Como vastamente alardeado na imprensa, a Câmara do Deputados fez aprovar a urgência da votação do PL 3.968/97, que isenta, entre outras entidades, hotéis e igrejas do pagamento de direitos autorais a músicos, intérpretes e compositores.
Pegando uma carona no ânimo pelo debate, em 31 de julho último foi submetido ao Congresso novo projeto de lei que isenta museus do pagamento de direitos de autor pelas obras ali expostas de forma permanente. O Projeto de Lei 4.007/2020 propõe alteração do artigo 46 da Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/1998), de modo que deixe deconstituir ofensa aos direitos autorais "a utilização, por museus, de imagens das obras protegidas por direitos autorais sob sua guarda, em todas as mídias e suportes existentes ou que venham a ser criados, em ações educativo-culturais, de difusão, de acessibilidade, de inclusão, e de sustentabilidade econômica, desenvolvidas no âmbito dos museus."
A justificativa trazida pelo autor da proposta, o senador Chico Rodrigues (DEM-RR), é a de que a pandemia e a desaceleração econômica agravaram ainda mais o cenário de restrição orçamentária sofrido pelo setor de museus, de modo que a medida trará mais segurança jurídica e agilidade aos museus na utilização das obras protegidas por direitos de autor.
Entretanto, o escopo do PL possui vasta amplitude, isentando de pagamento de direito autoral quaisquer ações, desenvolvidas no âmbito dos museus privados ou públicos, de "difusão" e de "sustentabilidade econômica". Trata-se de autorizar todo e qualquer museu, público ou privado, a usar a imagem das obras em qualquer mídia sem qualquer remuneração ao artista. Ou seja, os museus passariam a explorar comercialmente as obras dos artistas em folders, calendários, souvenirs e até mesmo na internet sem que nenhuma remuneração seja compartilhada com seu criador, que tem na arte a base de seu sustento.
É louvável a intenção de contribuir para a sustentabilidade econômica dos museus, mas fazê-lo às custas dos direitos da própria classe artística, não parece (ao menos na visão do artista), a melhor forma de solucionar a restrição orçamentária.
A solução também parece afrontar a regra da reciprocidade, contida em acordos dos quais o Brasil é signatário. A própria diretiva Europeia admite exceções a museus, bibliotecas e instituições de ensino no mundo, mas desde que o ato esteja relacionado ao ensino ou difusão da cultura e não tenha como objetivo uma vantagem econômica direta ou indireta.
Ora, é natural que a proteção autoral necessite de adaptação e releitura frente às inovações tecnológicas e sociais, sobretudo no que tange a locais que necessitem da presença física de seus visitantes, como museus. Contudo, não é razoável abrir tamanha exceção para que museus possam se utilizar de obras de terceiros em todas as mídias e suportes existentes com finalidades abrangentes, sob o argumento que tais obras são preservadas com recursos públicos - até porque, o Projeto não se limita a museus públicos. Em todo o caso, seria o mesmo que garantir a um estádio de futebol que use gratuitamente a imagem dos jogadores tão somente por ser preservado com o dinheiro público. Ou obrigar o pipoqueiro a compartilhar seus proventos com a praça.
Ainda que entendamos que a proteção autoral deva ser flexibilizada frente ao interesse social e ao desenvolvimento cultural, faz-se necessário compreender que os estímulos à cultura devem respeitar não apenas a lei, que garante a proteção ao direito do autor como cláusula pétrea (e, portanto, intocável) da Constituição Federal, como a própria "sustentabilidade econômica" do artista, sem o qual não há sequer legado cultural.
*Leticia Provedel e Maria Isabel Tolipan, sócias da área de entretenimento do escritório Souto Correa Advogados
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