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Opinião|Impeachment de Alexandre Moraes e a ruptura democrática

A possibilidade de impeachment serve como um mecanismo de controle e equilíbrio, garantindo que o Poder Judiciário atue dentro dos limites constitucionais e legais. No entanto, temos que tomar muito cuidado para que não sirva de mecanismo para atacar desafetos políticos. Oxalá os senadores tenham sabedoria para não criarem uma instabilidade institucional sem precedentes no país

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convidado
Por Marcelo Aith

No último dia 9 de setembro, congressistas da ala bolsonarista protocolaram novo pedido de impeachment contra o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes. O documento aponta os seguintes fatos para consubstanciar crime de responsabilidade: “Há que se ressaltar que o ministro Alexandre de Moraes teria se valido do seu cargo para forjar provas ilegítimas e ilegais com o escopo de perseguição política, instauração de procedimentos judiciais, requisição de diligências, aplicação de medidas judiciais e, inclusive, sanções! Trata-se de um atentado à democracia, ao devido processo legal, à instrumentalidade dos atos processuais e à segurança jurídica!”.

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O processo de impeachment de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), no Brasil, é um procedimento complexo que envolve várias etapas. A Constituição, em seu artigo 52, inciso II, estabelece que compete ao Senado Federal processar e julgar os ministros do STF nos crimes de responsabilidade. A Lei nº 1.079/1950, por seu turno, é a norma infraconstitucional que define os crimes de responsabilidade e regula o processo de julgamento. Os crimes de responsabilidade dos ministros do STF estão elencados, especificamente, no artigo 39 da Lei nº 1.079/1950.

Os principais crimes de responsabilidade que podem ser imputados a um ministro do STF são: exceder ou abusar das funções judiciais, exercendo o poder de forma arbitrária ou em desacordo com a legislação vigente (Exercício Arbitrário do Poder); proferir julgamento ou decisão manifestamente contrária ao texto expresso da Constituição ou das leis (Decisões em Desacordo com as Leis); deixar de garantir a observância das normas constitucionais e legais, especialmente em casos de grave violação de direitos fundamentais (Omissão em Proteger a Constituição); praticar atos que comprometam a honra, a dignidade e o decoro do cargo de ministro do STF (Conduta Incompatível com a Dignidade do Cargo); envolver-se em atos de corrupção ou aceitar vantagens indevidas em razão do cargo (Corrupção); interferir nas atribuições de outros poderes ou órgãos, violando o princípio da separação dos poderes (Interferência Indevida).

Embora no Brasil seja adotado o sistema acusatório – atores diversos no processo para investigar, acusar e julgar – ,o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal autoriza que, nas hipóteses elencadas no artigo 43 (RI – STF), o ministro presida as investigações e participe do julgamento.

Dessa forma, as requisições de informações e determinação de investigações dirigidas a outros órgãos do judiciário, formuladas pelo ministro Alexandre de Moraes, para apurar o envolvimento de algumas pessoas nos atos de 8 de janeiro de 2023, em que pese pouco ortodoxas, estão dentro dos limites estabelecidos pelo Regimento Interno da Corte – norma com natureza de lei –, o que afastaria, em tese, as alegações deduzidas no pedido de impeachment protocolado pelos deputados e senadores bolsonaristas.

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Na hipótese de o Senado Federal entender pela admissibilidade e processamento do pedido de impeachment, deverá seguir as regras procedimentais previstas no no artigo 41 da Lei nº 1.079/1950.

Com efeito, o procedimento se inaugura com o oferecimento de uma denúncia formal, que pode ser apresentada por qualquer cidadão, apontando, fundamentadamente, indicando inclusive provas, que um ministro do STF cometeu crime de responsabilidade. A denúncia deve ser fundamentada e conter provas do alegado.

Após o protocolo, os autos são encaminhados ao Presidente do Senado, que decide se autoriza ou não o processamento. Autorizando, é formada uma comissão especial, que terá a função de elaborar um relatório sobre a denúncia e aprovar, preliminarmente, se ela atende os requisitos legais ou não. Após a elaboração do relatório, ele pode ser aprovado ou rejeitado. Se for aprovado por maioria simples (metade mais um dos presentes à comissão), o relatório é encaminhado ao Plenário do Senado para decidir sobre sua admissibilidade. Também por maioria simples, se o Plenário admitir o processo de impeachment, terá início o procedimento propriamente dito, com o afastamento cautelar do ministro por até 180 dias.

Não se pode olvidar que o ministro acusado tem o direito de apresentar defesa escrita e de ser ouvido durante o processo. O direito ao contraditório e à ampla defesa deve ser plenamente garantido.

Encerrada a instrução, o processo é levado a julgamento no plenário do Senado. Cumpre destacar, por oportuno, que o quórum exigido para a aprovação do impeachment é de dois terços dos senadores. Aprovado o impeachment, o ministro é imediatamente destituído do cargo e pode ser inabilitado para exercer funções públicas por até cinco anos.

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Não há dúvida que os crimes de responsabilidade são instrumentos essenciais para assegurar que os ministros do STF cumpram seus deveres com integridade e imparcialidade. A possibilidade de impeachment serve como um mecanismo de controle e equilíbrio, garantindo que o Poder Judiciário atue dentro dos limites constitucionais e legais, preservando a confiança pública no sistema judicial.

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No entanto, temos que tomar muito cuidado para que não sirva de mecanismo para atacar desafetos políticos ou mesmo ministros da Suprema Corte que tenham posicionamento jurídico diverso. Oxalá os Senadores tenham sabedoria para não criarem uma instabilidade institucional sem precedentes no país.

Não pode esquecer que os processos de ruptura democrática se iniciam, invariavelmente, com o enfraquecimento do Poder Judiciário, como ocorreu na Hungria com o primeiro-ministro ditador Viktor Orbán, que é um dos grandes baluartes da extrema-direita. Orbán ensinou o caminho das pedras, arruinando a independência da Corte Constitucional para instaurar sua “democracia iliberal” e aumentou o número de assentos da Suprema Corte húngara de 11 para 15 juízes, nomeando os quatro novos postos com juízes aliados. Além disso, ele também aprovou mecanismos para forçar a aposentadoria dos juízes mais antigos da Corte, com o nítido propósito de se livrar daqueles que não estavam alinhados com suas posições conservadoras. Com essas e outras medidas, Orbán enfraqueceu o Judiciário húngaro, alterando o equilíbrio entre os Três Poderes.

As semelhanças das ações engendradas pelo ditador húngaro, objetivando enfraquecer a corte suprema daquele país, com as principais bandeiras defendidas pelos bolsonaristas, não são meras coincidências, mas métodos para a ruptura democrática.

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Marcelo Aith
Advogado criminalista. Mestre em Direito Penal pela PUC-SP. Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP. Especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca. Foto: Arquivo pessoal
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