Irmão Marginal, Coringa, Perturbado, Nariz, Festinha, Nobru e Buchecha são alguns dos integrantes da organização criminosa que envolveria Gordão e Tarcísio Escobar de Almeida, antigos aliados do presidente nacional do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB) e articuladores informais da legenda de Pablo Marçal.
Integrantes do grupo são acusados de trocar carros de luxo por cocaína para o Primeiro Comando da Capital (PCC), financiando o tráfico de drogas em São Paulo e na Paraíba e dividindo os seus lucros. O Estadão teve acesso a áudios e transcrições de conversas inéditas dos investigados, que ampliam a acusação revelada na semana passada pela reportagem.
A reportagem não conseguiu encontrar as defesas de Irmão Marginal, Coringa, Gordão, Perturbado, Nariz, Festinha, Nobru e Rafinha. Procurado, Avalanche não atendeu a reportagem e a assessoria de imprensa da legenda não retornou. O presidente nacional do PRTB já disse ter rompido com Tarcísio Escobar de Almeida - um dos investigados pela Polícia por associação ao PCC. Pablo Marçal também foi procurado, mas não retornou. O candidato afirmou na segunda-feira, 2, durante o programa Roda Viva, que não pode responder pelo presidente do partido. “Não sou dono do partido e nem gerente. Não posso fazer uma coisa que chama ingerência (...) Geraldo Alckmin (PSB) teve a chance de acabar com o PCC e foi um ‘bunda mole’. Ele deixou o PCC se proliferar nessa cidade. O PCC tomou posto de gasolina, tomou televisão, tomou partido”, disse durante o programa. Em vídeo em sua rede social, Escobar disse que as acusações são mentirosas e que sempre atuou para melhorar a vida de moradores da periferia.
A apuração da Delegacia de Investigações Sobre Entorpecentes (DISE), da Delegacia Seccional de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, começou em 6 de agosto de 2020, quando os policiais apreenderam com Francisco Chagas de Sousa, o Coringa, dono de uma adega na zona leste de São Paulo, uma arma, drogas, um telefone celular e um pen drive. Segundo a polícia, no pen drive havia “material relacionado ao controle de integrantes do PCC”.
Ela envolve Tarcísio Escobar de Almeida, ex-presidente estadual do PRTB, partido pelo qual o influenciador digital disputa a Prefeitura de São Paulo, e Júlio César Pereira, o Gordão, sócio de Escobar que também participou de eventos do PRTB. Gordão e seu sócio eram homens de confiança de Leonardo Alves Araújo, o Leonardo Avalanche, presidente nacional do PRTB e fiador da candidatura de Marçal.
De acordo com os novos áudios, à 0h44 do dia 5 de dezembro de 2020, o acusado Rafael Silva Peixoto, o Rafinha ou Buchecha, conversa com Gordão. Segundo a polícia, os dois teriam “funções de comando” na organização. “Eles assumem na sobredita facção criminosa tarefas tais como intervir em litígios diversos ocorridos na região que atuam, controlar batismos e contabilidade de mensalidades de integrantes da facção e participar ativamente das ‘ideias’ (espécie de audiência para resolver conflitos de interesse da facção criminosa)”, escreveram os policiais.
No áudio do dia 5, eles discutem porque Gordão havia sido “barrado por um ‘vapor’ (funcionário de um ponto de venda de droga) na biqueira pertencente a Magrão (Helder Alves Barbosa)”. Gordão tirou satisfação com Barbosa “indignado com o comportamento do ‘vapor’, o qual não poderia ter agido daquela forma dado o seu posto no Comando”.
No dia 24 de dezembro de 2020, Rafinha conversa com Magrão, aliado de Gordão. Aqui segue o diálogo transcrito pelos investigadores da Delegacia de Mogi:
- Rafinha (Buchecha): Ô parça. Eu queria pegar umas dez da rosinha (eppendorf de cocaína). Será que dá?
- Magrão: ‘Caraio’, aí é foda você, hein. Por que você não falou antes, ‘caraio’. Aí eu já saía com elas no bolso. Tá lá em casa, lá.
- Rafinha: Ah, outra fita. Os moleques acabou de me dar um salve aqui. Que a loja tá sem lança (lança perfume). Abastecer lá também, aí se der pra pegar. Vê como é.
- Magrão: Você é louco, acabei de deixar duzentos lá (duzentas porções de lança perfume). Como tá sem?
- Rafinha: Então fala pro Linguine ir lá, pro Linguine levar lá porque os moleque acabou de me dar um toque.
- Magrão: Tô indo agora. Nobru (Bruno Nunes da Costa, que atuaria no Jardim Lajeado, na zona leste de São Paulo) me mandou uma parada aqui. Esse Linguine tá tirando. Tá atravessando a parada, mano. Tá fazendo correr por fora da loja (ponto do tráfico). Ele falou que não tem vidrinho, certo mano. E deu um tipo baratinho daqueles que a gente enche as paradas, tá ligado? De 500 ml pros moleque vender por fora, tá ligado? Na quantidade, mano. Eu vou subir lá. Nobru me mandou aqui agora foto aqui que tá lá já. Vou encostar lá
- Rafinha: Tem que dar uma par de soco na cara dele!
Para a polícia, o curto diálogo é mais uma prova que confirma a participação dos acusados no tráfico na região de Guaianases, na zona leste de São Paulo, onde Magrão venderia parte dos entorpecentes. No dia 4 de janeiro de 2021, Rafinha e Magrão conversaram com outro personagem do grupo: Albert Teles da Silva, o Perturbado.
- Magrão: Ei, deixa eu falar pra você. Você não cobra hoje não o Perturbado, mano. Pra ver se ele manda alguma merreca lá. O maldito só visualiza.
- Rafinha: Cobro, Magrão. Cobro! O cara não me atende. Já liguei pra ele hoje também. Chiquinho (Francisco das Chagas, o Coringa, já falecido) quer levar ele pra ideias (tribunal do PCC), parça. Quer que eu pilote as ideia porque ele meteu o louco nas caminhada. Ele não mostra. Não dá direção. Não tá me atendendo não, mano, Cobrar eu cobro. Cobrei ele 50 vez já...
- Magrão: É né. Malditão. Eu cobrei também ontem. Eu vou ver no que vai dar.
- Rafinha: Tem que mandar umas mensagens mesmo. Que ‘irmão’ (membro do PCC) mais sem futuro que é esse aí. Você é louco... Tem logo que dar uma escrachada, foda-se. É sem futuro mesmo. Tá devendo e não paga. Fala logo uns bagulho c.... Pra ver se ele morde... Pelo menos ele fala alguma coisa...
Lavagem de dinheiro nos aplicativos
Outro bandido interceptado pelos policiais é Felipe Jerônymo Oliveira, o Nariz. Em 1º de fevereiro de 2021, Nariz saiu da cadeia após responder por tráfico de drogas por ter sido preso em flagrante pelo Departamento Estadual de Investigações sobre Narcóticos (Denarc). Ele seria sócio, segundo a investigação de Mogi, de Rafinha. Ambos investiriam na compra de veículos para serem alugados a motoristas de aplicativos a fim de lavar dinheiro do tráfico de drogas.
No dia 25 de fevereiro de 2021, Nariz envia uma mensagem para Rafinha dizendo: “Achei o mano que gravou lá os vídeo do final do ano. Ele tá sequestrado e vamo tá esperando só vc pra dar continuidade (sic)”. E conclui escrevendo: “kkk”. Rafinha responde: “Já era, ‘pocas’ (ideias)”.
De acordo com a polícia, fica explícito que o indivíduo estava sequestrado para ser julgado pelo tribunal do crime. A vítima não foi identificada pelos policiais. Normalmente, pessoas executadas pela facção após serem “julgadas” são enterradas em cemitérios clandestinos.
Os dois voltam a tratar de assuntos da facção no dia 15 de março, quando comentam a situação de um bandido que estaria devendo dinheiro para os traficantes. Nariz disse então a Rafinha que conseguiu o telefone do “disciplina” para colocar “o Gordinho no prazo (lista de devedores do PCC)”. Rafinha então responde: “Já era”. No mesmo dia, às 17h56, os dois comentam que vão adiar uma entrega de drogas:
- Rafinha: Eu não sei se é bom não, viu mano. Tá cheio de Baep (Batalhão de Operações Especais, da PM), mano. Lotado, trombei umas quatro (viaturas). E a Rota também tá na quebrada.
- Nariz: Já era, tá ligado... Deixa pra amanhã
Rafinha e Gordão manteriam o comando de um grupo no Jardim Lajeado e em Guaianases, ambos bairros da zona leste, e em Mogi das Cruzes. No primeiro, atuaria Bruno Nunes da Costa, o Nobru. No dia 7 de fevereiro de 2021, Rafinha enviou um áudio para Nobru no qual uma mulher pedia ajuda da facção para resolver uma briga de mulheres, ocorrida no bairro. A mulher pede a Nobru se ele poderia ir até a casa da agressora para “cobrar uma atitude”. Há ainda um vídeo em que a mulher solicita uma “audiência”.
Rafinha repassou o vídeo a Nobru que respondeu que não ia “resolver essa fita” (o caso) no mesmo dia, mas que ia “chutar a fita para o disciplina resolver”. Disciplinas são os integrantes da facção responsáveis por impor a ordem do crime em uma região. A conversa demonstraria, para a polícia, o controle exercido pelo PCC em comunidades pobres da periferia da capital e ação do grupo investigado.
Outro caso que atestaria o poder paralelo do grupo na comunidade é um diálogo entre Rafinha e Danilo, no qual o chefe alerta ao subordinado que o “Comando tem um estatuto que os membros respeitam”. Por fim, Rafinha se irritou e disse que se Danilo (a reportagem não publicará seu nome completo) não comparecesse à reunião, iria “ser decretado, ou seja, sentenciado à morte por causa de sua “dívida”. Outro que é ameaçado de novo por Rafinha é o bandido Perturbado. “Tinha de meter esse Perturbado no prazo, esse safado.”
Carros de luxo e o ‘Irmão Marginal’
Os carros de luxo obtidos pelo grupo eram trocados, segundo a polícia, por cocaína com Marcos Francisco de Oliveira, o Gordão de Umuarama. Oliveira teve suas conversas interceptadas pela polícia. Em uma delas, ele conversa com um bandido identificado como Irmão Marginal. A perícia encontrou no celular do acusado conversas nas quais “fica claro que Marcos tem total envolvimento com a organização criminosa, sendo inclusive cobrado no ‘prazo’ e cobrado por ‘irmãos’”. Irmão Marginal é quem faz a cobrança. Ele aparece em duas outras conversas por meio de aplicativo, em 2021.
- Irmão Marginal: Eae zika. Tamo junto meu irmão. Zika, dá uma atenção, ajuda. Manu tem um sintonia aqui.
- Oliveira: Quem?
- Irmão Marginal: Pra uma condução eu cheguei aí em você nesses dias, mano.
- Oliveira: Chegou irmão, chegou sim. Mas de qual condução que é a fita? Do Paulinho? É do Dololô que falou comigo e que deu prazo? Eu não sei qual é.
- Irmão Marginal: Já tá na sua casa, mano. Isso dá prazo mesmo, parceiro.
- Oliveira: Ô irmão, eu tô pra estrada, viajando. Mas qual é as ideia, parceiro? Não tinha combinado um prazo lá?
- Irmão Marginal: Verdade, irmão. Porém já tá chegando né.
Uma semana depois, Irmão Marginal manda mensagens de áudio de novo para Oliveira e cobra dele o cumprimento do prazo para quitar a dívida com a facção. Oliveira diz que não fala em linha telefônica para escapar do grampo.
- Irmão marginal: ‘Nois’ vai fazer o procedimento de condução sua de prazo.
- Oliveira: Tô dando atenção.
- Irmão Marginal: Pra vc vim na linha.
- Oliveira: Tô dando atenção sim, mas não é a hora que você chama, porque você chama na mesma hora quer eu tenho de responder não. Eu tô na estrada meu parceiro. Eu só tenho esse número aí. Eu não tenho número. Eu não falo em linha não parceiro.
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