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Opinião|Ilegalidade na diferenciação de tarifa do serviço de transporte coletivo urbano e vale-transporte

Não há justificativa idônea para atribuir a determinado grupo de usuários encargo superior aos demais em relação ao custeio do serviço de transporte público coletivo municipal

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convidado
Por Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser

Releva apontar ilegalidade que se tem observado, em alguns municípios, quanto à instituição de valores diversos para contraprestação do mesmo serviço – transporte coletivo público –, atribuindo maior despesa para os usuários do vale-transporte.

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Com isso, o custo do vale-transporte fica majorado, ao passo que, para os demais usuários, a tarifa é menor.

Contudo, a Lei nº 7.418/85, em seu art. 5°, dispõe:

Art. 5º - A empresa operadora do sistema de transporte coletivo público fica obrigada a emitir e a comercializar o Vale-Transporte, ao preço da tarifa vigente, colocando-o à disposição dos empregadores em geral e assumindo os custos dessa obrigação, sem repassá-los para a tarifa dos serviços. (Renumerado do art. 6º, pela Lei 7.619, de 30.9.1987)

Como a lei não estabeleceu distinção entre a tarifa de transporte coletivo e o vale transporte, não cabe à autoridade administrativa fazê-lo.

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Outrossim, não é razoável que os trabalhadores que possuem o vale transporte paguem mais pelo transporte público tão somente porque se utilizam do benefício previsto na Lei nº 7.418/85.

Logo, o ato administrativo que estabelece diferença pecuniária das tarifas do transporte coletivo urbano, determinando a majoração do valor para os usuários do vale-transporte, viola o princípio da isonomia.

Neste sentido:

“ADMINISTRATIVO - SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO - TARIFA DIFERENCIADA - ILEGALIDADE.

1. A diferenciação de tarifa nos transportes coletivos estabelecida pelo Decreto Municipal 37.788/99, impondo preço maior no vale-transporte não encontra respaldo na legislação federal (Lei 7.418, de 16/12/85, alterada pela Lei 7.619/87 e regulamentada pelo Decreto 95.247/87). 2. Vulnerado o princípio da isonomia que, embora não absoluto, só por lei pode ser quebrado. 3. Decreto municipal não pode ser considerado como instrumento hábil a estabelecer política tarifária com fratura a princípio constitucional. 4. Recurso ordinário provido”[1].

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“APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO – ATOS ADMINISTRATIVOS – TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO – TARIFA DIFERENCIADA – VALE TRANSPORTE – PORTARIA Nº 189/2018 – Pretensão mandamental voltada à declaração de ilegalidade do art. 9º da Portaria nº 189/18, sob o fundamento de que a diferenciação do valor da tarifa de transporte público afronta o disposto no art. 5º da Lei Federal nº 7.418/85 - possibilidade - a Portaria Municipal nº 189/18 estabeleceu que o valor da tarifa de transporte coletivo urbano do Município de São Paulo, a ser utilizado exclusivamente para o cálculo do benefício do vale-transporte para fins da Lei Federal nº 7.418/85, seria de R$ 4,57, porém, para os demais usuários pagantes seria fixada a tarifa geral de R$ 4,30 - inadmissibilidade - a própria lei federal previu que o valor do vale transporte deve corresponder ao valor da tarifa vigente - ato normativo emanado pelo Executivo que efetuou distinção entre os usuários pagantes do transporte público e os usuários que se utilizam do benefício do vale transporte instituído pela Lei Federal nº 7.418/85 - ilegalidade da tarifa diferenciada - violação ao princípio da isonomia - precedentes do STJ e do TJ/SP - sentença concessiva da ordem de segurança mantida. Recursos, voluntário e oficial, desprovidos”[2].

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“APELAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – TRANSPORTE PÚBLICO COLETIVO – COBRANÇA DE TARIFA DIFERENCIADA ENTRE OS ADQUIRENTES DO VALE-TRANSPORTE E DEMAIS USUÁRIOS - ATO ADMINISTRATIVO - PORTARIA SMT Nº 189/18 - PRETENSÃO À SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO REFERIDO ATO ADMINISTRATIVO – Possibilidade - A Lei Federal nº 7.418/85, proíbe, expressamente, a cobrança de valores diferenciados entre os adquirentes do Vale-Transporte e os demais usuários do sistema de transporte público coletivo urbano - Violação ao princípio da isonomia, reconhecida - Precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta C. Corte – Sentença mantida no mérito, reformada, apenas, no afastamento da condenação em honorários, nos termos do artigo 18 da Lei 7.347/85, pelo princípio da Simetria – Recurso provido em parte”[3].

“MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO – Cobrança de adicional à tarifa de transporte. Portaria SMT nº 189/18 que estabeleceu diferença entre o valor da tarifa de transporte coletivo urbano para o cálculo do benefício do vale-transporte e o valor para os demais usuários pagantes. Pretensão de garantir o recolhimento da tarifa de vale-transporte pelo mesmo valor pago pelos usuários comuns. Possibilidade. Ato administrativo que viola o princípio da legalidade e da isonomia, uma vez que cria distinção que desobedece a norma legal. Inteligência do art. 5º da Lei nº 7.418/85. Custeio do vale transporte que recai tanto sobre os empregados quanto sobre os empregadores. Violação ao princípio da separação dos poderes ou à autonomia municipal não verificado. Art. 13 da Lei Federal nº 8.897/1995 que possibilita a cobrança diferenciada de tarifas apenas em casos de distinção das características técnicas e dos custos específicos provenientes do atendimento dos usuários, o que não se aplica ao presente caso. Precedentes deste Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça. Sentença mantida. Recurso desprovido”[4].

Em resumo, não há justificativa idônea para atribuir a determinado grupo de usuários encargo superior aos demais em relação ao custeio do serviço de transporte público coletivo municipal. Os beneficiados com essa medida, que são indeterminados, não necessariamente são hipossuficientes ou se encontram em situação de vulnerabilidade.

[1]STJ, RMS 12.319/SP, SEGUNDA TURMA, Rel. Ministra ELIANA CALMON, julgado em 26/02/2002, DJ 08/04/2002, p. 166

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[2]TJSP, Apelação/Remessa Necessária nº 0034267-72.2019.8.26.0053, Comarca: São Paulo, 4ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. PAULO BARCELLOS GATTI, j. em 31.08.2021.

[3]TJSP, Apelação Cível nº 1006385-21.2019.8.26.0053, Comarca: São Paulo, 8ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. BANDEIRA LINS, j. em 27.01.2021.

[4]TJSP, Apelação Cível nº 1026343-90.2019.8.26.0053, Comarca: São Paulo, 10ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. JOSÉ EDUARDO MARCONDES MACHADO, j. em 24.07.2022.

Este texto reflete a opinião do(a) autor(a). Esta série é uma parceria entre o blog do Fausto Macedo e o Movimento do Ministério Público Democrático (MPD). Os artigos têm publicação periódica

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Maria Fátima Vaquero Ramalho Leyser
Procuradora de Justiça / Ministério Público do Estado de São Paulo e associada do Movimento do Ministério Público Democrático - MPD. Foto: MPD/Divulgação
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