Na era digital, a democratização dos investimentos tem sido uma das marcas do século XXI. A disponibilidade de variados produtos financeiros, como as criptomoedas e as ações, está em ascensão. A barreira de entrada para novos investidores nunca foi tão baixa. No entanto, essa mesma acessibilidade criou uma arena perfeita para fraudadores que prometem altos retornos em curto prazo, mas que na realidade causam perdas significativas aos investidores.
Os números que cercam este universo de fraudes em investimentos impressionam. De acordo com pesquisas da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), o número de brasileiros afetados por investimentos fraudulentos passou de 11%, em 2019, para 13,9%, em 2021, representando um aumento de aproximadamente 1,3 milhão de pessoas em um único ano. Além disso, um estudo revelador do Instituto de Proteção e Gestão do Empreendedorismo e Relações de Consumo (IPGE) identificou que mais de 1.300 empresas de investimento fraudulentas estão operando no Brasil, coletando aproximadamente R$ 1,07 trilhão nos últimos cinco anos. Para se ter uma ideia da magnitude desse valor, ele equivale a um sexto do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Se o gigantismo representado por esses dados já choca, o que nos alarma mais é a resposta das autoridades diante desse problema, que ainda tem sido tímida. Entre 2018 e 2022, menos de 60 medidas assecuratórias foram implementadas pela Polícia Federal e polícias estaduais, criando um ambiente propício para o florescimento dessas atividades ilegais. Essa aparente inércia gera uma preocupante sensação de impunidade e que, somada à baixa barreira para entrada de novos investidores, alimenta ainda mais os esquemas fraudulentos. O cenário se complica quando esses fraudadores transferem recursos para contas no exterior, tornando a recuperação dos ativos uma missão quase impossível.
A complexidade e a lentidão do sistema judicial brasileiro também contribuem para a desistência das vítimas em buscar reparação. Perceba: a mesma pesquisa da CNDL e do SPC Brasil indica que tão somente 31% das vítimas conseguiram recuperar parte do seu investimento. Deste grupo, apenas 14% o fizeram com prejuízo, e menos de 10% conseguiram recorrer à justiça para tal. A estigmatização social e o desconhecimento sobre o funcionamento do sistema judicial são outros fatores que desencorajam as vítimas e, como resultado, encorajam ainda mais os mentores e operadores de golpes.
Estamos diante de um cenário desafiador. Se existe interesse em muda-lo, é fundamental que haja uma ação coordenada de todos os setores da sociedade, que começa com iniciativas de educação financeira, de modo que cada brasileiro busque informações e entenda minimamente como funciona os investimentos e suas peculiaridades, passando pelo legislativo e órgãos regulatórios do sistema financeiro, chegando às autoridades policiais e ao judiciário, que necessita endurecer as penas para coibir ou ao menos desencorajar que fraudadores surjam e criem seus impérios com tantas vítimas.
A impunidade não pode ser o status quo em um país onde milhões de pessoas estão vulneráveis a serem as próximas vítimas. É hora de colocar um fim a esse império da impunidade e restabelecer a confiança na justiça brasileira.
*Jorge Calazans é advogado criminalista, sócio do escritório Calazans e Vieira Dias e especialista na defesa de investidores vítimas de fraudes financeiras
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.