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Ives Gandra: Decisão de Toffoli servirá para punir Moro e Deltan pela Lava Jato

Em entrevista ao Estadão sobre a decisão de Dias Toffoli que afirmou que condenação de Lula foi ‘erro judiciário’ e anulou provas da leniência da Odebrecht, jurista Ives Gandra Martins argumenta que, após a sentença de Moro no caso triplex, três desembargadores do TRF-4 e cinco ministros do STJ mantiveram a punição; ‘será que todos os desembargadores e ministros, quando examinaram aquelas provas, não perceberam isso?’

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Atualização:
O jurista Ives Gandra da Silva Martins Filho Foto: Filipe Araujo/Estadão

O jurista Ives Gandra da Silva Martins avalia que a ‘consequência prática’ da decisão assinada nesta quarta, 6, pelo ministro Dias Toffoli – classificando como ‘um dos maiores erros judiciários da história’ a prisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Lava Jato – será uma eventual punição aos expoentes da Operação, o senador e ex-juiz Sérgio Moro e o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol.

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Mais que uma responsabilização dos algozes de Lula, a decisão de Toffoli, na avaliação de Ives Gandra, poderá provocar o surgimento de um ‘efeito cascata’ que cairá na conta do contribuinte. Ele se refere às empreiteiras que formaram cartel para abocanhar contratos bilionários na Petrobrás entre 2003 e 2014 (Governos Lula e Dilma). Por meio de acordos de leniência, entre elas o da Odebrecht, essas construtoras recolheram cifras elevadas aos cofres públicos. Agora, no entendimento de Ives, com embasamento na decisão de Toffoli, elas podem requerer eventual devolução do dinheiro.

Em seu despacho, Toffoli anulou as provas derivadas do acordo de leniência da Odebrecht. O real impacto sobre a decisão do ministro ainda não está claro e deve depender da fundamentação das decisões dos juízes de primeiro grau que citaram as informações ligadas ao ‘departamento de propinas’ da empreiteira.

“Tenho a sensação que essa decisão vai ter consequências”, alerta Ives, em entrevista ao Estadão. “Tenho impressão que as próprias empresas que foram obrigadas a devolver dinheiro têm direito a indenização por danos morais, em razão da desmoralização, do prejuízo.”

“No momento que fica tudo anulado as empresas podem pedir a devolução do dinheiro (pago via acordo) e até anulação de multas aplicadas, além de interromperem pagamentos futuros. As consequências dessa decisão são de que tudo é imprestável, aquilo não aconteceu”, ressaltou.

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Ives Granda destaca ‘respeito’ ao despacho do ministro do STF, mas faz um questionamento enfático, ao lembrar que, após a sentença aplicada pelo então juiz Sérgio Moro (na época titular da 13.ª Vara Criminal Federal de Curitiba), condenando Lula no caso triplex, também três desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4, o Tribunal da Lava Jato, em Porto Alegre) e ministros do Superior Tribunal de Justiça confirmaram a punição ao petista e nunca levantaram nenhuma dúvida sobre as provas reunidas nos autos.

“Será que todos os desembargadores e ministros, quando examinaram aquelas provas, não perceberam isso (alguma irregularidade?)”, argumenta Ives.

O jurista pondera que a decisão de Toffoli ‘é mais para não permitir mais que se argumente que ele foi absolvido por prescrição e não absolvido dos crimes’.

“Toffoli entendeu que todas aquelas provas estariam prejudicadas. Ao dizer isso, ele diz o seguinte: não só ele (Lula) foi absolvido porque houve a mudança de foro e o processo estava viciado, mas porque essas provas são inexistentes, inválidas. A essa altura, o que o Toffoli decidiu é que Lula não só foi absolvido por prescrição, mas foi absolvido porque os crimes não existiram, aquilo realmente não existiu”, indica.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista do jurista Ives Gandra da Silva Martins ao Estadão, nesta quinta-feira, 7.

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ESTADÃO: Como o sr. vê a decisão do ministro Dias Toffoli?

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IVES GANDRA: Um pouco do histórico para que se possa entender a linha que se está adotando. Houve a Operação Lava Jato. O Mensalão e o Petrolão existiram, são fatos incontestáveis. O Petrolão, o Supremo veio a decidir depois de três desembargadores do TRF-4 e ministros do STJ entenderem que aquelas provas, delações premiadas teriam que ser aceitas e os políticos condenados. Dessa forma, o ministro Edson Fachin, em uma primeira etapa, em embargos de declaração em habeas corpus – que pode ser feito até por um não advogado – considerou que o foro era incompetente e aquelas decisões não poderiam valer.

Logo em seguida, em outro recurso – os advogados souberam explorar todas as possibilidades de recursos – o entendimento, seguindo o voto do ministro Gilmar Mendes, foi o de que todo o processo teria sido viciado com a suspeição do juiz Sérgio Moro. Por essa razão anulou-se o processo. Tanto a decisão do Fachin como a do Gilmar mostrando as irregularidades que teriam havido na 13.ª Vara Federal de Curitiba (sob titularidade de Sérgio Moro) quando o Lula foi condenado. Mais tarde, o ministro Ricardo Lewandowski proibiu a utilização das provas de corrupção.

ESTADÃO: No caso triplex havia provas?

IVES GANDRA: A sentença que foi dada no caso do tríplex tem 230 páginas. Então, há bastante provas materiais colocadas entre depoimentos, testemunhas e fotografias. Mas o ministro Gilmar entendeu que o processo foi prejudicado pela forma como o Ministério Público (força-tarefa da Lava Jato na Procuradoria da República no Paraná) e oe o juiz (Moro) trabalharam juntos. Ricardo Lewandowski não permitiu a utilização das provas, considerando que o processo foi prejudicado por essas irregularidades. E Fachin tinha liberado o habeas corpus apresentado por Zanin.

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Os processos foram se extinguindo por prescrição, por causa da idade do Lula e da duração (do processo), o que representou, em última análise, uma permanência das provas que não puderam ser utilizadas. A absolvição de Lula se deu por decurso de prazo, pela impunibilidade.

ESTADÃO: Em seu entendimento, o que Toffoli fez agora?

IVES GANDRA: O que fez o Toffoli agora: ele entendeu que todas aquelas provas estariam prejudicadas. Então, ele considera que tudo foi ilegal, inclusive aquelas denúncias de delações premiadas. Ele quer dizer: não só ele (Lula) foi absolvido porque houve a mudança de foro e o processo estava viciado, mas também porque essas provas são inexistentes, inválidas. A essa altura, o que o Toffoli decidiu é que Lula não só foi absolvido por prescrição, mas porque os crimes não existiram, aquilo realmente não existiu.

ESTADÃO: O que a decisão representa?

IVES GANDRA: O que fica é saber: será que todos os desembargadores (TRF-4) e ministros (STJ), quando examinaram aquelas provas, não perceberam isso (irregularidades)? Pessoalmente não posso opinar, não tive materialmente o processo, mas posso dizer que o julgamento do TRF-4 me impressiona muito. Respeito muito a decisão do ministro Dias Toffoli. É uma decisão de 131 páginas dentro das linhas que o STF tomou, mas do ponto de vista de julgamento exclusivamente jurídico e material daquilo que ocorreu, me impressiona muito o julgamento do TRF-4, porque são desembargadores extremamente dedicados, juristas, pelos quais tenho admiração. E lá eles aumentaram as penas do presidente, acharam que as penas, pelo material que eles examinaram, deviasm ser aumentadas.

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Apesar de respeitar a decisão de Toffoli considero tão importante a decisão do TRF-4, pelo aumento da pena, conhecendo a qualidade dos desembargadores. Aquele julgamento (do TRF-4), para mim, foi emblemático no caso. Apesar dos argumentos do ministro e do nosso respeito mútuo, me parece mais consistente a posição dos três desembargadores do TRF-4 que aumentaram a pena do presidente Lula. Essa decisão do ministro é mais uma decisão para não permitir que se argumente contra o presidente Lula, que ele foi absolvido por prescrição e não absolvido dos crimes.

ESTADÃO: Como fica a situação de Moro e Deltan?

IVES GANDRA: Agora vão punir Moro, Dallagnol e o Ministério Público. Foi criado um grupo para isso (na Advocacia-Geral da União), porque na verdade Lula já está absolvido. Respeito a decisão do ministro, mas considero emblemática a decisão do TRF-4 pela qualidade e conformidade da decisão tomada. Espero que isso não reverta contra toda a Lava Jato, que foi considerada a maior Operação de combate à corrupção da história do Brasil.

ESTADÃO: Quais os possíveis impactos do despacho de Toffoli?

IVES GANDRA: Tenho a sensação que essa decisão vai ter consequências. Tenho impressão que as próprias empresas que foram obrigadas a devolver dinheiro têm direito a indenização da União por danos, em razão da desmoralização, do prejuízo. Pode gerar um efeito de redução da Operação Lava Jato, mas todos aqueles que foram prejudicados com a decisão passam a ter direito de entrar com ação contra a União pedindo não só a devolução de valores como por prejuízos decorrentes às imagens. No momento que fica tudo anulado (as empresas) podem pedir a devolução do dinheiro, até anulação de multas aplicadas e, ainda, interromperem pagamentos (futuros). As consequências dessa decisão são de que tudo é imprestável, aquilo não aconteceu. A meu ver, a decisão do ministro Toffoli, na linha do que já havia sido tomado pelo Supremo, gera aos prejudicados direitos de indenização pelo governo federal. Reabre-se uma questão que, bem ou mal, havia sido solucionada pelo STF. Eu não estou condenando a decisão do ministro Toffoli, que está na linha que o STF adotou, que vai cada vez mais na linha de mostrar que o presidente Lula foi absolvido. Mas as consequências que isso traz, para o próprio Moro, é um senador que deve acabar investigado pelo grupo criado pela AGU.

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ESTADÃO: O sr. prevê um efeito cascata?

IVES GANDRA: Há um efeito cascata, com certeza. E esse nível em cascata vai na linha: houve corrupção, as provas foram anuladas, se entrarem com pedido de indenizações e devoluções quem irá pagar será o contribuinte. A linha de Toffoli está em linha com Fachin, Gilmar, Lewandowski e o próprio STF. Agora se verá as consequências através daquilo que vai ser apurado.

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