A Proposta de Emenda Constitucional nº 45 (”PEC 45″), comumente denominada “PEC da reforma tributária”, provavelmente irá afetar a carga tributária da sucessão hereditária no Brasil, o que ensejará a busca de alternativas de planejamentos sucessórios para mitigar os efeitos deste potencial aumento de tributação sobre herança.
Isso porque, além da criação de um IVA dual (o ICMS e o ISS darão lugar ao Imposto sobre Bens e Serviços “IBS”; ao passo que o IPI, o PIS e a COFINS serão substituídos pela Contribuição sobre Bens e Serviços “CBS”), a reforma propõe também sensíveis alterações em outros tributos como o IPTU, o IPVA e – de maior relevância para esta opinião – o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Por estar intimamente relacionado à sucessão patrimonial, uma análise mais pormenorizada das alterações do ITCMD torna-se necessária. De forma geral, o panorama atual da incidência do ITCMD sobre heranças ou doações é bastante simples: para as doações de bens móveis, considera-se a competência tributária do ente federativo (Estados ou Distrito Federal) de domicílio do doador; já para as doações de bens imóveis, a competência fica a cargo do local em que se situa o bem. Por outro lado, quando se analisa a incidência do ITCMD sob uma perspectiva causa mortis, o local onde foi processado o inventário tem a prerrogativa da cobrança sobre os bens móveis herdados e, para os bens imóveis, o local onde se localizam.
Sobre as alíquotas aplicáveis, existem os entes federativos que tributam em percentuais fixos (um exemplo seria o próprio Estado de São Paulo que aplica uma alíquota de 4%) e Estados que se valem de alíquotas progressivas (como o Estado do Rio de Janeiro que tem alíquotas de 4% a 8%). Dessa feita, as alíquotas podem ser fixas ou progressivas desde que respeitem o teto de 8% atualmente trazido pela Resolução nº 09/1992 do Senado Federal.
Caso a PEC 45 seja definitivamente aprovada, alguns impactos tributários serão evidentes. Em primeiro lugar, o projeto de reforma tributária propõe a aplicação obrigatória de alíquotas progressivas. Ao assim dispor, é provável que os Estados que cobram o ITCMD por uma alíquota inferior ao teto atualmente vigente (como é o caso do Estado de São Paulo) terão incrementos na carga tributária em virtude dos efeitos da progressividade.
Esse cenário agrava-se ainda mais se levarmos em consideração o Projeto de Resolução do Senado nº 57/2019, que visa à majoração do teto da alíquota de ITCMD para 16% no Brasil.
No caso de doações ou heranças de não residentes, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou que os Estados não podem exigir o ITCMD nestes casos, uma vez que atualmente não há lei complementar regulamentando a competência para cobrança deste imposto.
A PEC 45 procurou contornar os óbices traçados pelo STF estabelecendo que nas situações em que o doador possua domicílio em outro país, o imposto poderá ser cobrado pelo Estado onde reside o donatário. Adicionalmente, se o donatário também tiver domicílio ou residir no exterior, o ITCMD cabe ao Estado em que se encontrar o bem. No mais, relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, o imposto competirá ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o herdeiro ou legatário.
Válido ainda destacar que, com a PEC 45, não será mais possível escolher o local do inventário como uma opção fiscal na busca por um menor ITCMD relativo a bens móveis, títulos e créditos, haja vista a nova redação indicar o Estado de domicílio do de cujus ou do doador como competente para a cobrança do tributo.
Diante destas alterações previstas na PEC 45, o eventual aumento da carga tributária pelos efeitos da progressividade do ITCMD já está levando os contribuintes a buscarem meios lícitos de planejamento sucessório. A principal forma é através da criação de estruturas societárias no Brasil ou exterior (como holdings patrimoniais, fundos de investimentos exclusivos, sociedades offshores, trusts etc.) para que possa viabilizar a antecipação da herança. É comum que nos casos de adiantamento de legítima, o doador procure meios de garantir o controle político e financeiro dos bens doados, como se dá por exemplo através da reserva de usufruto.
Por mais que se possa arguir que tais mudanças no ITCMD não serão imediatas – sobretudo pela necessidade da alteração da legislação estadual, bem como da aplicação do princípio da anterioridade – não há dúvidas de que se deve ficar bastante atento a essas possíveis alterações.
Desse modo, é recomendável que haja, antes da eficácia destas possíveis mudanças legislativas, um planejamento sucessório adequado e apto a proteger de forma competente os interesses patrimoniais dos contribuintes.
*Juliano Rotoli Okawa e Túlio Venturini de Souza, sócio e advogado do Souza Okawa Advogados
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