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Opinião|Independência judicial e aposentadoria compulsória

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convidado
Por Frederico Mendes Júnior

Ao estabelecer, em seu artigo 2º, a independência e a harmonia entre os Poderes como fator organizador da República, a Constituição não se referiu ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário de modo abstrato. Pelo contrário: o princípio se destina à aplicação concreta – aos homens e às mulheres que ocupam cargos públicos, por meio dos quais protege a sociedade. Ninguém mais do que o cidadão se beneficia da atuação de um magistrado autônomo e livre (capaz, portanto, de realizar um exame isento de suas demandas).

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No caso do Judiciário, a independência é imprescindível, pois a atribuição primordial deste, conforme o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição, é apreciar “lesão ou ameaça a direito” – incumbência que coloca o juiz em contato direto com os conflitos cotidianos da população. É para decidir imune às pressões de qualquer natureza, tendo como norte apenas as leis, que o magistrado dispõe de prerrogativas: sem elas, inexiste prestação jurisdicional efetiva, porque a própria independência fica sob risco.

Entre as garantias dos juízes destacam-se a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídio (incisos I, II e III do artigo 95 da Constituição). Tais salvaguardas dão ao magistrado a segurança de que, amanhã, não terá comprometido o próprio sustento, senão por ordem judicial. Em outras palavras: graças às prerrogativas, o juiz pode se dedicar sem amarras e coações ao encargo de julgar.

Um magistrado temeroso da exclusão do serviço público não desfrutará de condições para firmar posicionamentos contrários aos interesses dos detentores do poder – seja burocrático, político, econômico ou de mobilização da opinião pública. A história é repleta de episódios em que juízes foram destituídos para dar lugar a nomes favoráveis aos mandatários de turno (do Brasil do regime militar a El Salvador e à Venezuela atuais). A vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibilidade de subsídios formam, nesse sentido, um verdadeiro escudo protetor do Estado Democrático de Direito.

Vitalícios, magistrados não podem ser demitidos quando desagradam, no curso dos julgamentos, setores ou atores influentes. Inamovíveis, não se sujeitam a transferências repentinas em razão de veredictos indesejáveis. Com o subsídio irredutível, não precisam se preocupar com perdas financeiras por retaliação ou intimidação. Tal disposição de garantias, assentada pelo constituinte de 1988, reflete, inevitavelmente, na qualidade dos serviços oferecidos ao público.

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A aposentadoria compulsória com recebimento de proventos proporcionais ao tempo de contribuição é uma opção acertada, porquanto opera com equilíbrio: ao passo em que afasta o suposto infrator do exercício da função, preserva-lhe o direito à aposentadoria, usufruída por todo trabalhador. Não se trata de benefício inadequado, mas de contrapartida aos aportes à previdência oficial. Ademais, a hipótese de retenção desses valores caracteriza um inadmissível enriquecimento indevido do Estado.

A ânsia de se combater a impunidade em um país historicamente assolado pelos malfeitos desvia, por vezes, o foco do debate das reais causas dos problemas: o número de juízes aposentados por medida administrativa é irrisório – e nem de longe se configura como um dos diversos gargalos que atrapalham a distribuição de justiça no Brasil.

Condutas desviantes de magistrados já estão sujeitas à lei, a exemplo daquelas cometidas por quaisquer outros profissionais. Acusados, juízes respondem perante os tribunais, administrativa e criminalmente – e muitos são condenados até mesmo a uma pena de prisão, além da perda da aposentadoria. Tudo isso após o devido processo legal, resguardada a ampla defesa e a apresentação do contraditório.

Tergiversações sobre temas desimportantes nada ajudam na resolução de disfunções como a falta de infraestrutura material e humana das cortes e as circunstâncias de ameaça em que vivem inúmeros magistrados. Mais do que projetos punitivistas isolados, o Sistema de Justiça carece de uma cultura de responsabilidade compartilhada, para a qual devem concorrer também autoridades do Legislativo e do Executivo. Somente assim vamos assegurar que o Judiciário continue a cumprir seu papel na tutela dos direitos fundamentais – que é o que interessa ao cidadão.

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Frederico Mendes Júnior
Presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB)
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