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Opinião|Infortúnio não é crime

Pois Mauá se dedicou a esse exercício, sem deixar de lutar, bravamente, para indenizar aqueles que restaram prejudicados pelo seu insucesso. Sim, Mauá entrou na fase que hoje se chama ‘recuperação judicial’, faliu e foi reabilitado. Porque honrou seus débitos e satisfez seus credores

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convidado
Por José Renato Nalini

A releitura da autobiografia de Irineu Evangelista de Sousa, o Visconde de Mauá, produz uma reflexão instigante. Quem é hoje, dentre os empresários que foram mal sucedidos em seus negócios, que se propõe a escrever um alentado volume que chamou de “Exposição aos credores”?

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Desconheço. Se alguém conhecer, por favor, corrija a minha ignorância.

Pois Mauá se dedicou a esse exercício, sem deixar de lutar, bravamente, para indenizar aqueles que restaram prejudicados pelo seu insucesso. Sim, Mauá entrou na fase que hoje se chama “recuperação judicial”, faliu e foi reabilitado. Porque honrou seus débitos e satisfez seus credores.

No seu livro, narra os seus pendores para ganhar dinheiro: “Na primavera da vida havia eu já adquirido, por meio de infatigável e honesto labor, uma fortuna que me assegurava a mais completa independência”.

Depois de décadas de trabalho e empreendimento, viu-se “atirado ao banco dos acusados. A explicação das causas que possam ter influído no desastre, que eu considero grande, porque não sou o único que sofre, e os interesses de terceiros afetados tocam-me no fundo da alma”.

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A explicação é um direito e um dever. “Na idade avançada em que me acho” (estava com 65 anos), “não posso ter outro objeto em vista senão salvar do naufrágio aquilo que para mim vale mais do que quanto ouro tem sido extraído das minas da Califórnia - um nome puro, pois persisto em acreditar que o infortúnio não é um crime”.

Relaciona as empresas que criou ou que ajudou a criar e para as quais trabalhou por mais de trinta e dois anos: Estabelecimento da Ponta da Areia, Companhia de Rebocadores para a barra do Rio Grande, Companhia de Iluminação a gás do Rio de Janeiro, Serviços prestados à política do governo imperial no Rio da Prata, a pedido dos ministros, Companhia Fluminense de Transportes, Banco do Brasil, Companhia da Estrada de Ferro de Petrópolis, Companhia Navegação a Vapor do Amazonas, Serviços prestados à organização da Estrada de Pernambuco, em Londres, serviços prestados à realização da Estrada de Ferro da Bahia, Companhia Diques Flutuantes, Companhia de Cortumes, Companhia Luz Esteárica, Montes Áureos Brasilian gold mining Company, Estradas de Ferro de Santos a Jundiaí, serviços prestados à Companhia da Estrada de ferro D.Pedro II, Serviços prestados ao caminho de ferro da Tijuca, Botanical Garden’s Rail Road Co, Exploração da Estrada de Ferro de Paraná a Mato Grosso, Cabo Submarino, Abastecimento de água à capital do Império, Estrada de Ferro do Rio Verde, Banco Mauá & Cia., suas ramificações dentro e fora do país e Serviços prestados à agricultura.

Salienta que a lista não é completa, nem são nela contemplados serviços menos diretos prestados aos esforços de outros, no sentido de levar melhoramentos materiais ao país, aos quais ajudou, mas sem aparecer.

Em seguida, analisa cada empreendimento, com o intuito de restabelecer a verdade dos fatos, “explicando-os devidamente, e dando lugar a que meus inimigos gratuitos compreendam a enormidade de sua conduta, ou, se ainda continuarem em seus iníquos propósitos, venham impugnar qualquer desses fatos”.

Minucioso relato, atendo-se a pormenores, com exata menção a nomes e a cifras. Evidencia-se a sua vocação empreendedora e sua confiança na iniciativa privada: “Clama-se que no Brasil tudo se espera do governo e que a iniciativa individual não existe!”. E como não ser assim, se o cipoal normativo se esmera na elaboração de “péssimas leis preventivas e, quando estas não bastam a intervenção indébita do governo aparece na qualidade de tutor?”.

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Depois de extensa e consistente exposição, propõe-se a “resumir as causas de tão deplorável sucesso, que eu não posso deixar de acreditar, foi recebido com mágoa em todo o Brasil, e mesmo em mais de uma localidade no exterior; pois seria ingratidão de minha parte desconhecer que grande é o número dos que me fazem justiça, dentro e fora do país”.

Atribui a causa principal à indébita intervenção do poder executivo na organização da casa bancária. A segunda, são as leis financeiras que excluem a iniciativa individual e submetem todos à tutela governativa. “A terceira causa (lamento profundamente ter de enumerá-la) assenta em algumas decisões injustas dos tribunais do meu país, sem dúvida por equivocadas apreciações”.

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José Renato Nalini
Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e secretário executivo das Mudanças Climáticas de São Paulo. Foto: Felipe Rau/Estadão
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