O Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República mediram forças nesta terça-feira, 16, por causa do inquérito aberto pela Corte com o pretexto de apurar fake news e divulgação de mensagens nas redes sociais que atentem contra a honra dos ministros. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mandou arquivar a investigação. Quatro horas depois, porém, ela foi desautorizada pelo relator, ministro Alexandre de Moraes, e pelo presidente da Corte, Dias Toffoli, que prorrogou o inquérito por mais 90 dias.
O impasse institucional foi parar nos autos do processo. Raquel acusou o Supremo de atuar como no antigo sistema penal inquisitório, quando o juiz tinha poderes para julgar, investigar e acusar ao mesmo tempo. A Constituição de 1988 separou essas atribuições. Moraes, por sua vez, chamou o documento de sete páginas que promoveu o arquivamento de "genérico", sem "qualquer respaldo legal", "intempestivo" e baseado "em premissas absolutamente equivocadas".
O inquérito é polêmico desde o início. O comum é que a Corte abra investigação quando provocada por outros órgãos. Mas, nesse caso, o presidente do Supremo determinou a instauração por conta própria. Toffoli ainda tomou duas outras medidas fora do padrão, embora respaldadas no Regimento Interno da Corte: não pediu providências ao Ministério Público e escalou Moraes relator sem fazer sorteio ou consultar colegas.
Essas atipicidades foram ressaltadas na manifestação da procuradora-geral como motivos para determinar o arquivamento. Além de Moraes, o entendimento de outros colegas dele na Corte é de que Raquel não tem poderes para arquivar o inquérito aberto de ofício (sem ser provocado) pelo Supremo.
Ministros também ironizaram a ameaça de que, se seguirem adiante com o inquérito, o Ministério Público não vai apresentar denúncia, o que tornará a investigação inócua. Dizem que, até a conclusão das investigações, Raquel não deverá mais ocupar o cargo. Além disso, possivelmente o resultado do inquérito irá para a primeira instância do Ministério Público.
Os magistrados dizem ainda que, se o inquérito reunir provas, o Ministério Público não tem como ignorá-lo, sob risco de ser acusado de prevaricação. Caso insista, é possível que as pessoas atingidas, no caso os ministros, apresentem uma ação penal subsidiária.
A reação de Raquel ao inquérito do Supremo levou em conta o ambiente conflagrado na Procuradoria por causa da disputa pela sua sucessão. O mandato dela termina em setembro e não há indicativo de que será reconduzida pelo presidente Jair Bolsonaro ao posto.
Pré-candidatos cobraram de Raquel uma posição diante de decisões tomadas no âmbito do inquérito que impuseram, na segunda-feira, 15, censura à revista Crusoé e ao site O Antagonista por reportagem que menciona o ministro Dias Toffoli e, neste terça, o cumprimento de buscas e apreensões na casa de investigados, sem que o Ministério Público tivesse acesso aos autos.
O Estado apurou que um dos focos do inquérito é apurar se a revista foi usada por procuradores da Lava Jato para atingir Toffoli no momento em que o tribunal toma medidas que contrariam a força-tarefa de Curitiba - o que, diz um ministro, tornaria a publicação coautora do crime de vazamento de informação sigilosa. Ou se apenas cumpriu seu papel de informar.
Plenário. A Procuradoria deve voltar a se manifestar no processo nos próximos dias. Uma das alternativas em estudo é recorrer para que a determinação pelo arquivamento seja analisada pelos 11 ministros. O resultado é considerado incerto. A Rede tem uma ação nesse sentido.
Nesta terça, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) entrou com habeas corpus preventivo para impedir que seus associados sejam obrigados a prestar depoimentos no âmbito do inquérito instaurado por Toffoli.
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