O juiz Diego Paes Moreira, da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, extinguiu ação penal contra investigados supostamente ligados a um 'banco do crime' - responsável por lavar dinheiro do tráfico de drogas e da corrupção - após a morte de um delator que forneceu detalhes sobre o esquema: o piloto Felipe Ramos Morais. O magistrado considerou que o acordo estava 'fragilizado' ante suspeitas de que Felipe teria sido coagido a fechar a delação, o que não pode ser mais verificado com sua morte.
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LEIA O DESPACHOFelipe é apontado como o piloto que transportou de helicóptero, em 2018, os líderes do PCC Rogério Jeremias de Simone, o 'Gegê do Mangue', e Fabiano Alves de Souza, o 'Paca', sendo que logo em seguida eles foram mortos a tiros em Fortaleza, no Ceará. Ele morreu durante uma operação da Polícia Militar em Abadia de Goiás no dia 17 de fevereiro.
A delação de Felipe foi uma das bases de operação da Polícia Federal que mirou crimes de lavagem de capitais e de evasão de divisas de montantes oriundos do tráfico internacional de drogas - a 'Tempestade', deflagrada por ordem da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.
A ofensiva foi aberta em maio de 2021 contra grupo que realizou operações financeiras atípicas superiores a R$ 700 milhões em benefício de alvos antigos de ofensivas da PF, como as Operações Navalha, Prato Feito e Zelotes. A investigação foi derivada da Operação Rei do Crime, deflagrada em 2020 contra 'importante e sofisticado' braço financeiro do PCC.
Na esteira da Tempestade foi aberta uma ação penal contra doze investigados, que contava com a delação de Felipe como um dos elementos de prova. O processo, porém, acabou suspenso após o piloto participar de uma audiência na Justiça Federal de Pernambuco e declarar 'ter sido forçado, torturado e pressionado pelos policiais federais a realizar a colaboração premiada'.
Tal sobrestamento só terminaria quando fossem apuradas as declarações de Felipe, que poderiam comprometer os requisitos de validade de sua delação. O piloto narrou à Justiça Federal em Recife 'que em seu acordo foi induzido a relatar fatos sobre os quais não tinha conhecimento'.
No entanto, com a morte do colaborador, o juiz Diego Paes Moreira considerou que não é mais possível verificar se 'houve ou não a quebra da voluntariedade de sua vontade'. "Ainda que não tenha sido demonstrado que Felipe fora efetivamente coagido, a confiabilidade no acordo está fragilizada, não havendo mais a segurança necessária acerca dos fatos objeto da colaboração. E, com o óbito do colaborador, não é mais possível realizar-se tal apuração", anotou.
O magistrado destacou que a delação não foi o único elemento de prova usado na ação, mas foi o ponto de partida das apurações e influenciou as decisões dadas pelo juízo da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo. Por ver 'dependência entre as fontes', Diego Paes Moreira entendeu que não é possível aproveitar as provas produzidas durante o inquérito.
A avaliação do juiz é a de que a 'dúvida acerca das declarações repercute não apenas nos elementos de corroboração, mas também nas provas que foram obtidas a partir do relato, ainda que licitamente produzidas'.
"As declarações de Felipe Ramos Morais, que serviram como um dos elementos de convencimento que fundamentaram as decisões proferidas por este Juízo desde o início das investigações, não são mais confiáveis. Consequentemente, as decisões proferidas utilizando-as como fundamentação, apesar de também terem utilizado outros indícios, são nulas, eivando de nulidade também os elementos obtidos a partir delas", ressaltou.
Considerando a nulidade das provas que embasaram o processo, o juiz não viu justa causa para o prosseguimento da ação, determinando a extinção da mesma. Além disso, levantou todas as restrições determinadas contra os investigados, como o bloqueio de bens.
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