A regulamentação do lobby no Brasil avança a passos lentos. Desde a aprovação do PL 1202/2007, em 2022, na Câmara dos Deputados, não houve avanço significativo na tramitação desta proposta no Senado Federal. Enquanto isso, os riscos desse tipo de interação público-privada crescem. Por isso, é essencial que empresas avancem na adoção de medidas de integridade que promovam a transparência das atividades de lobby (ou representação de interesses privados) e que previnam a corrupção neste tipo de interação.
De fato, os riscos das atividades de lobby são bem conhecidos. O pagamento de propinas para a adoção de políticas públicas favoráveis a empresas foi identificado em diversas operações anticorrupção dos últimos anos. Casos de conflito de interesse também se multiplicam, com o uso de informações privilegiadas e exercício de influência indevida por agentes privados. Em última instância, o lobby sem transparência possibilita a captura das políticas públicas e do próprio Estado por interesses privados.
A preocupação com a integridade não deve, no entanto, se restringir à prevenção de práticas ilegais. Não são raros os casos de contradição entre as promessas feitas por empresas com relação à sustentabilidade e ao meio ambiente e sua atuação via lobby, quando promovem políticas públicas com graves impactos ambientais. Nesses casos, empresas impactam mais o clima e o meio ambiente por meio de suas atividades de lobby, do que por meios de suas emissões de gases do efeito estufa. Não é por outra razão que ‘acionistas ativistas’ têm demandado, de dentro, que as empresas adotem medidas de transparência com relação às suas atividades de lobby.
Preocupa-se, também com a percepção produzida por estas interações quando ocorrem de modo opaco. A desconfiança de parte significativa da população - 75% dos brasileiros acredita que o governo é controlado por alguns poucos para beneficiá-los - com relação a quem de fato controla as máquinas do poder é combustível para lideranças autoritárias e populistas, às quais o Brasil já se mostrou vulnerável.
Iniciativas de autorregulação já começaram a surgir no Brasil e endereçam aspectos destes problemas. No âmbito dos Indicadores Ethos ASG, recomenda-se, por exemplo, que o código de conduta da empresa apresente regras explícitas sobre o relacionamento com agentes públicos e que a sua política de integridade prevê orientações específicas para a realização de reuniões e atividades com estes agentes.
Adicionalmente, sugere-se que empresas mantenham controle de todos os empregados responsáveis pelo envolvimento com o poder público e registro de suas participações no desenvolvimento de políticas públicas. Essa recomendação pode se aplicar também a terceiros, com firmas de consultoria contratadas para desempenhar atividades de relações governamentais. As empresas devem documentar e formalizar sua atuação com o poder público, incluindo com pauta, principais deliberações e lista de participantes, publicadas em ata ou documento similar, além de publicar estas atas destas reuniões nos sites das empresas.
No âmbito do Pacto Global das Nações Unidas, o Movimento Transparência 100%, ao qual mais de 70 empresas já aderiram, prevê que seja dada transparências às interações público privadas. Isso inclui a publicação sobre temas de influência de políticas públicas em relação aos quais a empresa foca sua incidência e seu posicionamento com relação a estes temas e a publicação das interações relevantes com agentes públicos. A Controladoria-Geral da União também recomenda, por meio do Selo Empresa Pró-Ética, que empresas estabeleçam orientações e controles sobre temas como realização de reuniões, encontros e outros tipos de interação entre administradores e empregados da empresa com agentes públicos.
Apesar da morosidade das discussões sobre o tema no Congresso Nacional, o governo federal já avançou no sentido de promover a transparência das interações público-privadas. Em esforço de regulamentação da Lei de Conflito de Interesses, que já previa a transparência das agendas de autoridades públicas, o Decreto nº 10.889, de 2021, instituiu o E-agendas. Trata-se de plataforma para o registro e para a divulgação dos compromissos públicos destas autoridades. São publicizadas as seguintes informações sobre audiências de que participam agentes públicos e representantes de interesses privados (lobistas): assunto, local, data, horário, lista de participantes, identificação do representante de interesses e descrição dos interesses representados.
Estas regras, no entanto, continuam majoritariamente restritas ao nível federal. Avaliações recentes realizadas pela Transparência Internacional Brasil apontaram que, no nível estadual e municipal, são raros os entes da federação que publicam as agendas de compromissos públicos mesmo dos chefes do poder executivo. No poder judiciário, a situação não é muito diferente. Mesmo no âmbito do Supremo Tribunal Federal, são poucos os ministros que publicam suas agendas de compromissos públicos.
Apesar da ausência de uma regulamentação ampla sobre as atividades de lobby no Brasil, algumas iniciativas públicas e privadas já reconhecem que não é possível avançar em esforços de prevenção à corrupção sem endereçar os riscos que estas atividades oferecem. Em última instância, promover maior transparência e integridade nas interações entre lobistas e agentes públicos é também medida necessária – quiçá indispensável – para fortalecer a democracia brasileira.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica
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