Ao afastar juízes e desembargadores que atuaram na Operação Lava Jato, o ministro Luís Felipe Salomão, corregedor nacional de Justiça, antecipou o tom do julgamento desta terça-feira, 16, sobre a correição realizada no berço da investigação. Em um despacho de 22 páginas, ele destacou como a ‘idéia de combate à corrupção foi transformada em uma espécie de “cash back” para interesses privados’ e iniciou o debate sobre o enquadramento dos expoentes da Operação por supostos crimes de peculato-desvio, corrupção e outros.
O ministro abriu a decisão em que alijou Gabriela Hardt – ex-substituta da 13ª Vara Federal de Curitiba – ponderando como a Lava Jato ‘desbaratou um dos maiores esquemas de corrupção do país’. No entanto, o corregedor diz ter constatado ‘com enorme frustração’ que o objetivo do grupo de magistrados obedecia a ‘interesses privados com a chancela e participação de Gabriela Hardt e de Sérgio Moro’ - ex-juiz titular da 13.ª Vara Federal Criminal, onde se concentraram todas as ações penais de primeira instância relativas à Operação que desmantelou reduto de corrupção e cartel de empreiteiras na Petrobrás, entre 2003 e 2014.
“Não se trata de pura atuação judicante, mas sim uma atividade que utiliza a jurisdição para outros interesses específicos, não apenas políticos (como restou notório), mas também – e inclusive - obtenção de recursos”, afirma o ministro.
Um ponto das supostas irregularidades encontradas no berço da Lava Jato foi chamado, pelo corregedor, de ‘recirculação de valores’. Segundo ele, a expressão se refere ao ‘atípico direcionamento dos recursos obtidos a partir da homologação de acordos de colaboração e de leniência exclusivamente para a Petrobras’.
Para o ministro, a petrolífera foi ‘classificada como vítima universal, desprezando a União e terceiros prejudicados pelo sistema de corrupção’.
De acordo com Salomão, o ‘direcionamento teria como finalidade obter o retorno dos valores na forma de pagamento de multa pela Petrobras às autoridades americanas, a partir de acordo sui generis de assunção de compromisso para destinação do dinheiro formalmente e originariamente prometido ao Estado Brasileiro – ou seja, dinheiro público – para fins privados e interesses particulares (fundação a ser gerida a favor dos interesses dos mesmos), sem qualquer participação da União’.
Como mostrou o Estadão, o que mais pesou para o afastamento da juíza Gabriela Hardt foi a homologação de acordo cível entre a Petrobras e a força-tarefa da Operação para criação de uma fundação com imposição de multa de R$ 2,5 bilhões paga pela petrolífera nos Estados Unidos. A iniciativa foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal.
Salomão adianta, na decisão sobre o afastamento, as possíveis consequências da prática de ‘circulação de valores’ identificada na correição que fez pessoalmente na 13.ª Vara Federal de Curitiba e no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região: o enquadramento como hipótese criminal.
Segundo o corregedor, a indicação é ‘lastreada em evidência, o que a distingue de uma mera suposição ou ilação’.
No caso de Gabriela Hardt, o ministro já deixa expresso em quais tipos penais a atuação da magistrada pode recair: peculato-desvio (artigo 312 do Código Penal), com possíveis desdobramentos criminais interdependentes: prevaricação e corrupção privilegiada ou corrupção passiva.
Sobre Sérgio Moro, o despacho assinado nesta segunda, 15, não antecipa qualquer avaliação. Salomão frisou como a atuação do ex-juiz será analisada ‘no mérito’, quando do exame do processo pelo Plenário do CNJ.
Diante do fato de que Moro não é mais juiz, o corregedor ressalta que ‘não há nenhuma providência cautelar a ser adotada no campo administrativo’.
Sobre Hardt, a avaliação de Salomão é que ‘independentemente do enquadramento ou não dos fatos e das condutas apuradas como ilícitos penais’ os atos atribuídos à magistrada ‘se amoldam também a infrações administrativas graves, constituindo fortes indícios de faltas disciplinares e violações a deveres funcionais’.
A Reclamação que mira Moro e Gabriela é um dos itens da pauta da sessão do Conselho Nacional de Justiça desta terça-feira, 16. Os conselheiros vão analisar o procedimento sobre os principais juízes da Operação e debater os achados da correição realizada na 13ª Vara Federal de Curitiba e nos gabinetes da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Também está prevista para esta terça a análise da Reclamação que levou ao afastamento do juiz Danilo Pereira Júnior e dos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores e Lenz Loraci Flores De Lima. A decisão foi assinada no bojo de Reclamação ligada ao procedimento administrativo disciplinar que declarou a suspeição do juiz Eduardo Appio.
Appio atuou na 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba por um breve período e ficou responsável pelas ações remanescentes da Lava Jato, após decisões do Supremo Tribunal Federal darem início à derrubada dos capítulos mais importantes da operação. Suas decisões foram pivô de recentes imbróglios na Justiça Federal do Paraná.
Em setembro do ano passado, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, anulou o processo que declarou a suspeição de Appio por avaliar que o entendimento do TRF-4 ‘não levou em conta as hipóteses previstas no Código de Processo Penal’.
Na ocasião, o ministro determinou a remessa do caso ao CNJ, para apuração. Salomão vê, nos atos dos magistrados, suposto ‘descumprimento reiterado de decisões do Supremo Tribunal Federal’, incluindo ‘condutas que macularam a imagem do Poder Judiciário, comprometeram a segurança jurídica e a confiança na Justiça, contribuíram para um estado de coisas que atua contra a institucionalidade do país e violaram princípios fundantes da República’.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.