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Opinião | Habitat inabitável

A população cresce em excesso e cada ser humano deixa sua pegada de carbono cada dia maior e mais nociva. São falaciosos os compromissos oficiais. O Protocolo de Kyoto nada produziu. Ainda assim, brotam negacionistas como cogumelo em solo úmido

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convidado
Por José Renato Nalini

Conseguimos! Estamos bastante próximos de converter a Terra num planeta inabitável. Façanha de uma geração, que será a responsável por impedir que sobrevivam outras gerações. Nem haverá quem a acuse disso, pois não sobrará vida nesta esfera frágil, que conseguimos inviabilizar.

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Não é catastrofismo. É a ciência a nos demonstrar que fomos longe demais em nossa insensatez. Quem se interessar por conhecer os detalhes, deve ler “A terra inabitável - Uma história do futuro, escrita por David Wallace-Wells. Ele não economiza palavras em seu alerta: “É pior, muito pior do que você imagina. A lentidão da mudança climática é um conto de fadas, talvez tão pernicioso quanto aquele que afirma que ela não existe, e chega a nós em um pacote com vários outros, numa antologia de ilusões reconfortantes: a de que o aquecimento global é uma saga ártica, que se desenrola num lugar remoto; de que é estritamente uma questão de nível do mar e litorais, não uma crise abrangente que afeta cada canto do globo, cada ser vivo; de que se trata de uma crise do mundo “natural”, não do humano; de que as duas coisas são diferentes e vivemos hoje de algum modo alijados, acima ou no mínimo protegidos da natureza, não inescapavalmente dentro dela e literalmente sujeitados a ela”.

Temos a tendência a acreditar que tudo se resolverá por conta da persistência da humanidade em ocupar esta pequena e frágil esfera. Podemos querer dividir a responsabilidade com os que nos antecederam, como se a situação atual fosse a dívida moral e econômica acumulada desde o início da Revolução Industrial. Não é bem assim. “Na verdade, mais da metade do carbono dissipado na atmosfera devido à queima de combustíveis fósseis foi emitido apenas nas últimas três décadas. Ou seja: trouxemos mais prejuízos para o destino do planeta e sua capacidade de sustentar a vida humana e a civilização depois que Al Gore publicou seu primeiro livro sobre o clima, do que em todos os séculos - ou milênios anteriores.

Não se pode alegar ignorância, porque desde a década de setenta a ciência nos adverte do perigo. O consenso científico inspirou os inúmeros protocolos firmados pela maioria das nações. A destruição do ambiente foi algo premeditado. Ou, pelo menos, de caso pensado.

A ONU sabe que o cenário é de terror. Daí o desespero de Antônio Guterrez, cujos clamores são cada vez mais angustiantes. Duzentos milhões de refugiados estarão pedindo socorro. Mais trágico ainda, “um bilhão ou mais de pobres vulneráveis com pouca opção além de lutar ou fugir. Um bilhão ou mais. Isso é mais gente do que a população atual da América do Norte e do Sul somadas”.

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A humanidade ruma em direção à eclipse total. A população cresce em excesso e cada ser humano deixa sua pegada de carbono cada dia maior e mais nociva. São falaciosos os compromissos oficiais. O Protocolo de Kyoto nada produziu. Ainda assim, brotam negacionistas como cogumelo em solo úmido. Alguns dos atormentados têm medo e medo de apregoar o medo. Preferem acreditar que a tecnocracia encontrará uma fórmula de nos salvar. David Wallace-Wells comenta “a nossa capacidade doentia, quase psicopata, de transformar más notícias em “normalidade”.

Absorvidos com a administração do próprio umbigo, premidos pela rotina e na incessante fuga a encararmos nosso destino comum - a morte - nos recusamos a encarar a ciência de frente. Porque ela nos apavora com suas evidências.

Será que ainda é possível fazer algo, senão para reverter o quadro, o que é inviável, ao menos para salvar o maior número de vidas que for possível? O Brasil, que foi promissora potência verde, viu-se convertido em “Pária Ambiental” e, nada obstante haver rechaçado tal condição, continua impotente para zerar o desmatamento, para refrear a ação indômita e desenvolta da delinquência sofisticada, para devolver à natureza os bilhões de árvores dela subtraídos.

Faz sentido, face à deletéria e letal contribuição dos combustíveis fósseis para o fim da História, insistir na prospecção de petróleo na foz do Amazonas?

São questões a que os brasileiros devem responder, eles que, ao menos formalmente, são os titulares da soberania e a cujo serviço está o Poder Público, legitimado por eleições democráticas, que devem refletir a vontade concreta da cidadania.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Alex Silva/Estadão
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