandavam em Florença, converteu-se em touro e repeliu o imperador idealista.

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Frustrou-se o sonho de Dante, que se animou quando Henrique VII estava prestes a descer à Itália, que, libertada, viria a se tornar o jardim do Império. As violências do Papa seriam sufocadas. Restabelecer-se-ia a paz entre as cidades. E, só então, Dante poderia retornar ao seu berço natal. Cidade que ele conhecia bem: era de Florença que provinham o ardor guerreiro, os florins para a compra dos traidores e para as munições dos rebeldes. Dali saíam as intrigas, as maquinações e os conchavos.

Pouco durou a ilusão de Dante, como curta duração teve a glória de Henrique VII. Mas se o monumento sepulcral do Imperador na catedral de Pisa é bonito, mais belo aquele que Dante erigiu, com suas palavras, na “cândida rosa” do Paraíso.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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